Friday, 01 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Repórter do USA Today é acusado de mais de 100 fraudes

Após sete semanas de trabalho examinando as reportagens do repórter Jack Kelley, uma equipe de cinco repórteres e um editor do USA Today descobriu que ele fabricou boa parte de pelo menos oito artigos importantes, usou cerca de duas dúzias de citações e outros materiais de publicações concorrentes, mentiu em declarações dadas ao jornal e tramou armadilhas contra os jornalistas que investigaram seu trabalho.

Segundo Blake Morrison [USA Today, 19/3/04], talvez a falsificação mais gritante praticada por Kelley tenha ocorrido em 2000, quando tirou uma foto instantânea de uma funcionária de um hotel cubano para autenticar uma reportagem que inventou sobre uma mulher que morreu fugindo de Cuba em um bote. A mulher na fotografia nem fugiu de bote nem morreu, segundo um repórter do USA Today que a localizou no mês passado. Se as autoridades cubanas a tivessem identificado na foto, disse ela, poderia ter perdido seu emprego e a chance de emigrar.

Kelley, que tem 43 anos, pediu demissão do jornal em janeiro após admitir ter tramado com um tradutor para tapear os editores do USA Today que supervisionavam uma investigação sobre seu trabalho. Naquela época, ainda não havia provas de suas fraudes. Com sua demissão uma nova investigação foi montada, a partir do temor de que Kelley tivesse plagiado textos. Dessa vez, mais de 720 reportagens escritas por ele, de 1993 a 2003, foram analisadas por pelo menos dois membros da equipe do jornal. Além disso, a investigação interna contou com uma comissão de três ex-editores do USA Today, que entrevistaram Kelley por 20 horas. Durante a sabatina, o jornalista declarou inocência. ‘Nunca fabriquei ou plagiei nada’, disse. Confrontado com as evidências encontradas pela equipe, Kelley continuou negando.

O USA Today não tem dúvidas de que seu ex-repórter é culpado, apesar de ele apregoar que lhe foi armada uma cilada. Entre uma série de descobertas, o jornal afirma que partes significativas de uma das mais importantes reportagens de Kelley, um depoimento de testemunha ocular de um homem-bomba, que lhe fez finalista do prêmio Pulitzer em 2001, eram falsas. Kelley disse aos leitores que viu o suicida, mas o homem que ele descreve não pode ter sido o homem-bomba. As explicações sobre como o ex-repórter reportou de locais como Egito, Rússia, Chechênia, Kosovo, Iugoslávia, Israel, Cuba e Paquistão são contraditadas por hotéis, contas telefônicas e outros registros – ou por fontes que, segundo ele, confirmariam sua estadia. Kelley também falou, em discursos a grupos como a Associação de Imprensa Evangélica, sobre eventos que nunca ocorreram.

A conduta de Kelley representa ‘uma triste e vergonhosa traição da credibilidade do público’, disseram em comunicado conjunto os ex-editores Bill Hilliard, Bill Kovach e John Seigenthaler, que formaram a comissão.

Kelley fez toda a sua carreira de 21 anos de jornalista no USA Today. ‘Como instituição, erramos ao não perceber os problemas de Jack Kelley. Peço desculpas por isso’, disse o publisher do USA Today, Craig Moon. ‘No futuro, temos que garantir um ambiente em que abusos não tornem a ocorrer.’

Procedimentos da investigação

A equipe de jornalistas contou com os três ex-editores já citados e com o editor John Hillkirk, os repórteres Michael Hiestand, Kevin McCoy, Blake Morrison, Rita Rubin e Julie Schmit, e os pesquisadores Ruth Fogle e Tom Ankner.

O time passou sete semanas debruçado sobre os 720 trabalhos de Kelley. Após leituras e discussões, concluiu-se que cerca de 150 reportagens eram problemáticas pelas mais variadas razões. Pelo menos 56 se baseavam em depoimentos exclusivos de testemunhas oculares, geralmente do estrangeiro, dúzias citavam fontes anônimas da inteligência e em pelo menos 10 casos Kelley escreveu ter visto alguém morrer. [Com informações do USA Today (19/3)].