Wednesday, 08 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

TV feminina levanta polêmica no mundo árabe

No Relatório de Desenvolvimento Humano Árabe, divulgado pela Organização das Nações Unidas em 2002, a repressão de mulheres foi notada como um dos três grandes problemas enfrentados pelo Oriente Médio, junto com falta de liberdade política e analfabetismo.

Um ano depois, Nicolas Abu Samah fundou a emissora por satélite Heya (Ela, em árabe), com programação voltada para o público feminino. O canal tem sua audiência diária estimada em 15 milhões de mulheres, espalhadas pelos países do Oriente Médio – desde as habitantes de pequenos vilarejos no Egito até as dondocas de Beirute, no Líbano.

Os programas englobam todo o universo feminino, e cobrem assuntos como moda, decoração e culinária. Mas o objetivo da emissora é levar às telespectadoras mais do que apenas entretenimento. ‘Queremos dar poder às mulheres’, afirma Abu Samah. ‘Queremos questionar tabus e provocar controvérsias’, completa.

Questões polêmicas

O talk-show al-Makshouf (Descoberto) é dedicado ao debate de questões políticas e sociais, como violência doméstica, discriminação no local de trabalho e sexo antes do casamento. A apresentadora, Matilda Farjallah, estabelece diálogos pouco prováveis no mundo árabe, como este, descrito por Will Rasmussen no Christian Science Monitor [4/4/05]:

‘Matilda se inclina em sua cadeira e olha diretamente nos olhos do xeque de barbas brancas sentado do outro lado da mesa.

‘A instrução de mulheres é discutida no Corão. Ele permite que uma mulher seja instruída apanhando?’, pergunta ela.

O xeque responde que os homens podem instruir as mulheres – mas ‘apenas com palavras’. Ele ressalta, em seguida, que se a mulher não entender a mensagem, seu marido pode golpeá-la. ‘Mas só de leve’, diz.

Matilda parece crescer com vigor, levantando seus cotovelos da mesa. ‘Alguns homens’, diz, ‘tiram vantagem do Corão e dizem que está escrito, que eles podem bater em mulheres, que isso está em seus direitos.’’

O programa de Matilda não é o único a abordar questões polêmicas na cultura árabe. Outras atrações da emissora também abordam temas que vão desde prostituição e divórcio, até AIDS e os chamados crimes da honra. Até os noticiários da Heya focam nos problemas e desafios enfrentados pelas mulheres. O programa Dia a Dia analisa notícias relacionadas às mulheres de todo o mundo. As matérias servem de pretexto para discussões mais aprofundadas entre a âncora e uma comentarista.

Feito por elas

No total, 70% da equipe da emissora – incluindo todos os mais altos cargos – são mulheres. Os estúdios ficam em Beirute e em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, mas o canal conta com correspondentes na Síria, Arábia Saudita, Jordânia, nos territórios palestinos e no norte da África. A audiência potencial da Heya é de 100 milhões de mulheres árabes, o que corresponde a quase 70% dos telespectadores da região, conta Abu Samah.

Mesmo que aborde agressivamente as mais complicadas questões sociais, a emissora nunca critica diretamente as autoridades religiosas ou os líderes políticos do Oriente Médio. Isso evita que ela sofra algum tipo de censura. ‘Às vezes, temos que escolher nossas palavras com cuidado, mas ainda assim conseguimos tratar dos assuntos’, diz o fundador da Heya.