Friday, 01 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Noticiário distorce informação

O poder da televisão no Brasil é tão grande que ela chega a tripudiar da inteligência do telespectador. A edição de segunda-feira (19/7) do Jornal da Band exibiu uma ‘reportagem’ sobre projeto do governo que, segundo a rede Bandeirantes, visa a facilitar o processo de concessões de TV a cabo. O que achei mais impressionante foi argumento adotado para convencer o telespectador que esta ampliação da oferta de TV a cabo traria prejuízo ao telespectador. Segundo eles, o governo deixaria de arrecadar 900 milhões de reais. Recursos que seriam suficientes para construir 25 hospitais, ou reformar o Maracanã.


Como sempre, um ‘especialista’ foi ouvido para informar que o governo não pode abrir mão de uma receita tão significativa. A ‘reportagem’ informa que o projeto tem como meta, além de prejudicar o consumidor (tem que ser contorcionista para conseguir acompanhar o raciocínio), beneficiar as empresas telefônicas.


Aí chegamos ao ponto. Dois cliques. Digito no Google ‘projeto de lei’ ‘TV a cabo’. As quatro primeiras entradas vão ao encontro da tese defendida pela Rede Bandeirantes, mas eis que na quinta ocorrência chego ao sítio do Observatório do Direito à Comunicação. Neste endereço, tenho acesso ao texto ‘Nova lei da TV paga forçará radiodifusores a se desfazerem de outorgas de cabo’, do sempre bem informado Samuel Possebon, do sítio Teletime.


Uma piada de muito mau gosto


Em poucos caracteres, Possebon desmascara a repentina preocupação do grupo Bandeirantes com os pobres contribuintes:




‘Um dos elementos centrais que existem no PLC 116/2010 (antigo PL 29/2007), que cria novas regras para a TV paga, é um dispositivo que prevê que empresas de radiodifusão e produtoras de conteúdo não controlem outorgas de TV paga e, de maneira análoga, empresas de telecomunicações não poderão controlar a produção de conteúdos. Mas há um problema grande no horizonte. Hoje, muitos grupos de comunicação, incluindo radiodifusores, são operadores de TV por assinatura (…) Mas existem outras situações mais específicas: hoje, entre os controladores da operadora de TV a cabo TV Cidade estão Bandeirantes e SBT, o que colocaria essa composição societária em desacordo com o novo projeto da TV paga.’


Aí conseguimos perceber como a rede de televisão usa a concessão pública para defender seus interesses comerciais e ainda tem a coragem de dizer que está preocupada com a arrecadação do Estado brasileiro. É uma piada. Pena que é uma piada de muito, muito mau gosto.

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Antropólogo, Brasília, DF