Thursday, 02 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

José Queirós

‘A publicação automática de comentários no Público Online vai acabar. A partir de 5 de Março, dia em que celebramos o 21º aniversário do jornal, esta decisão torna-se efectiva’ — a garantia é dada pela directora do jornal, Bárbara Reis, e creio que será vista pela maioria dos leitores como uma boa maneira de celebrar mais um ano de vida do PÚBLICO.

Após alguns meses de testes, afinação técnica e formação dos responsáveis pela moderação dos comentários às notícias do Público Online, será assim dado um passo que considero decisivo para a reputação do jornal. A avaliar por inúmeras mensagens que recebo, a medida irá satisfazer os leitores mais identificados com a matriz editorial do PÚBLICO, e especialmente os que têm vindo a abdicar de intervir nas caixas de comentários, por considerarem que esse espaço — e cito, entre muitas, a opinião do leitor Igor Sousa — foi assaltado por intervenções que ‘não são condizentes com a qualidade da informação que o jornal presta’.

O fórum de discussão sobre a actualidade que essas áreas de comentários propiciam é um valioso contributo que as edições na rede trouxeram ao jornalismo. A opinião livre e plural dos cidadãos, a troca de argumentos, a crítica aberta do que se noticia e de como se noticia são valores inestimáveis. Mas convivem mal com a injúria, a ofensa gratuita e a violência verbal. A onda de comentários homofóbicos e boçais que chegou a acompanhar algumas notícias sobre o assassinato de um cronista social foi um exemplo recente de degradação desse espaço de debate, demasiadas vezes marcado pelo recurso ao insulto em manifestações de intolerância ideológica, partidária ou clubística.

Sem repetir as razões que me levaram, em crónicas anteriores, a defender a decisão que agora se confirma, penso que o leitor João Chumbo diz o essencial quando escreve: ‘É possível aos leitores comentarem os artigos publicados, o que é sobretudo positivo. Gosto de ler as ideias, os argumentos e as opiniões do cidadão comum que observa a sociedade duma forma diferente dos profissionais: jornalistas, políticos e pessoas relevantes na cultura, no desporto e nas finanças. Mas é confrangedor ler comentários com conteúdo exclusivamente insultuoso’. Os seus autores, defende, ‘não deviam ter acesso ao jornal’.

Como provedor do leitor, saúdo uma decisão que, nas palavras da directora do jornal, ‘responde a uma preocupação da redacção e de muitos leitores do nosso site, que há anos pedem um maior controlo na publicação de mensagens’. Como ela, acredito que ‘esta mudança vai elevar a qualidade da discussão no PÚBLICO Online’. E saúdo-a, também, porque esta medida de qualificação de uma edição para a Internet que é procurada por centenas de milhares de pessoas exigiu certamente um esforço significativo de mobilização de recursos humanos e técnicos, que se sobrepôs a considerações de outra ordem, o que a meu ver prestigia o PÚBLICO no quadro da comunicação social portuguesa.

Bárbara Reis explica como irá funcionar o novo sistema de gestão dos comentários: ‘Uma equipa de 20 pessoas (…) vai ler todos os comentários enviados para o PÚBLICO Online antes de estes entrarem em linha. Para garantir fluidez na publicação, foi organizado um horário para esta nova equipa. Durante a semana, a leitura de comentários será feita entre as 9h e as 23h. Estamos a trabalhar numa solução que permita uma publicação expedita ao fim-de-semana, mas nesta fase não vamos conseguir cobrir 24 sobre 24 horas. Isto significa que haverá períodos nos quais os comentários ficarão em espera durante algum tempo até serem lidos e publicados (ou não). Preferimos adiar a publicação de comentários a dar voz e palco a mensagens que violam as regras básicas da cortesia e boa cidadania’.

Além disso, o PUBLICO irá beneficiar ‘os leitores que optem por se registar’ para participar no espaço de discussão on line. ‘Os comentários das pessoas registadas’ — anuncia a directora — ‘serão publicados antes e acima dos comentários de leitores não registados (pelas mesmas razões, os comentários feitos via Facebook e Twitter também continuarão a ser colocados no topo). Por valorizarmos muitíssimo este fórum de cidadãos, vamos passar a publicar diariamente, junto à secção Cartas à Directora, no jornal impresso, dois dos melhores comentários publicados no site’. Embora o registo não vá ser obrigatório, creio que esta solução, ao favorecer a intervenção de quem não vê necessidade de esconder o rosto para se exprimir no espaço público, irá valorizar a lisura e a qualidade dos debates.

Com este modelo de moderação, ‘a ferramenta de denúncia desaparecerá, visto que todos os comentários serão lidos antes de serem publicados’, informa ainda Bárbara Reis. É outra medida positiva, porque esse mecanismo até agora colocado à disposição dos leitores tem o efeito perverso, para que tenho alertado, de permitir a eliminação mal intencionada de comentários que não transgridem os critérios de publicação em vigor. E esse tem sido também um motivo de queixas frequentes.

Com a mudança anunciada, o problema passará a ser outro. Uma equipa de 20 moderadores terá de afinar sucessivamente, entre si e com os responsáveis editoriais, a análise do que deve ou não ser publicado à luz dos critérios definidos. A experiência ajudará, mas haverá erros. Zonas cinzentas que se irão clarificando. Dúvidas difíceis de resolver (o que aconselhará a optar pela publicação). Presumo que as queixas que passarei a receber serão as de quem discorde das decisões dos moderadores. Assim seja: será mais útil e interessante do que assistir à repetida e justa indignação de quem não aceita ver degradar-se um espaço que é de debate público e livre, aberto a todas as opiniões e isento de tabus, mas cujos responsáveis — neste caso a direcção do PÚBLICO — têm o direito, e a meu ver o dever, de o querer também qualificado e decente.

Surgirão novos dilemas, sobre os quais é difícil ter certezas antecipadas. O registo dos comentadores deveria ou não ser obrigatório? A regra de uma assinatura única por comentador, ainda que com liberdade de uso de pseudónimo, não estimularia a troca de opiniões entre membros da comunidade de leitores? O reconhecimento da idoneidade de comentadores registados não deveria conferir-lhes o direito à publicação automática — e portanto mais rápida — das suas intervenções, sem prejuízo de tal privilégio poder ser revisto? O recurso ao anonimato para exprimir uma opinião não deveria ter de ser justificado caso a caso? São questões que o novo modelo escolhido pelo PÚBLICO e as diversas experiências em curso em órgãos de referência noutras latitudes ajudarão a esclarecer num futuro próximo.

Nota — É altura de pedir aos leitores menos atentos às funcionalidades do Público Online que dirijam para as áreas de comentários, ou para as cartas à directora, e não para mim, as suas reacções à substância das notícias (um conflito que eclodiu, um escândalo que rebentou, uma decisão política, as declarações de uma figura pública…). Nem é este o espaço para as discutir, nem é aqui que serão publicadas.

Colunistas e partidos

O leitor Pedro Fuzeta da Ponte estranha que António Vilarigues, colunista regular do PÚBLICO, seja identificado nos seus artigos como especialista em sistemas de comunicação e informação, quando, em seu entender, as opiniões do autor são, ‘essencialmente, propaganda oficial do Partido Comunista’. Defende que, em nome da ‘transparência’, deveria ser indicada ‘a sua condição de militante ou simpatizante comunista’, e argumenta que ‘em todos os artigos jornalísticos de teor político subscritos por indivíduos claramente identificados com determinadas forças partidárias (…) normalmente é feita a pertinente menção no fim da peça’.

O director adjunto do PÚBLICO Nuno Pacheco explica que não é bem assim: ‘O princípio seguido em relação aos colunistas é identificá-los pela profissão ou ocupação principal. (…). Em dois únicos casos (…) foram acrescentadas as indicações de deputado eleito ao Parlamento Europeu: Vital Moreira, professor universitário (eleito pelo PS) e Rui Tavares, historiador (eleito pelo BE). Durante o período em que foram candidatos às eleições europeias essa qualidade foi também assinalada’. E recorda que o mesmo se passou quando Vilarigues foi candidato a eleições autárquicas, tendo então sido acrescentada a menção de ‘candidato da CDU à presidência da Câmara de Penalva do Castelo’.

Esclarecendo que nunca constou da identificação dos colunistas ‘o facto de serem ou poderem ser militantes ou simpatizantes de qualquer formação ou área política’, Nuno Pacheco acrescenta: ‘Em geral, não temos em conta os colunistas como propagandistas de determinada ideia partidária, mas sim como pessoas que (…) produzem pensamento a ter em conta, concorde-se ou não com o que escrevem. É esta a regra seguida até aqui (…) e é igual para todos (…). Aos leitores cabe julgar as opiniões pelo que elas valem e não por um selo partidário que as sancione. Nos casos de Vital Moreira e Rui Tavares, serem eurodeputados passou a ser a sua ocupação principal e daí o uso dessa designação, acrescida do partido pelo qual foram eleitos. Isso será aplicado a quaisquer outros colunistas que sejam eleitos deputados ou eurodeputados por qualquer partido e em qualquer eleição’.

Por lapso, isso não ocorreu num único caso, o de José Pacheco Pereira, que, sendo há muito um colunista regular do PÚBLICO, foi eleito deputado pelo PSD nas últimas legislativas. Esse lapso foi ontem mesmo corrigido, com o acordo do próprio.

Fica clara, e agora sem incoerências, a opção do jornal. Podia ser outra, naturalmente, mas é legítima e defensável. Creio que o que importa sublinhar é que o PÚBLICO, sem descurar uma preocupação de pluralidade no espectro da opinião política, deve escolher os seus colunistas pelo mérito individual e não por critérios de representação partidária.’