Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

STF decide se livro eletrônico é igual a livro de papel

O Estado de S. Paulo, 19/3

Felipe Recondo

STF decide se livro eletrônico é igual a livro de papel

A evolução da tecnologia levará o Supremo Tribunal Federal (STF) a rediscutir o conceito de papel, usado para a publicação de livros, jornais e periódicos. Por consequência, poderá estender a imunidade tributária prevista na Constituição para os livros aos aparelhos de leitura, como o Kindle, e às publicações em CD.

Em um processo que trata do tema, os ministros do tribunal reconheceram que o assunto tem repercussão geral. É um indicativo da importância do tema e um sinal de que o tribunal pode alterar seu entendimento sobre o assunto. No processo específico, o STF julgará se são imunes as peças eletrônicas vendidas junto com material didático destinado ao curso prático de montagem de computadores.

Mas, no seu voto, o relator do processo, ministro Marco Aurélio Mello, adiantou que será necessário definir a abrangência exata do trecho da Constituição que garante a imunidade tributária de livros, jornais e revistas. ‘Na era da informática, salta aos olhos a repercussão geral do tema controvertido’, afirmou. ‘Passo a passo, o Supremo há de estabelecer, com a segurança jurídica desejável, o alcance do texto constitucional’, acrescentou.

A jurisprudência atual do STF é restritiva. Garante apenas aos livros de papel a imunidade tributária prevista na Constituição. No ano passado, por exemplo, o ministro Dias Toffoli decidiu não ser imune a tributos uma enciclopédia jurídica eletrônica.

Afirmou que o previsto na Constituição não se estende para ‘outros insumos’ que não sejam o papel destinado à impressão dos livros ou periódicos.

No entanto, advogados tributaristas consideram a discussão pelo STF inevitável. E as razões citadas são diversas. A primeira delas é a demanda cada vez maior por aparelhos para leitura de livros eletrônicos. ‘É preciso reformular o conceito de papel. Há cada vez mais gente tendo acesso a esse tipo de tecnologia. E essa tecnologia está substituindo o papel’, afirmou o advogado Dalton Miranda, do escritório Dias de Souza.

Impacto ambiental. Outra razão é a preocupação com o meio ambiente. O STF, por exemplo, está extinguindo os processos em papel. Para alguns tipos de ação, o Supremo só aceita petições eletrônicas. Além disso, a preocupação do governo com a ampliação do acesso à internet passa pelo acesso facilitado a novas tecnologias. ‘Esse assunto tem de ser tratado de forma inclusiva. Essas tecnologias não podem ser vistas como símbolo de status e de riqueza’, argumentou Marcel Leonardi, advogado na área de internet e tecnologia e o primeiro a obter decisão favorável à imunidade dos aparelhos de leitura de livros eletrônicos.

Em 2009, Leonardi conseguiu na Justiça uma liminar para importar o Kindle sem o recolhimento de impostos. A liminar foi depois confirmada no mérito pelo juiz federal José Henrique Prescendo. Na decisão, ele afirmou que a Constituição, ao garantir a imunidade para livros, revistas e periódicos, quis ‘promover o acesso dos cidadãos aos vários meios de divulgação da informação, da cultura e viabilizar o exercício da liberdade de expressão do pensamento, reduzindo os respectivos custos’. E isso, no entendimento do magistrado, deveria valer para todas as tecnologias. ‘Nota-se, por uma singela interpretação literal do texto constitucional, que os livros, jornais e os periódicos são imunes de tributos, independentemente do respectivo suporte (…). Seja em papel, seja em plástico, seja em pele de carneiro, etc’.

A Receita recorreu da decisão. O processo aguarda julgamento pelo Tribunal Regional Federal da 3.ª Região. Se a decisão for mantida pelo TRF, Leonardi espera que a Receita leve a discussão para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). No STF, o julgamento do processo também não tem data marcada.

PARA LEMBRAR

O Kindle, leitor de livros eletrônicos desenvolvido pela livraria virtual Amazon, foi lançado em novembro de 2007. Desde então, foram lançadas mais duas versões do modelo original, com tela de seis polegadas. A Amazon também colocou no mercado o Kindle DX, com tela maior, de 9,7 polegadas.

Desde 2009 está disponível uma versão internacional, que permite ao consumidor comprar livros pela rede celular de terceira geração em mais de 100 países, sem ter de pagar pelo tráfego da operadora.

Quando foi lançado, o Kindle custava US$ 399 nos Estados Unidos, e hoje é vendido por US$ 139. Segundo a Amazon, trata-se do produto mais vendido da história do varejista virtual.

Em 2010, o digital foi o formato que liderou as vendas de livros na Amazon.

 

 

Folha de S. Paulo, 14/3

Dirk Johnson

Era digital ameaça anotações feitas nas margens dos livros

O hábito de escrever comentários nas margens dos livros é um rico passatempo literário. Mas seu destino no mundo digital é incerto. ‘As pessoas vão sempre encontrar uma maneira de anotar eletronicamente’, disse Thomas Tanselle, professor-adjunto de inglês na Universidade Columbia, em Nova York. ‘Mas há a questão de como isso será preservado.’

Problemas desse tipo são ponderados pelo Caxton Club, um grupo literário fundado no distante ano de 1895. Em parceria com a Biblioteca Newberry, de Chicago, o Caxton vai realizar um simpósio para apresentar um novo volume de ensaios a respeito de livros que pertenceram a autores ou foram anotados por eles. Os ensaios abordam exemplares que vinculam o presidente Lincoln a Alexander Pope; Jane Austen a William Cowper; Walt Whitman a Henry David Thoreau.

Samuel Taylor Coleridge foi um prolífico anotador de margens, assim como William Blake e Charles Darwin.

No século 20, a prática chegou a ser equiparada à pichação: algo que gente elegante e bem educada não faz.

Paul Gehl, curador da Newberry, culpou sucessivas gerações de bibliotecários e professores por ‘nos infligir a ideia’ de que escrever nos livros os deixa ‘estragados ou danificados’.

Em 1977, quando estava preso na África do Sul, Nelson Mandela escreveu seu nome junto a uma passagem de ‘Júlio César’ que diz: ‘Os covardes morrem muitas vezes antes de suas mortes’.

O historiador oral Studs Terkel era conhecido por repreender amigos que lessem seus livros e os deixassem sem marcas. Dizia-lhes que a leitura de um livro não deveria ser passiva, mas uma conversa barulhenta.

Livros anotados são crescentemente vistos hoje em dia como mais valiosos, não apenas por sua conexão com as celebridades, mas também pelo que revelam das pessoas associadas a uma obra, disse Heather Jackson, professora de inglês na Universidade de Toronto.

Para ela, a análise das anotações nas margens revela um padrão de reações emocionais entre os leitores comuns, que do contrário passaria despercebido até mesmo por profissionais da literatura.

‘Pode ser um pastor que escreva nas margens sobre o que um livro significa para ele no momento em que ele está fora cuidando de seu rebanho’, disse Jackson. ‘Pode ser uma estudante que nos diz como se sente.’

Mas nem todos dão tal valor às anotações nos livros, disse Paul Ruxin, membro do Caxton Club. ‘Se você pensar na visão tradicional de que o livro é apenas texto’, afirmou, ‘então isso é meio que uma tolice’.

David Spadafora, presidente da Newberry, disse que as anotações enriquecem o livro, já que os leitores inferem outros significados e lhes conferem um contexto histórico. ‘A revolução digital é boa para o objeto físico’, disse ele. Quanto mais as pessoas virem os artefatos históricos na forma eletrônica, ‘mais vão querer encontrar o objeto real’.