Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O machismo oculto em organizações ditas progressistas

Numa época em que uma das mais poderosas empresas de relações públicas norte-americanas, de esquerda, fecha as portas diante de acusações de que seu fundador, Trevor FitzGibbon, teria assediado sexualmente e atacado tanto empregadas quanto clientes, muitos progressistas coçam e balançam a cabeça com olhar desaprovador. Como é que uma pessoa tão envolvida com o movimento – cujos clientes incluem a central sindical AFL-CIO, o site MoveOn [um grupo progressista de defesa de políticas públicas e também comissão de ação política] e até grupos feministas, como o Naral Pro-choice e o UltraViolet – poderia ser sexista e praticar abusos sexuais, de acordo com a denúncia de muitas mulheres?

Mas a notícia não deveria surpreender ninguém, mesmo que se trate de uma organização progressista. É apenas o mais recente indício de que, embora considerado ilegal, o assédio sexual ainda está impregnado nos locais de trabalho – seja qual for a ideologia.

A Lei dos Direitos Civis, aprovada em 1964, lançou o trabalho preparatório para tornar o assédio sexual ilegal e a Comissão para Oportunidades Iguais de Emprego – o órgão que controla os direitos das pessoas em seus locais de trabalho – incorporou às suas normas a proteção por assédio sexual em 1980, tornando-o oficialmente ilegal. A maioria dos norte-americanos só tomou conhecimento de que o assédio era ilegal quando Anita Hill depôs contra a nomeação de Clarence Thomas para a Corte Suprema, em 1991. Está em vigor, portanto, há mais de duas décadas.

No entanto, até hoje as mulheres são constantes vítimas de assédio em seus locais de trabalho. Uma pesquisa recente feita pela revista Cosmopolitan junto a vários milhares de mulheres detectou que um terço delas havia sofrido assédio sexual em alguma altura de suas carreiras. Outras pesquisas revelam regularmente números semelhantes; uma delas, de 2011, detectou que um quarto das mulheres pesquisadas sofrera assédio sexual no local de trabalho, enquanto outra, de 2013, revelou que uma em cada cinco mulheres tinha sofrido assédio por parte de um chefe e uma quarta parte delas fora assediada por colegas de trabalho.

Não quero dar um tiro no pé”

Assim mesmo, a maioria das mulheres não faz a denúncia abertamente, como ocorreu no caso da FitzGibbon Media. Na pesquisa feita pela Cosmopolitan, quase três quartos das mulheres que haviam sofrido assédio não o denunciaram. A pesquisa de 2013 também revelou que mais de dois terços das vítimas nada disse.

Isso é muito provável de acontecer porque elas sabem das consequências que poderiam vir a incorrer e das forças que têm pela frente. O preço a pagar pode ser direto e indireto. Abrir uma ação judicial exige uma considerável porção de dinheiro para um advogado, um dinheiro que nem sempre você recupera se as coisas não correrem bem a seu favor. Mas mesmo antes dessa medida, há o custo profissional em potencial de lançar uma acusação contra alguém de sua área – alguém de quem você pode vir a depender em termos de um emprego ou de um contracheque – ou de simplesmente zelar por sua boa reputação em sua indústria.

As mulheres – e os homens – que trabalhavam na FitzGibbon Media, definitivamente aprenderam isso, se é que já não sabiam dos riscos. A firma deixou de existir porque o próprio Trevor FitzGibbon pôs fim aos negócios. E, embora role uma conversa sobre a possibilidade de se abrir uma nova empresa sem ele e ajudar os trabalhadores a conseguirem seus empregos de volta, isso mostra como pode ser concreta a ameaça a uma carreira.

Mesmo quem não era diretamente empregado por Trevor FitzGibbon sabia da probabilidade de haver um custo ao expor seu comportamento. Uma mulher – que preferiu manter o anonimato – que trabalhou com ele no atendimento aos clientes, disse a Emily Crockett, da Vox: “O mundo político progressista, assim como o mundo da mídia, é tão pequeno e interconectado, e ele teve uma influência tão grande nisso… que eu não quero dar um tiro no pé, pois posso precisar de uma recomendação lá mais pra frente.” Inúmeras mulheres ficaram presas a essa posição, conscientes de que em algum momento provavelmente iriam precisar de alguma coisa do homem que naquela ocasião as assediava.

As empregadas se juntaram e decidiram falar

E mesmo quando as mulheres se enchem de coragem e fazem a denúncia, muitas vezes não conseguem sair ganhando. A Comissão para Oportunidades Iguais de Emprego recebeu quase 7 mil denúncias de assédio sexual no ano passado, das quais quase a metade foi arquivada por falta de um motivo razoável – ou seja, as autoras das denúncias não receberam coisa alguma. E o número de casos que chegam a essa fase pode estar diminuindo. Em 2013, a Corte Suprema limitou as normas relativas a quem denuncia e prova assédio sexual – dúzias de casos foram postos de lado com essas novas medidas. Portanto, por que enfrentar todas essas dificuldades apenas para perder no tribunal?

As mulheres enfrentam muitos obstáculos para provar suas denúncias mesmo dentro de suas próprias empresas. A semana passada não foi a primeira vez que Trevor FitzGibbon foi acusado com denúncias. Quando ainda trabalhava em seu emprego anterior, na Fenton Communications, várias colegas o acusaram de assédio sexual, segundo reportagem do Huffington Post. Embora a empresa tenha dito que investigou imediatamente as denúncias, inclusive que o puniu, ele não foi demitido; ficou apenas sob vigilância. E depois saiu para montar sua própria empresa.

Com pouca repercussão em relação ao contínuo comportamento de abuso, conhecidos autores de assédio deslocam-se livremente nos locais de trabalho, inclusive em locais progressistas.

Desse tipo de resposta – uma investigação, uma leve punição e a promessa de se manter atento ao problema, enquanto se permite ao autor do assédio que mantenha seu emprego e continue a trabalhar lado a lado com aquelas que o acusaram – tem um resultado. Anima o autor do assédio e cala a pessoa assediada. E também é praticamente comum. As empresas não têm que envolver advogados e correr o risco de uma briga judicial. Não têm que contratar um novo funcionário. Vai tudo para baixo do tapete.

Só que as consequências são consideráveis. Isso é parte do motivo pelo qual os predadores sexuais se escondem tanto em espaços progressistas quanto conservadores. Com pouca repercussão em relação a um comportamento abusivo, mesmo por parte de feministas confessas, os autores de assédio sexual deslocam-se livremente e mesmo aquelas que têm conhecimento das denúncias decidem trabalhar com eles.

A empresa FitzGibbon Media é um caso único em apenas uma coisa: as empregadas se juntaram e decidiram falar. E o fizeram correndo grandes riscos e custo pessoal. São os riscos e custos que tornam tão provável que inúmeros autores de abuso e assédio sexual estejam alegremente empregados em alguma autoproclamada instituição progressista.

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Bryce Covert é editora de política econômica do site ThinkProgress