Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O fim do anonimato na internet

De uma briga entre torcedores de hóquei e policiais em Vancouver, no Canadá, há pouco mais de uma semana, surgiu uma fotografia inusitada. Em primeiro plano, um policial fora de foco com um escudo de proteção vem em direção ao fotógrafo. Ao fundo, são vistos mais policiais correndo atrás de pessoas. Entre uma coisa e outra, deitado no asfalto, está um casal – flagrado durante um beijo. À primeira vista, a cena causa estranhamento. O que estariam os jovens fazendo ali, no meio da rua, aos beijos, no meio daquela confusão?

A resposta para o mistério foi rápida. Depois de publicada e divulgada na internet, a foto logo ganhou uma explicação. Quem identificou os personagens foi o pai de Scott Jones, o homem que aparece beijando a namorada. Ela havia sido agredida e derrubada por um policial, estava machucada no chão, e ele, cavalheiro, deitou ao seu lado para confortá-la. Este breve momento tornou-se agora eterno pela lente do fotógrafo freelancer Rich Lam. E, poucos dias depois, lá estavam Jones e a namorada, Alex Thomas, dando entrevista no programa matutino Today, na rede americana NBC.

O caso do jovem casal ilustra bem o que se tornou a internet: antes vista como um lugar ideal para o anonimato, a rede mundial de computadores abraça cada vez mais o significado de “rede” e mostra que se tornou o lugar onde o anonimato tem fim.

Inteligência coletiva

Também nas últimas semanas, uma mulher foi filmada durante uma discussão com uma funcionária de um trem em Nova York. No meio da discussão, após ser repreendida por estar falando alto demais ao celular, ela disse: “Você sabe em que escolas eu estudei e como tive boa educação?”. O vídeo foi parar na internet, a mulher foi rapidamente identificada – ela estudou na NYU – e foi alvo de críticas e piadas em blogs e redes sociais.

“A inteligência coletiva dos internautas e as impressões digitais que tantas pessoas deixam nos sites se combinam para fazer com que cada vídeo vergonhoso, cada foto íntima e cada e-mail indelicado seja atribuído à sua fonte, queira ela ou não. Esta inteligência transforma a esfera pública em mais pública do que nunca e, por vezes, força a vida pessoal dentro dos olhos do público”, afirma o jornalista Brian Stelter em artigo no New York Times [20/6/11].

Caça às bruxas

Para algumas pessoas, continua ele, este fenômeno pode ser comparado aos agentes de governos repressores do Oriente Médio que monitoram protestos online para agir offline. Junto com a foto do casal em Vancouver (que alega que não estava participando do confronto), outras imagens levaram à identificação de pessoas envolvidas na confusão. Uma estudante fotografada em meio ao conflito com a polícia escreveu posteriormente em seu blog que se tratava de uma “caça às bruxas do século 21”.

Ainda que seja ruim para quem é flagrado fazendo algo errado, o fenômeno tem, diz Stelter, inúmeros efeitos positivos: a internet pode ajudar a combater a criminalidade, desmascarar mentirosos e tornar pessoas comuns em ícones. Foi o que aconteceu com um menino australiano em março deste ano. Ridicularizado pelos colegas de escola por ser gordinho, Casey Heynes foi filmado enquanto sofria com as implicâncias de outro menino, mais novo e menor que ele.

A cena, que devia ser corriqueira, mostrava o menino o empurrando e lhe dando socos. O que não se esperava é que, pela primeira vez, Casey fosse reagir ao abuso. Irritado, ele pega o outro menino e o joga com força no chão. O vídeo foi parar na rede, e Casey virou celebridade instantânea. O garoto recebeu milhares de mensagens de pessoas em todo mundo o elogiando por ter revidado e se tornou uma espécie de símbolo contra o bullying nas escolas.

 

Redes sociais

A “erosão do anonimato”, diz Stelter, é um produto do aumento do uso das mídias sociais, do barateamento dos celulares com câmeras, dos sites gratuitos de foto e vídeo e, mais importante, de uma mudança no modo como as pessoas vêem as diferenças entre público e privado. Especialistas em comportamento na internet dizem que esta mudança foi impulsionada pela popularidade de redes sociais como o Facebook, que estimulam os internautas a usar suas identidades verdadeiras e os encorajam a compartilhar suas opiniões, fotos e vídeos.

É fácil se tornar personagem na rede. Apagar suas marcas, por outro lado, é mais complicado. A mulher filmada discutindo no trem em Nova York fechou suas contas no Twitter e no LinkedIn assim que viu seu nome pipocando na blogosfera. A pessoa que postou o vídeo o tirou do ar, mas já era tarde: outras pessoas já o haviam copiado e colocado novamente na internet.