Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Painel do Leitor, Folha de S. Paulo



’16/05/04

‘The New York Times’

‘Parabenizo o professor Roberto Romano pelo seu artigo ‘Truculências governamentais’ (‘Tendências/Debates’, pág. A3, 14/5). Oxalá o senhor Luiz Inácio Lula da Silva tenha acesso a essa leitura e possa repensar seu governo e refletir na frase destacada no artigo: ‘Os que se julgam donos do Brasil devem aprender que o poder não lhes foi concedido para intimidações ou vinganças’. Apare suas garras, presidente, pois estamos tentando viver uma democracia.’ Sonia Maria Piva Amaro (São José do Rio Preto, SP)

‘A firmeza e a independência do governo, defendendo os direitos do seu povo em vários aspectos (Alca, algodão, Iraque etc) e não se submetendo ao ‘prato feito’ está certamente incomodando os donos da democracia e da liberdade no mundo. Os velhos métodos já mostraram não dar mais certo -como pudemos ver na tentativa de golpe na Venezuela, quando o tiro saiu pela culatra. Talvez a melhor opção agora seja o caminho da desmoralização: tentar solapar o governo com falsos boatos e abalá-lo pela raiz à custa de mentiras, no que, aliás, os americanos estão se tornando especialistas. Haja vista o que vem acontecendo no Iraque pré e pós-guerra, com uma seqüência desavergonhada de ‘falsas verdades’.’ Margarida Galvão (São Paulo, SP)

‘O ‘Painel’ (Brasil, pág. A4), em 14/5, relatou uma conversa de um governador tucano que teria alertado o presidente Lula sobre a gestação de um escândalo para desgastá-lo e prejudicar o PT nas eleições. Disse ainda o ‘Painel’: ‘Só não explicou aos comensais [do PL] como nasceu a conexão PSDB -’NYT’. A explicação não poderia ser encontrada naquela nota publicada na coluna de Mônica Bergamo (Ilustrada, pág. E2) em 12/5 na qual comenta a reportagem desse jornalista americano, Rother, em dezembro de 2002, com ‘os maiores elogios a FHC’?’ Jasson de Oliveira Andrade (Mogi-Guaçu, SP)

‘Parabéns à Folha pela excelente cobertura deste imbróglio do governo Lula, cuja vocação democrática é novamente posta em dúvida. Pena que a maioria do povo brasileiro não tenha lido o artigo no ‘NYT’ que deu pretexto para a valentia presidencial. Lendo o artigo, traduzido e publicado pela Folha, pode-se tranqüilamente concluir que não houve motivo para a exibição de patriotadas. A decisão de expulsar o jornalista norte-americano talvez tenha boa repercussão interna junto aos desinformados ou ressentidos com os EUA, como espera Lula (nota ‘Go home’, ‘Painel’, Brasil, pág. A4, 13/5). Mas será que isso compensa o desgaste da imagem do governo e do país na comunidade das nações?’ Aluizio Barros (São João del-Rei, MG)

‘Apesar de ser diminuto o espaço dado à notícia enviada por Fernando Canzian de Washington em 14/5 (‘EUA baniram jornalista no ano passado’, Brasil), é muito importante a lembrança de que os americanos expulsaram um jornalista estrangeiro em fevereiro do ano passado -um correspondente da Agência de Notícias Iraquiana que trabalhava na sede das Nações Unidas, em Nova York. Já vi esse filme em algum lugar. O motivo alegado para a expulsão foi que ele era considerado ‘perigoso para a segurança nacional’. Depois disso, como mostra o texto, o Comitê para a Proteção de Jornalistas relata que, por lá, ‘dezenas de jornalistas não conseguem entrar’. Essa atitude norte-americana não tem dado manchetes pelo mundo afora -muito menos no Brasil.’ Luiz Antonio Veloso Siqueira (Itu, SP)

‘Lula teria acertado se tivesse convidado o jornalista Larry Rohter e outros jornalistas brasileiros para passar um domingo com ele e com sua família e se lhes oferecesse, sem nenhuma culpa, uma caipirinha feita com a melhor cachaça nacional. Mataria o assunto e ainda ganharia pontos. Na guerra mundial da imagem, estratégia é fundamental.’ Vivaldi Cunha (Paris, França)

‘Está de parabéns o ministro Peçanha Martins, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que aceitou o pedido de habeas corpus e concedeu salvo conduto ao jornalista do ‘New York Times’ para que permaneça no Brasil. A Justiça é o caminho correto, livre e democrático que qualquer cidadão, inclusive o presidente da República, deve buscar para que a verdade seja estabelecida. O que não é aceitável é que a justiça seja feita com as próprias mãos.’ David Neto (São Paulo, SP)

‘Vítima do regime militar nos anos 70 e 80 e agora deslumbrado com o poder, o presidente Lula está cada dia mais apaixonado pelo poder. Acho que Fidel Castro deve ter-lhe falado como é bom ser ditador. Não que Lula o seja, mas, se não tomar cuidado, do jeito que as coisas vão indo e com a péssima assessoria que o presidente tem, não demorará muito para ir pelo caminho errado. É uma pena que seja esse o rumo enquanto a economia está indo para o buraco.’ Ricardo David Chammas Cassar (Ribeirão Claro, PR)



13/05/04

‘The New York Times’

‘Se o presidente Lula se sentiu ofendido em sua honra pela reportagem do ‘New York Times’, que recorresse à Justiça, lá e cá. E que anunciasse a decisão pelo assessor do assessor de imprensa. Mas preferiu apelar para uma medida administrativa sumária, coisa de tiranete. Santa inépcia, submissa ao tal ‘núcleo duro’ do governo -o usualmente sensato ministro da Justiça não teria sido nem sequer consultado? Seria uma sede de ‘vendetta’ imediata? Ou temor de uma exposição ainda maior de fatos e testemunhos embaraçosos em um tribunal? Ainda opino que o também usualmente sensato chanceler Celso Amorim errou ao afirmar que a reportagem ofendeu o povo brasileiro. Se o jornal e o jornalista não comprovarem as afirmações, que respondam por danos morais. Se, contudo, publicaram a verdade, cumpriram sua missão (descontados alguns exageros). O nacionalismo, alguém já disse, é o refúgio dos velhacos.’ Carlos A. Idoeta (Santana de Parnaíba, SP)

‘Indecente a reportagem de Larry Rohter. Acusar levianamente um chefe de Estado demonstra incapacidade profissional. Todavia a conduta do Ministério da Justiça do Brasil, ao utilizar uma lei oriunda de um período negro, ditatorial, para cassar o visto temporário de um estrangeiro faz com que muitos brasileiros tenhamos desesperança com o atual governo, eleito maciçamente pelo povo de forma democrática. São atitudes de um ditador e demagogo. Não quero um Brasil cubano, não quero um Brasil venezuelano, não quero novamente um Brasil ditatorial. Quero um país livre, independente e que respeite a Constituição, escrita por aqueles que estão mandando e desmandando no país.’ Adriana L. Costa (Guarulhos, SP)

‘Como cidadão, advogado por 23 anos e magistrado federal por quase dez, repudio a posição assumida pela OAB e pela Ajufe contra o cancelamento do visto temporário do correspondente do jornal ‘The New York Times’, responsável pela reportagem infamante e difamatória contra a pessoa do presidente da República. É preciso lembrar que o ato administrativo do governo federal foi formado com base na legislação vigente, sendo irrelevante se esta foi promulgada ao tempo do regime militar. É uma legislação que deve ser cumprida até que sobrevenha a sua formal revogação ou que venha a ser declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Mais do que a pessoa do presidente, o injustificável agravo atingiu a instituição da Presidência da República e a honra de todos os brasileiros, razão pela qual o presidente deveria merecer, em vez de censura pública, toda a solidariedade e desagravo por parte dessas entidades, que, diante das ações do MST e de outros movimentos sociais, vivem pedindo a aplicação da lei vigente.’ Walter do Amaral, desembargador federal, TRF-3ª Região (São Paulo, SP)

‘A decisão de cassar o visto do desastrado correspondente do ‘NYT’ é de uma gravidade que dispensa maiores comentários. A defesa feita pelo presidente do PT, José Genoino, é patética ao tentar justificar uma arbitrariedade antes só cometida pelo regime militar em 1970. O que assusta é que as pessoas que tomaram essa decisão e a levaram a cabo, no melhor estilo Hugo Chávez, também têm a incumbência de conduzir o país com tirocínio, ponderação e equilíbrio. Preocupa muito a sensação de que se pratica no Brasil um ‘governo-escola’.’ Jayme Serva (São Paulo, SP)

‘O que os EUA fariam com um jornalista brasileiro que escrevesse um texto em um importante jornal afirmando que o presidente Bush estava bêbado quando supostamente desmaiou vendo televisão porque engasgou com um pretzel? Ou que estava bêbado quando decidiu invadir o Iraque sem o apoio da ONU e sem provas de que existiam armas de destruição em massa? Ou que estava mais bêbado ainda quando colocou Donald Rumsfeld como secretário de Defesa, um secretário que permite que ocorram as maiores atrocidades nas prisões americanas do Iraque e de Guantánamo?’ Cristiano Rezende Penha (Campinas, SP)’



12/05/04

‘NYT’

‘Indignação! Essa é a única palavra que encontro para expressar meu sentimento diante da reportagem veiculada pelo ‘New York Times’ insinuando uma suposta preocupação nacional com os hábitos do presidente Lula. Pode ser mania da imprensa norte-americana querer buscar ‘manchas’ em personagens públicos -seja em copos, seja em vestidos-, mas, no momento em que o Brasil conquista maior liderança internacional e consegue a condenação dos Estados Unidos na OMC, é de perguntar qual é o propósito que motiva um jornalista estrangeiro a usar fontes anônimas e de credibilidade discutível para assacar dúvidas sobre a integridade do chefe da nação.’ Michael Haradom (São Paulo, SP)

‘Desproporcional a reação do Planalto à reportagem do jornal ‘The New York Times’. O texto é acompanhado por uma foto de Lula bebendo cerveja na Oktoberfest e aponta gafes do presidente, sugerindo que elas foram cometidas devido ao excesso de consumo de álcool. Ninguém pode ser a favor do texto do ‘Times’, mas, quando o presidente da CUT (braço sindical do PT), Luiz Marinho, afirmou que Lula ‘já havia tomado vinho demais’ -comentando as declarações do presidente referentes ao fim da multa por demissão na reforma trabalhista- não se viu nada à altura. Nenhum comentário indignado foi pronunciado, tampouco houve nota oficial que condenasse o presidente da CUT.’ Rodrigo Borges de Campos Netto (Brasília, DF)

‘O problema não é o presidente Lula beber muito ou não, mas, sim, o Brasil estar de ressaca pela ‘Ação Zero’. Lula não soube o que fazer com 52 milhões de votos. O país inteiro depositou em suas mãos as cartas para ele jogar como bem quisesse, mas o jogo não começou. Aquilo de que o povo precisa não exige muita verba. Queremos que a Justiça funcione (para pobres e para ricos), que o governo não governe apenas para os capitalistas, que a burocracia trabalhe rapidamente, que os processos andem nos fóruns, que os impostos sejam os menores possíveis para criar empregos, que os órgãos de proteção do consumidor sejam ágeis, que as favelas dêem lugar a habitações dignas… Tudo isso não exige fortuna em investimento, mas a clara determinação de um presidente que tem o firme propósito de humanizar uma nação.’ Jaime Silva (São Paulo, SP)

‘Por que será que o presidente Lula tem sofrido tantos ataques ao seu governo, culminando com a lamentável e indigitada reportagem do ‘New York Times’? Nada justifica uma atitude desrespeitosa contra a autoridade máxima de nosso país, mesmo que a sua administração esteja ofuscando o brilho da estrela de seu partido.’ Pedro Paulo Penna Trindade (São Paulo, SP)



Folha de S. Paulo

‘Chance para Lula’, Editorial, copyright Folha de S. Paulo, 14/05/04

‘A concessão de habeas corpus ao jornalista Larry Rohter não chega a desfazer o grave erro que o governo cometeu na condução de sua querela contra o diário ‘The New York Times’, mas é o bastante para demonstrar que o Brasil, apesar dos surtos autoritários do Planalto, é uma democracia sólida. Funcionou aqui o sistema de ‘checks and balances’ (freios e contrapesos) que caracteriza o equilíbrio dos Poderes. Chamado a intervir, o Judiciário repara uma situação de claro abuso de autoridade do Executivo.

Considerando-se os princípios constitucionais do devido processo legal, do amplo direito à defesa e ao contraditório e, principalmente, o da liberdade de manifestação do pensamento -que se aplicam tanto a brasileiros como a estrangeiros residentes-, não poderia ser outra a decisão do ministro Peçanha Martins, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que não a de outorgar o salvo-conduto ao jornalista. A menos que seja cassado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o habeas corpus se mantém liminarmente até apreciação pelos demais magistrados da Primeira Seção do STJ, o que não deve ocorrer antes de algumas semanas -o suficiente para que o caso arrefeça.

Raras vezes se viu uma administração cometer tão rotundo erro de avaliação política. Em seu esforço para diminuir o impacto negativo da reportagem sobre as libações presidenciais, o governo pôs o mundo inteiro a comentar os hábitos etílicos de Lula e transformou o que qualificava como fofocas no principal assunto da República.

Se o governo recobrar o juízo que lhe faltou quando decidiu pela expulsão de Rohter, não tentará anular a decisão do STJ. Ao contrário, toma-la-á como uma tábua de salvação. Apesar de o habeas corpus poder soar como uma derrota para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, trata-se de sua melhor chance para, sem ter de admitir que errou, deixar que o caso retorne à dimensão de que nunca deveria ter saído: o esquecimento.’

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‘Um Erro’, Editorial, copyright Folha de S. Paulo, 13/05/04

‘Foi um grande erro a decisão do governo brasileiro de expulsar do país o jornalista Larry Rohter, do jornal norte-americano ‘The New York Times’, autor de reportagem segundo a qual o presidente Luiz Inácio Lula da Silva abusaria do consumo de bebidas alcoólicas.

Antes de mais nada, trata-se de uma medida truculenta que, em preocupante senda obscurantista, arranha o essencial instituto da liberdade de expressão. A partir de agora correspondentes estrangeiros terão de se preocupar se os textos que escrevem irão ou não agradar ao Planalto. Na hipótese de deixarem as autoridades descontentes, o risco é a expulsão. E, como escaladas de arbítrio muitas vezes começam com episódios aparentemente pequenos, também jornalistas brasileiros poderão sentir-se ameaçados. Fica a sensação de que o governo se deixou levar por uma inclinação autoritária.

Mesmo considerando apenas o ponto de vista do Planalto, a cassação do visto do jornalista é um exagero e revela o amadorismo e a inabilidade do núcleo de auxiliares que cerca Lula. Com efeito, o presidente vinha saindo-se bem no caso. A qualidade técnica da reportagem era no mínimo discutível. Nada autorizava o correspondente a afirmar que a relação do presidente da República com bebidas se transformara em ‘preocupação nacional’. Suas considerações basearam-se em rumores e em fontes suspeitas. Esta Folha noticiou e reproduziu a reportagem no domingo por entender que se tratava de um fato jornalisticamente relevante. O diário nova-iorquino é um dos mais influentes do mundo.

As deficiências e o tom injurioso do material publicado fizeram com que vozes representativas dos mais variados setores da sociedade brasileira saíssem em defesa do presidente. Certamente que Lula tem todo o direito de se sentir agredido e de exigir reparação. Ao decidir, porém, pela expulsão, o Planalto deu ao episódio uma dimensão que ele não tinha nem merecia ter. Provincianamente, transformou o caso em questão de Estado e feriu liberdades públicas. Se o governo receava que a reportagem fosse provocar danos à imagem do país, agora pode ter certeza de que essa expulsão o fará.’

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‘Regime militar expulsou jornalista em 1970’, copyright Folha de S. Paulo, 13/05/04

‘Na história recente, o único caso conhecido de um jornalista expulso do Brasil ocorreu em 1970, no governo do general Emílio Garrastazu Médici (1969-1974).

Em 7 de dezembro daquele ano, o embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher foi seqüestrado pela VPR (Vanguarda Popular Revolucionário), grupo armado que combatia o regime militar. A VPR entregou ao jornalista francês François Pelou, chefe do escritório da France Presse no Rio, a lista de prisioneiros que o governo federal deveria libertar em troca da soltura do embaixador. Pelou encaminhou a lista ao embaixador francês, mas tirou fotocópias da mesma e a enviou ao exterior.

Pelou acabou sendo detido por agentes do Dops. O jornalista foi solto um dia depois, mas teve sua carteira de correspondente cassada recebeu a ordem de deixar o país em no máximo quatro dias. Na época, o ministro da Justiça era Alfredo Buzaid (1914-1992).

Mais visados que os jornalistas, porém, eram os religiosos estrangeiros. A lista de expulsos inclui o pastor norte-americano Brady Tyson, em 1966, acusado de criticar o governo; o padre francês Pierre Wauthier, em 1968, deportado sob acusação de liderar uma greve em Osasco (SP), a mesma razão que motivou a expulsão do belga Jan Honoré Talpe em 1969.

Em 1971, o governo Médici expulsou o padre italiano Jose Pedandola e, no ano seguinte, impediu o retorno ao país do belga José Comblin, que lecionava teologia em Recife. O governo Ernesto Geisel (1974-1979) expulsou o padre francês Francisco Jentel, em 1975, o italiano Giuseppe Fontanella, em 1976, e o missionário menonita norte-americano Thomas Capuano, em 1977.

Mas o caso mais famoso foi o do padre italiano Vito Miracapillo. Em setembro de 1980, o padre Vito se recusou a celebrar uma missa comemorativa pela Independência do Brasil, em Ribeirão (PE), alegando que não acreditava que o povo brasileiro fosse realmente independente. O padre foi denunciado pelo deputado Severino Cavalcanti (PDS-PE) ao ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel. Em 15 de outubro, o então presidente, o general João Baptista Figueiredo, assina a expulsão, usando como fundamento legal o recém-aprovado Estatuto do Estrangeiro (lei nº 6.815), o mesmo que agora servirá de base para a expulsão de Larry Rohter.’

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‘Governo cancela visto e bane do Brasil jornalista do ‘NYT’’, copyright Folha de S. Paulo, 12/05/04

‘O governo brasileiro considerou ‘inconveniente’ a presença em território nacional do jornalista Larry Rohter, do jornal ‘The New York Times’, e determinou ontem o cancelamento do seu visto temporário. O correspondente fez uma reportagem sobre supostos excessos alcoólicos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Segundo nota oficial do Ministério da Justiça, divulgada ontem à noite, o cancelamento do visto é necessário ‘em face de reportagem leviana, mentirosa e ofensiva à honra do presidente da República’ e que traz ‘grave prejuízo à imagem do país no exterior’.

A Folha apurou que a ordem veio de Lula. A nota é assinada pelo ministro interino da Justiça, Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto. O titular, Márcio Thomaz Bastos, está em viagem oficial à Suíça.

Segundo a Folha apurou, Thomaz Bastos foi informado e ficou preocupado com a repercussão da medida, deixando transparecer que não concordava com ela. Mas orientou sua equipe a executá-la por ser atribuição de sua pasta, de acordo com a legislação.

A nota oficial informa que a decisão foi baseada no artigo 26 da lei 6.815, que diz respeito ao ‘Estatuto do Estrangeiro’. Pela lei, ‘o visto concedido pela autoridade consular configura mera expectativa de direito, podendo a entrada, a estada ou o registro do estrangeiro ser obstado ocorrendo qualquer dos casos do artigo 7º ou à inconveniência de sua presença no território brasileiro, a critério do Ministério da Justiça’.

De acordo com o ministério, a Polícia Federal deve notificar Rohter da decisão e, a partir daí, terá oito dias para deixar o país. Hoje, ele estaria na Argentina.

Ontem, minutos antes de a decisão ser divulgada, Lula comentou com jornalistas a reportagem. Ele falava sobre sua viagem à China no fim de maio e foi indagado se sua imagem internacional tinha sido afetada. Os jornalistas que participavam da entrevista ainda não sabiam da decisão da expulsão. Lula respondeu o seguinte:

‘Primeiro, não peça para o presidente responder a uma sandice daquela. Segundo, certamente, o autor daquilo -que não me conhece, que eu não conheço- deve estar hoje mais preocupado do que eu. Sabe? Só isso’.

Perguntou-se então ao presidente o que ele queria dizer com Rohter estar mais preocupado do que ele. O presidente estão disse: ‘Não, não comento. Isso quem comenta é o Ministério da Justiça. O governo brasileiro deve tomar as decisões que a lei permitir que tome. Eu acho que não merece resposta, merece uma ação’.

Após a entrevista, quando se tornou pública a expulsão, a Folha quis mais explicações do Planalto. A assessoria de Lula não falou mais sobre o caso, que seria tratado pelo Ministério da Justiça.

O ‘NYT’ chegou a publicar ontem carta enviada anteontem ao jornal pelo embaixador do Brasil nos EUA, Roberto Abdenur, na qual ele se diz ‘perplexo’ e ‘indignado’ com o caso. Segundo o secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência, Ricardo Kotscho, que falou sobre o assunto à noite ao programa da TV Cultura ‘Observatório da Imprensa’, além da carta, o embaixador compareceu à Redação do jornal.

Kotscho disse que, como jornalista, acha que a decisão de cancelar o visto de Rohter não foi a melhor, mas, ‘como é do governo’, a apóia. Também à noite, o site do ‘NYT’ reproduziu texto da agência de notícias Reuters sobre a medida anunciada em Brasília.

Na sede do FMI, o assunto foi tratado ontem em tom de brincadeira na entrevista do novo diretor-gerente, Rodrigo Rato. Questionado se já havia tomado ‘caipirinhas’ com Lula, ele disse que, com o presidente brasileiro, só tomou café, mas que toma ‘caipirinhas’ por conta própria.

A reportagem do jornal, que foi publicada no último domingo com o título ‘Hábito de bebericar do presidente vira preocupação nacional’, já havia sido classificada no mesmo dia pelo Palácio do Planalto como ‘caluniosa’, ‘da pior espécie de jornalismo, o marrom’. Leia a seguir a nota divulgada pelo Ministério da Justiça:

Em face de reportagem leviana, mentirosa e ofensiva à honra do presidente da República Federativa do Brasil, com grave prejuízo à imagem do país no exterior, publicada na edição de 9 de maio passado do jornal ‘The New York Times’, o Ministério da Justiça considera, nos termos do artigo 26 da lei nº 6.815, inconveniente a presença em território nacional do autor do referido texto. Nessas condições, determinou o cancelamento do visto temporário do sr.William Larry Rohter Junior.

Brasília, 11 de maio de 2004

Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto

Ministro interino da Justiça

Colaboraram o correspondente em Washington e a Sucursal do Rio’

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‘‘The Economist’ afirma que Lula imitou ditaduras’, copyright Folha de S. Paulo, 14/05/04

‘A decisão do governo brasileiro de expulsar do país o correspondente do ‘New York Times’ Larry Rohter repercutiu ontem na imprensa internacional, que chegou a comparar a atitude com a maneira de agir de ditaduras.

A revista ‘The Economist’ e o jornal ‘Financial Times’, dois veículos britânicos entre os mais prestigiados do jornalismo econômico mundial, criticaram a medida do governo Lula, tomada em reação à reportagem que afirma que o hábito de beber do presidente é preocupação nacional.

A revista diz que dúvidas sobre a atuação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva têm pouco a ver, na verdade, com os rumores sobre seu suposto hábito de beber, mas que a resposta dada por ele ‘imitou a forma de as ditaduras lidarem com seus críticos e o transformou de vítima em agressor’.

O texto da ‘Economist’ começa relatando que a revista pretendia usar aquele espaço para tratar do combate ao crime no Rio, mas que foi obrigada a rever isso após a decisão brasileira de expulsar um jornalista. Com a medida, continua, Lula forçou a imprensa mundial a prestar atenção ‘numa história embaraçosa que, de outra maneira, teria sido esquecida’.

A atitude do presidente, define o texto, é ‘triste e irônica’, já que Lula, como outros líderes de seu partido, combateu a ditadura militar, na qual ocorreu a última expulsão de um jornalista no país.

A decisão, diz a ‘Economist’, causou estardalhaço e veio num momento ruim, após uma derrota importante do governo no Congresso. Segundo a revista, o presidente pode rever a medida, mas o estrago já está feito. ‘A expulsão levanta mais dúvidas sobre a capacidade de julgamento de Lula do que qualquer coisa que o jornalista escreveu’, justifica.

Já o ‘Financial Times’ afirmou que a decisão de expulsar Rohter transformou ‘o que começou como uma reportagem que foi quase universalmente ridicularizada’ num ‘incidente diplomático’. Para o jornal, foi um ‘tiro no pé’.

A medida, diz, gerou acusações ao governo de ser incompetente, paranóico e autoritário e de infringir a liberdade de imprensa.

A reportagem, programada para ser publicada hoje, relata que o ‘NYT’ defendeu seu jornalista e que, em encontro com senadores, Lula admitiu que poderia rever a expulsão se o diário se retratar.

Nos EUA, o jornal ‘Los Angeles Times’, um dos principais do país, fez um trocadilho jocoso, dizendo que o governo Lula já estava acostumado a críticas de que é pobre em experiência (‘thin on experience’), em idéias (‘thin on ideas’) e em realizações (‘thin on achievements’). Agora, é acusado de ser sensível (‘thin-skinned’).

Na Argentina, o diário ‘Clarín’ destacou as críticas do Departamento de Estado dos EUA à decisão brasileira de banir Rohter.’

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‘Expulsão é adotada em ditaduras’, copyright Folha de S. Paulo, 12/05/04

‘Expulsar correspondentes estrangeiros é uma medida que costuma ser adotada por ditaduras.

Por exemplo, no ano passado, o ditador do Zimbábue, Robert Mugabe, expulsou o americano Andrew Meldrum, que era correspondente do jornal britânico ‘The Guardian’, em meio a uma ação contra os jornalistas estrangeiros que trabalhavam no país.

A mesma atitude foi adotada várias vezes, em bloco, pelo ex-ditador do Iraque Saddam Hussein. Também em 2003, quando o país foi invadido pelas forças anglo-americanas, Saddam expulsou os profissionais dos canais americanos de notícias Fox News e CNN.

Ao final da primeira invasão do país por tropas dos EUA, em 1991, o governo do ex-ditador expulsou do Iraque os jornalistas ocidentais. Entre eles, estava o neozelandês Peter Arnett, que, por determinado período, havia sido o único a poder trabalhar no país, como correspondente da CNN.

Na Coréia do Norte, outra ditadura e um dos regimes mais fechados do mundo, os jornalistas estrangeiros não são autorizados a atuar.

A China, outro país asiático governado há décadas por um regime comunista, também há expulsão. Em 1998, Jurgen Kremb, que havia trabalhado como correspondente da revista alemã ‘Der Spiegel’, foi avisado de que teria de deixar o país.

Na América Latina, o regime mais duro na relação com o trabalho dos jornalistas é a ditadura de Fidel Castro em Cuba.

No início do ano passado, houve uma onde de repressão no país que culminou com a prisão de 75 dissidentes políticos, entre eles vários jornalistas cubanos.

O poeta e jornalista Raúl Rivero, por exemplo, foi condenado a 20 anos de prisão.

Um outro país problemático na região é a Colômbia, onde guerrilheiros de esquerda e paramilitares costumam perseguir e assassinar jornalistas.’

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‘Senadores pedirão a Lula que reveja a expulsão de Rohter’, copyright Folha de S. Paulo, 13/05/04

‘Após um dia de discussões no Senado, o líder do governo, Aloizio Mercadante (PT-SP), anunciou que os líderes da base aliada, da oposição e o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), vão se encontrar hoje às 9h30 com o presidente Lula, no Planalto, e pedir a revisão do cancelamento do visto de permanência no Brasil de Larry Rohter, correspondente do ‘New York Times’.

O líder disse que os senadores vão mostrar a Lula que a via judicial é o melhor caminho. ‘Iremos expressar ao presidente o sentimento do Senado. Todos entendem que o cancelamento do visto não é o melhor instrumento.’

‘A atitude expressou a profunda indignação do governo com a matéria caluniosa, mas ela agride a liberdade de imprensa’, disse.

O cancelamento do visto levou os líderes do PFL e do PSDB no Senado a retirarem suas assinaturas do voto de censura proposto pelo PT contra Rohter, pela reportagem sobre supostos excessos alcoólicos do presidente.

‘O governo lançou mão de um método bananeiro. O presidente deveria ter um gesto grandioso de coragem, revogando a medida discricionária, que fere de morte o princípio de liberdade de imprensa’, disse o líder do PSDB, senador Arthur Virgílio (AM).

A proposta de sugerir que o governo volte atrás foi aprovada pela manhã na CRE (Comissão de Relações Exteriores) e defendida até pelo petista Eduardo Suplicy (SP), que preside a comissão.

‘A CRE se solidariza com o presidente pela matéria ofensiva ao país, mas sugere que não haja a suspensão do visto’, afirmou Suplicy na contramão de líderes petistas que defenderam a expulsão.

O assunto dominou os debates no plenário. Pela manhã, Sarney havia defendido Lula. ‘Acho que [a decisão] não podia ser outra. A matéria é muito preconceituosa, e fere a imagem do Brasil. Então, o país tem de reagir de acordo com a agressão’, disse. À noite, por meio de nota, a assessoria do Senado informou que Sarney ‘não poderia jamais deixar de solidarizar-se com o presidente Lula’, mas ‘lamenta que a solução encontrada não seja a melhor’.

A ex-petista Heloísa Helena (sem partido-AL) rebateu os argumentos do PT. Para ela, é ‘uma farsa’ dizer que Lula está sendo agredido e defendendo a soberania nacional, já que a política econômica tem posição de ‘servilismo ao capital estrangeiro’.

CUT e governadores

O presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores), Luiz Marinho, disse ontem ser a favor da expulsão de Rohter. Segundo ele, a medida não implica cerceamento da liberdade de imprensa. ‘O que houve foi uma ofensa pessoal ao presidente da República.’

Já os governadores do Espírito Santo, Paulo Hartung (PSB), e de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB) criticaram a medida do governo brasileiro. Para Hartung, a ação foi ‘imprópria’. Para Aécio, o cancelamento do visto de Rohter reforçará a repercussão negativa do episódio. ‘Considero o gesto de expulsão excessivo.’’

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‘Jornalista só foi expulso durante o regime militar’, copyright Folha de S. Paulo, 12/05/04

‘O único caso conhecido de um jornalista expulso do país ocorreu em 1970. Em 7 de dezembro daquele ano, o embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher foi seqüestrado pela VPR (Vanguarda Popular Revolucionário), grupo armado que combatia o regime militar.

A VPR entregou ao jornalista francês François Pelou, chefe do escritório da France Presse no Rio, a lista de prisioneiros que o governo deveria libertar em troca da soltura do embaixador. Pelou entregou a lista ao embaixador francês, mas tirou fotocópias da lista e a enviou ao exterior. O governo o expulsou.

O maior alvo do regime, porém, foram os religiosos. Em 1966, foi expulso o pastor norte-americano Brady Tyson, acusado de criticar o governo. Em 1968, o padre francês Pierre Wauthier foi deportado sob acusação de liderar uma greve em Osasco (SP). Em 1969, o belga Jan Honoré Talpe foi expulso pelo mesmo motivo. Em 1971, o governo Emílio Médici expulsou o padre italiano Jose Pedandola. O governo Ernesto Geisel expulsou o francês Francisco Jentel, em 1975, o italiano Giuseppe Fontanella, em 1976, e o missionário norte-americano Thomas Capuano, em 1977.

Mas o caso mais famoso foi o do padre italiano Vito Miracapillo, expulso em 1980 por sua recusa em celebrar uma missa comemorativa da Independência do Brasil em Ribeirão (PE), por não acreditar que o povo brasileiro fosse realmente independente. Em 1981, os padres franceses Aristides Camio e François Gouriou foram presos, mas o vice-presidente Aureliano Chaves, que ocupava interinamente a Presidência, recusou-se a expulsá-los.’

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‘‘Expulsão é grave e fere a liberdade de imprensa’’, copyright Folha de S. Paulo, 13/05/04

‘Leia íntegra da nota da Acie, divulgada ontem:

‘Independentemente do conteúdo da matéria do jornalista Larry Rohter do ‘New York Times’, a Associação dos Correspondentes de Imprensa Estrangeira considera a revogação do visto, ou melhor, a expulsão dele do Brasil, um ato muito grave que fere a liberdade de imprensa e lembra os períodos mais obscuros da história do país.

Lamentamos muito essa decisão, que não está de acordo com os princípios de uma sociedade livre e democrática. Tememos que essa atitude drástica seja um aviso para os correspondentes estrangeiros no sentido de que para trabalhar no Brasil devem escrever matérias que agradem ao governo. A Diretoria.’’

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‘‘Precisamos de nossos vistos para trabalhar’’, copyright Folha de S. Paulo, 13/05/04

‘Leia íntegra da nota da ACE, divulgada ontem:

‘Carta aberta ao governo brasileiro

A Associação dos Correspondentes Estrangeiros (ACE) lamenta decisão do governo brasileiro de cancelar o visto temporário do jornalista Larry Rohter, correspondente do ‘New York Times’, no Rio de Janeiro, e espera que reconsidere essa retaliação que prejudica o direito de livre expressão da imprensa estrangeira no Brasil.

A ACE não concorda com o conteúdo da matéria do sr. Rohter, por considerar que foi tendenciosa. Não concordamos, como correspondentes, com as afirmações de que o ‘hábito de beber’ do presidente seja uma ‘preocupação nacional’ nem de que ‘sua preferência por bebidas fortes’ esteja afetando sua performance no cargo, como foi declarado no artigo. Consideramos também que as fontes ouvidas foram parciais e que a apuração da matéria foi incompleta.

Estamos preocupados, no entanto, com a atitude desnecessária do governo de censurar um jornalista. A ação contra o correspondente acabou dando a um artigo, que até então tinha pouca repercussão, uma amplitude que não merecia e criou uma nova polêmica que, agora sim, corre o mundo e ganha as manchetes da imprensa nacional.

Nós, jornalistas da imprensa estrangeira, precisamos de nossos vistos para trabalhar e esperamos poder exercer nossas funções sem o temor de que seremos censurados ou perseguidos caso escrevamos artigos que não sejam do agrado do governo. Nesse sentido acreditamos que a ação contra Rohter cria um antecedente lamentável para a relação entre o governo e a imprensa, tanto nacional como estrangeira.

Não entendemos como um governo democrático que teve seus líderes perseguidos e censurados toma uma decisão autoritária, logo com a imprensa estrangeira, que, durante os anos do regime militar, levou muitas das denúncias feitas no Brasil contra a ditadura à opinião pública internacional.

Foram, aliás, correspondentes da ACE que, em 1977, realizaram a primeira entrevista de repercussão internacional do então líder sindical e atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Sabemos do interesse do governo em tentar facilitar nosso trabalho, conforme foi comunicado durante uma reunião que tivemos em abril com duas assessoras de comunicação do Palácio do Planalto. Por isso acreditamos que o governo admitirá sua falha e voltará atrás nessa decisão.

Associação dos Correspondentes Estrangeiros (ACE) e Associação dos Correspondentes Estrangeiros de São Paulo.’’

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‘Embaixadora dos EUA afirma que expulsão contraria imprensa livre’, copyright Folha de S. Paulo, 13/05/04

‘A embaixadora dos Estados Unidos no Brasil, Donna Hrinak, afirmou ontem em Porto Alegre que a expulsão de Larry Rohter, correspondente do jornal norte-americano ‘New York Times’, pelo governo brasileiro contraria a tradição de imprensa livre.

‘Não é conforme a tradição de imprensa livre que temos visto nos últimos 20 anos de democracia no Brasil’, afirmou repetidas vezes, referindo-se ao episódio e salientando que ‘não gostaria de ir além disso [dessa declaração]’.

Hrinak, que esteve em Porto Alegre para a inauguração de um ‘escritório virtual’ da embaixada no Rio Grande do Sul, mostrou desconforto com o episódio.

‘Acho importante lembrar que o ‘New York Times’ não representa a opinião do governo dos Estados Unidos, e especialmente esse artigo não representa o ponto de vista do meu governo. As relações entre os presidentes Lula e Bush são muito fluídas. O artigo recebeu quase que uma condenação universal, e agora a ação do governo está recebendo essa condenação’, afirmou Hrinak.

Após a saída da embaixadora, cerca de 30 manifestantes do PT, PSTU, PC do B e UNE jogaram um ovo na bandeira dos EUA, hasteada ao lado da brasileira em frente ao Palácio Piratini.

Agenda cancelada

A agenda de ontem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva previa uma audiência com Donna Hrinak, às 15h30, mas o encontro foi cancelado pela manhã.

Segundo o Palácio do Planalto e a Embaixada dos EUA, o cancelamento nada teve a ver com a polêmica relacionada ao cancelamento do visto de Rohter.

A embaixadora havia pedido audiência a Lula e informado os dias nos quais estaria disponível. Segundo a embaixada, o gabinete de Lula confundiu as datas e marcou a audiência para ontem, quando ela estava em Porto Alegre para o lançamento do escritório virtual da embaixada.’

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‘Amorim ouve críticas no Senado, mas apóia cancelamento do visto’, copyright Folha de S. Paulo, 13/05/04

‘Mesmo diante de uma saraivada de críticas de congressistas da própria base aliada, o chanceler Celso Amorim defendeu ontem a decisão do governo de suspender o visto temporário do correspondente do ‘New York Times’.

‘Uma coisa é liberdade total de crítica, como há. Outra coisa é ofender a honra nacional na pessoa do chefe de Estado, com uma matéria totalmente inventada e caluniosa. A pessoa não preenche as condições de continuar exercendo sua função de correspondente’, disse o ministro, ao chegar para audiência no Senado.

O argumento de Amorim não convenceu nem a maioria dos congressistas aliados presentes. Os deputados e senadores das duas comissões aprovaram um requerimento no qual pedem que Larry Rohter não seja expulso.

‘Cometemos um grave equívoco. Seja ou não censura, é um pequeno passo autoritário’, disse o senador e ex-ministro Cristovam Buarque (PT-DF). ‘Considero que o governo tomou uma posição que é autoritária’, afirmou a deputada Maninha (PT-DF).

Ex-integrante da base do governo, o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) foi um dos mais críticos: ‘Não é em meu nome que se expulsa um correspondente, que se faz um ataque à liberdade de imprensa, que se volta à ditadura militar para expulsar um estrangeiro. É em nome de um grupo despreparado que não entende a complexidade do mundo em que vivemos’. Gabeira deixou o PT no ano passado.

Já o senador Sérgio Cabral (PMDB-RJ) entrou ontem no STJ (Superior Tribunal de Justiça) com pedido de liminar que suspenda o ato do governo e garanta a permanência de Rohter no país. (AS, ES E SF)’

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‘Ex-ministros condenam punição’, copyright Folha de S. Paulo, 12/05/04

‘Dois ex-ministros da Justiça ouvidos ontem pela Folha, Miguel Reale Júnior e Paulo Brossard, condenaram a decisão do governo Lula de cancelar o visto de permanência do jornalista americano Larry Rohter.

‘É uma atitude obscurantista de marca fascistóide’, disse o advogado Miguel Reale Júnior, ministro entre abril e julho de 2002. Ele Considerou a medida ‘uma expulsão, um banimento’.

‘É uma medida dos tempos da lei de segurança nacional, pela qual se trata um dissidente ou um crítico como um inimigo do país’, afirmou Reale Júnior.

Paulo Brossard, ministro da Justiça entre 1986 e 1989 no governo de José Sarney, disse que ‘é certo que os Estados têm certo poder discricionário [de expulsar], mas a medida mais prejudica do que ajuda’.

Um ministro do Supremo Tribunal Federal disse, em caráter reservado, que a decisão foi ‘stalinista’, uma ‘clara represália’ e uma ‘reação de monumental estupidez’. Para esse ministro, há chance de o repórter obter liminar judicial autorizando-o a permanecer no país.

O presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Roberto Busato, classificou o assunto de ‘episódio lamentável’ e disse que ‘não é da tradição brasileira expulsar jornalistas do país’. Antes, ele havia divulgado nota em nome do Conselho Federal da OAB, na qual criticou a reportagem.’

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‘PT defende atitude, e oposição vê ‘stalinismo’’, copyright Folha de S. Paulo, 12/05/04

‘Deputados e senadores governistas se uniram ontem à oposição para repudiar a atitude tomada pelo governo brasileiro em relação ao correspondente do jornal ‘The New York Times’. Diferentemente da repercussão da reportagem que motivou o cancelamento do visto, quando a defesa do governo foi unânime, o tom ontem foi o de que o governo tomou uma atitude despropositada.

‘Isso não é inteligente, não colabora com a imagem do governo nem no Brasil nem no exterior. O governo poderia ter tomado medidas jurídicas. Quem orientou o governo orientou errado’, disse o deputado Renato Casagrande (ES), líder da bancada do PSB.

‘Transformar isso em questão de Estado é preocupante. Não podemos nos perder. Vai expulsar o jornalista estrangeiro? E o jornalista brasileiro vai fazer o quê?’, questionou o deputado Roberto Freire, presidente do PPS.

O deputado José Carlos Aleluia (BA), líder da bancada do PFL, afirmou que o governo pretende implantar uma ‘lei da mordaça internacional’. ‘É uma decisão de um governo que demonstra desrespeito, primarismo, truculência. É um stalinismo retardado.’

A deputada Maninha (DF), uma das responsáveis no PT pelas questões internacionais, disse considerar o cancelamento do visto uma atitude ‘autoritária’.

O deputado Fernando Gabeira (sem partido-RJ) disse que a medida representa um equívoco. ‘É a primeira vez, em um momento democrático do país, que expulsamos um jornalista. A reportagem é lamentável mas a reação é muito mais lamentável’, disse Gabeira, que é proibido de entrar nos Estados Unidos devido à participação no seqüestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick, na década de 60.

O deputado Arlindo Chinaglia (SP), líder da bancada do PT, foi um dos poucos que saiu em defesa da atitude do governo. ‘O jornal não fez reparos à reportagem mesmo depois que o governo e os líderes políticos desmentiram as informações. Isso não impede que outros representantes do ‘NYT’ entrem no país, a liberdade de imprensa está garantida.’

O presidente nacional do PT, José Genoino, também defendeu a atitude. Segundo ele, trata-se de ‘uma decisão política que tem o apoio do partido’. ‘Um jornalista estrangeiro não poderia fazer isso, atacar o presidente e a instituição da Presidência da República. Qualquer país democrático, diante de um ataque ao presidente, faria o mesmo’, disse.

Para o governador petista Jorge Viana (AC), a decisão do governo foi ‘justa’, pois o repórter, por meio de sua reportagem, provocou um ‘dano’ ao país.

O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que estava no lançamento do livro do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), ‘Crônicas do Brasil Contemporâneo’, ontem à noite em Brasília, se surpreendeu com a notícia. ‘Considero a decisão do governo grave porque fere a liberdade de imprensa’, afirmou.’