Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Vice-presidente da Infoglobo morre aos 92 anos

O jornalista Rogério Pisani Marinho, vice-presidente da Infoglobo Comunicações, a empresa que edita o jornal O Globo, morreu na segunda-feira (25/7), às 6h48, aos 92 anos, de insuficiência respiratória aguda, no Hospital Samaritano (Botafogo, zona sul do Rio). O velório começou ontem à tarde, no cemitério São João Batista Botafogo, Zona Sul), e prossegue na manhã de hoje. O corpo será cremado na quinta-feira, no crematório do Caju (Zona Norte). Casado com Elizabeth Pessoa Cavalcanti, tinha uma filha e dois netos. Dedicou toda sua vida profissional a O Globo, não se envolvendo nos demais negócios da família.

Quando seu pai, Irineu Marinho, morreu, no dia 21 de agosto de 1925, três semanas depois de fundar o jornal O Globo no dia 29 de julho, Rogério, filho caçula, tinha apenas seis anos. A prematura orfandade paterna levou-o a transferir a figura do pai para o irmão mais velho, Roberto Marinho, que trabalhou como repórter no jornal desde a sua fundação e assumiu a condução do então vespertino em 1931, aos 26 anos.

No dia 6 de agosto de 2003, quando Roberto Marinho morreu aos 98 anos, Rogério ressaltou essa relação quase filial: “A morte prematura de Irineu Marinho fez de Roberto quase um pai para mim. Pai e mestre: com sua orientação e seu exemplo embarquei na carreira a que tenho dedicado toda a minha vida. E se nela tive alguma medida de sucesso, devo atribuí-la às lições cotidianas, décadas sem fim, de quem foi certamente um grande jornalista, um grande brasileiro e um inesquecível irmão.”

“Jamais alguém foi demitido por ser comunista”

Carioca da Lapa, Rogério Marinho nasceu no dia 15 de maio de 1919, caçula dos cinco filhos de Irineu e Francisca Marinho. Aos 19 anos, ainda estudante da Faculdade Nacional de Direito, começou a carreira jornalística em O Globo, levado pelo irmão Roberto, como repórter, galgando todos os degraus da carreira até chegar a diretor-substituto do jornal. Ao responder a uma pergunta sobre esse último cargo, em depoimento para o projeto Memória, das Organizações Globo, em março de 2000, brincou, expondo uma faceta humorística imperceptível para quem não partilhava da sua intimidade. “Eu nunca soube o que é (o cargo) direito. Diretor-substituto… Era o Roberto, depois eu, né?” Em outro trecho do mesmo depoimento, fez mais graça ainda ao contar uma mancada típica de “foca” (repórter iniciante) de um colega que começava na carreira como ele: Rogério e o tal concorrente foram entrevistar juntos o argentino Vito Dumas, famoso por suas viagens sozinho de barco e, por isso mesmo, conhecido como “o navegador solitário”. “Sabe qual foi a primeiro pergunta que o meu colega fez para ele? `Com quem o senhor viaja?´”

Com a entrada do Brasil na 2ª Guerra Mundial, em 1942, e o envio de tropas para lutar na Europa em 1944, Rogério Marinho foi um dos responsáveis pela iniciativa de publicação do Globo Expedicionário, um jornal para distribuição entre os soldados da Força Expedicionária Brasileira (FEB) que lutaram na Itália contra as tropas do regime nazista alemão. De tiragem limitada, era transportado por aviões da Força Aérea Brasileira (FAB). O noticiário buscava ajudar as tropas a suportar a saudade de casa e a tensão da guerra brutal. A coluna “Mensagem ao Expedicionário” funcionava como um correio aberto, levando aos pracinhas recados de familiares e de pessoas queridas. Era editado em parceria por Rogério Marinho e pelo jornalista Pedro Mota Lima, este, um “comunista de carteirinha” que, pouco tempo depois, com o fim da ditadura do Estado Novo, seria um dos dirigentes da Tribuna Popular, órgão oficial do recém-legalizado Partido Comunista do Brasil (PCB).

A parceria com Mota Lima ressalta uma das singularidades mais marcantes dos irmãos Marinho: embora sempre tenham conduzido O Globo e seu grupo de comunicação com uma postura editorial conservadora, nunca se preocuparam com matiz ideológica na hora de empregar ou de demitir. “Jamais alguém foi demitido de O Globo por ser comunista”, disse Rogério em entrevista aos jornalistas Luiz Garcia e Merval Pereira em 2005, quando o jornal carioca completou 80 anos.

Jornalismo, música e natureza

Na entrevista, outra revelação: a polêmica de Rogério com o grande Nélson Rodrigues, jornalista, escritor e dramaturgo, por conta da troca do nome do estádio do Maracanã para Mário Filho, homenageando o também jornalista, irmão de Nélson, conhecido como o maior incentivador da construção do estádio para a Copa do Mundo de 1950. Mesmo amigo de Mário, a quem conhecera na década de 1930 como editor de esportes de O Globo, Rogério não se conformava com a troca do nome simpático, tomado do rio que passa em frente ao estádio, e que a tradição popular manteve, apesar da mudança formal.

Nomeado em 1986 pelo ex-presidente José Sarney para integrar o Conselho Nacional do Meio Ambiente, Rogério Marinho é reconhecido como introdutor da temática ambiental no noticiário de O Globo numa época em que essa abordagem era ainda muito pouco difundida. “O que mais me impressionava nele era a paixão pela natureza”, disse ontem (25/7) a bailarina e coreógrafa Débora Colker. Amiga de Ana Luiza Marinho, filha única de Rogério, Débora contou que no sítio do jornalista em Correias, distrito de Petrópolis (região serrana do Rio), chama a atenção a exuberância da Mata Atlântica, preservada ou reconstituída.

Jornalismo, música e natureza, não necessariamente nessa ordem, eram, segundo a também jornalista Ana Luiza, as três paixões do seu pai. Ela conta que na casa de Rogério havia coleções e coleções de discos de jazz e livros sobre música espalhados por todos os cantos. Nos últimos tempos, um dos prazeres do jornalista era ouvir o genro, o saxofonista e flautista Mauro Senise, tocar especialmente para ele.

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[Da Redação do Valor Econômico]