Wednesday, 04 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Opções de uma rotina malandra

Curiosa, para dizer o mínimo, a polêmica causada pela ‘infidelidade’ do cantor e compositor Zeca Pagodinho, ao desfazer um contrato de propaganda com a marca de cerveja Schinchariol – que ele recomendava ‘experimentar’ – e, depois, pular para a propaganda da concorrente, a Brahma. O novo comercial entrelaça as idéias de ficção e realidade com um gingle pra lá de bom, e cujo sentido é este: tudo não teria passado de um amor de verão.

O filme é engraçado, criativo e, para dizer a verdade, tão jocoso quanto as estratégias de persuasão que as agências de propaganda costumam fazer mundo afora, arrastando os incautos a acreditarem nos valores capitalistas, segundo os quais a felicidade não passa de um processo de acumulação de dinheiro e poder.

Tudo bem que a grana faça parte da vida atual, mas daí a condicionar as populações a se comprometerem com o ideal capitalista e a agirem segundo as recomendações dos espetaculosos anúncios de TV, convenhamos, é uma piada.

Estão dizendo que o público de Pagodinho foi feito de otário, uma vez que ele mudou de marca, ‘traindo’ o que havia dito anteriormente a favor da Schin, e que ele pode ter ameaçado a carreira com isso. Que bobagem… Quanta gente faz propaganda de tudo quanto é coisa, vendendo sua imagem sem nenhuma relação com o produto, somente em troca de dinheiro.

O que causa maior espanto é observar que a repercussão do episódio – muito boa para a Brahma, por sinal – mostra que os ‘especialistas’ da imprensa acreditam piamente no jogo capitalista, passando batidos pela grande safadeza que esse sistema costuma fazer com a imensa maioria dos habitantes do planeta – e cujo direcionamento é feito pela propaganda.

Quem está mais certo: o que trai os próprios princípios ou o que os realiza?

O que sempre notabilizou o folclórico Zeca Pagodinho foi o fato de ter-se mostrado simples e destemido, principalmente pelo fato de aparecer em público tomando a sua cervejinha e, quase sempre, em evidente estado alcoólico. O fato de voltar para a marca preferida, mandando a outra às favas, pelo paladar que não consegue trair, é mais verdadeiro. Ou o que vale é a assinatura em um contrato – que, na verdade, foi feito para, aí sim, trair o seu público – que pode ser desfeito?

Feliz da vida

A tal ética cobrada pelos críticos de Zeca vale só para os pobres mortais ou também vale para as grandes empresas, que costumam fazer o que querem sobre a frágil mente das populações pós-modernas (pelo incentivo ao consumo), levadas a essa condição por falta de assistência, sobretudo, dos meios de comunicação?

A propalada seriedade do episódio dos comerciais de cerveja é uma piada tão boa quanto a rasteira que Pagodinho passou e cuja autoria deve ser atribuída ao não menos astuto publicitário Nizan Guanaes, acostumado às maiores e melhores maracutaias desse meio – este sim, muito pouco ético.

Em vez de censura e julgamento ao personagem do anúncio de TV, o que a imprensa deveria estar fazendo nesse momento era analisar as mensagens das peças, com olhos críticos, sobretudo científicos, esclarecendo ao público a linguagem persuasiva da propaganda.

É bom não esquecer que o álcool é responsável por muitos problemas, como a morte de jovens e adultos em acidentes de carro. Ao entrar no clima das agências, que pensam suas peças de modo a causar polêmica e ampliar os meios de divulgação de suas mensagens, os veículos de comunicação agem como dóceis parceiros da encenação publicitária.

E, sem resistência, o sistema continua a conquistar atenção e audiência sobre a idéia do consumo, esta sim, a base sobre a qual o mundo de grandes empresas pode prosperar. Fazer do pagodeiro o boi-de-piranha da vez – lembram da Lei de Gérson e outros? – é apenas mais uma estratégia, dos marketeiros, que deu certo, com a anuência da mídia, que, não esqueçamos, também lucra com uma fatia da verba dos anúncios.

Alheio a toda essa fumaça de críticas e feliz da vida deve estar o protagonista dos anúncios, Zeca Pagodinho – sempre fiel à cultura tupiniquim, corretíssima, por sinal. Ao seu jeito, ele dá uma banana ao dito ‘mundo responsável’ e segue a rotina malandra – sacando coisas que a maioria pensa que ele não saca, amealhando alguns milhões a mais e deixando a vida, literalmente, o levar. Adúltero comercial? Coisa nenhuma!

******

Jornalista e professor da Faculdade Integrada da Bahia