Friday, 03 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Mídias sociais e governo discutem combate ao crime

Autoridades britânicas e representantes do Twitter, Facebook e BlackBerry participaram de uma reunião, na semana passada, para discutir formas voluntárias para limitar o uso de mídias sociais durante períodos de distúrbios populares, como as violentas manifestações em diversas cidades do Reino Unido há algumas semanas. Muitos dos jovens que participaram dos atos de vandalismo, que tiveram início após a morte de um homem de 29 anos pela polícia, comunicavam-se pelas redes sociais e pelo serviço de mensagens instantâneas do BlackBerry, o que levou o primeiro-ministro, David Cameron, a pedir a restrição destas ferramentas. A atitude do premiê fez com que ele fosse acusado de censura e chamado de hipócrita, por tentar resolver o problema da maneira mais fácil sem discutir as questões sociais que levaram aos confrontos.

Antes da reunião, o Facebook e o Twitter declararam que se manteriam firmes contra possíveis pedidos do governo para proibir pessoas de acessarem as redes ou encerrarem seus sites em períodos de desordem civil. Segundo um relato da reunião, a ministra do Interior, Theresa May, teria dito que o objetivo do encontro não era discutir limitações aos serviços de internet, mas sim reprimir as redes usadas para atos criminosos. Uma porta-voz da ministra afirmou, no entanto, que o governo não tem intenção de ampliar seus poderes.

Na prática, o debate acabou tomando o caminho da defesa do fortalecimento policial para obter informações das redes sociais. Defensores da liberdade de expressão ressaltaram que o governo considera adotar medidas similares às criticadas em regimes totalitários. “Você não quer estar em uma lista com países que derrubaram as mídias sociais durante a Primavera Árabe”, afirmou Jo Glanville, editora da organização Index on Censorship, lembrando que ações deste tipo prejudicam a democracia.

Também participaram do encontro a comissária adjunta da Polícia de Londres, Lynn Owens, funcionários do Ministério das Relações Exteriores e do Departamento para Cultura, Mídia e Esporte, e o ministro de Segurança, James Brokenshire. “Eu entendo que algumas pessoas fiquem apreensivas”, afirmou o policial veterano Gordon Scobbie, presente na reunião. “Mas se elas [as redes sociais] estão permitindo atividade criminal – e isso foi criminalidade grave, pessoas perderam suas vidas nestes distúrbios –, luto para entender como as coisas podem apenas continuar como estão”. Ele ressaltou que a polícia tem a missão de proteger os cidadãos, e que esta missão vem sempre equilibrada com o respeito aos direitos humanos, “online ou offline”.

O encontro se deu a portas fechadas, e as companhias não divulgaram as medidas que irão – ou não – tomar para cooperar com a polícia e o governo britânicos. Segundo Scobbie, no entanto, o grupo debateu o quanto as redes sociais estariam dispostas a interferir em suas regras de privacidade para ajudar a polícia no combate ao crime. O Twitter, citou como exemplo, consideraria obrigar as pessoas a usarem seus nomes reais nos perfis. Um porta-voz do microblog, por outro lado, negou a informação. “O Twitter não considera pedir o uso de nomes reais e a reunião não foi uma ‘negociação’”, declarou.

Fonte valiosa de informação

Antes do encontro, as empresas afirmaram que iriam aconselhar o governo a evitar medidas de emergência que possam ver vistas como uma nova forma de censura online. Elas lembraram que, além dos jovens que compartilhavam informações sobre os atos de vandalismo, a polícia também conseguiu frustrar ataques a pontos turísticos de Londres depois que interceptou mensagens via BlackBerry – o que sugere que o funcionamento das redes também pode ser uma fonte valiosa de inteligência.

O Facebook, que tem mais de 30 milhões de usuários no Reino Unido, disse já ter removido de suas páginas “diversas ameaças de violência” para tentar diminuir os atos de vandalismo no país. A Research In Motion (RIM), companhia por trás do BlackBerry, já havia concordado em fornecer informações da ferramenta de troca de mensagens BlackBerry Messenger (BBM) à polícia britânica sob determinadas circunstâncias. O serviço foi bastante usado pelos manifestantes para organizar ataques no início de agosto. A empresa também já havia negociado com a Índia e a Arábia Saudita para permitir monitoramento limitado de mensagens de usuários.

Esta não é a primeira vez que uma polêmica sobre os limites da liberdade nas redes sociais ocorre no Reino Unido. No ano passado, Paul Chambers, de 26 anos, frustrado com o atraso de um voo, fez uma piada via Twitter dizendo que iria explodir o aeroporto. Chambers foi preso e multado, e ainda perdeu o emprego. No início do ano, diante de uma ordem judicial impedindo que a mídia tradicional publicasse o nome de um jogador de futebol que teria um caso com uma estrela de reality show, dezenas de milhares de usuários do microblog fizeram questão de divulgar o nome do atleta, Ryan Giggs, em seus perfis online.

A controvérsia promote continuar. Scobbie defendeu que, assim como a polícia tem, em determinadas situações, seus meios para interceptar ligações telefônicas, a autoridade policial não deve ser restrita no meio online. Já Jo Glanville definiu as justificativas das autoridades como uma resposta impulsiva à criminalidade. Nos episódios de violência em cidades britânicas, ao mesmo tempo em que a polícia viu nas mídias sociais uma ferramenta útil para capturar saqueadores que postavam na internet fotos dos bens que roubavam, comunidades usaram estas mesmas redes para se reunir e limpar seus bairros. “A questão não é sobre as mídias sociais, é sobre o estado da nação. Em vez de falar sobre nossos maiores problemas, estamos falando sobre o meio”, resumiu. Com informações de Josh Halliday [The Guardian, 24/8/11] e Ravi Somaiya [The New York Times, 25/8/11].