Friday, 03 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Um boom que pode acabar em bum!

Os leitores devem ter reparado que os principais jornais de São Paulo, principalmente suas edições de sábado e domingo, viraram álbuns coloridos de imóveis em lançamento. Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo sempre faturaram muito com imobiliárias nos fins de semana, mas jamais como agora. Páginas e mais páginas inteiras e duplas e triplas mostrando o conforto e a conveniência de você morar neste ou naquele edifício, um mais nobre do que o outro. A dificuldade está na escolha. Não me refiro aos gordos cadernos de classificados, mas ao conteúdo dos cadernos de noticiário político, nacional e internacional, editoriais, economia, matéria local – todos. Os jornais andam tão repletos de anúncios de apartamentos que, tenho a impressão, estes ocupam às vezes mais espaço do que as colunas do próprio jornal.

Todos os fins de semana, moças uniformizadas agitando bandeiras e distribuindo panfletos ocupam os principais cruzamentos da cidade. Não é ainda a propaganda eleitoral que nos ameaça, são apenas as imobiliárias convidando os passantes motorizados a visitar seus apartamentos decorados – aqueles mesmos que ilustram seus anúncios nos jornais.

Está havendo um surto de aquecimento do mercado imobiliário. Sinal de afluência, de que o país continua crescendo enquanto o governo dorme, de que São Paulo não pode parar. Era o que eu pensava até que, surpreso, ouvi numa reunião de empresários um analista afirmar que São Paulo é hoje o maior pólo de investimentos imobiliários do mundo. Que aqui se registra atualmente o grande boom dos imóveis, que é daqui que os investidores internacionais esperam sacar os maiores rendimentos de suas aplicações.

Tamanho e potencial

Então seria essa a explicação para o excepcional volume de anúncios imobiliários nos jornais! Jornais de circulação nacional, escritos em português, comprados e lidos principalmente na capital e no interior de São Paulo.

Portanto, são brasileiros os compradores potenciais dos apartamentos anunciados. Estes constituem o mercado cobiçado, são eles os que pagarão os altos dividendos esperados pelos investidores internacionais. Isto é bom para o Brasil?

Pode ser que esse seja um princípio do século passado, hoje anacrônico, mas aprendi na escola que investimento em imóvel não é produtivo. Isto é, não gera crescimento nem desenvolvimento. Só serve para garantir o dinheiro, quando muito multiplicá-lo com especulação. Esse dinheiro seria bem-vindo e faria melhor se estivesse aplicado em máquinas, na lavoura, em tecnologia, na produção de bens.

Lembro-me de uma avenida a beira-mar nas Ilhas Canárias, onde se alinham por muitos quilômetros as ruínas esqueléticas de grandes edifícios inacabados. Há uns 30 ou 40 anos também houve lá um grande boom de construção de apartamentos, sem que houvesse mercado suficiente para todos. Foi um erro cometido pela precipitação, pela ganância, o que por sua vez me faz pensar num oportunismo tipicamente brasileiro.

Aqui o conceito de que certos negócios são infalíveis está solidamente estabelecido. Por exemplo, farmácia e posto de gasolina. Você tem um dinheirinho e quer se dar bem? Monte uma farmácia. Por isso, o Brasil deve ser o país no mundo que mais farmácias tem por quarteirão. Em Brasília existe até uma rua inteira só de farmácias, uma ao lado da outra: no interior delas há sempre mais balconistas do que fregueses. É aquela coisa de não avaliar o mercado. Num determinado lugar pode haver mercado compensador para uma só farmácia, mas não para quatro.

Espero que pelo menos os esperançosos investidores em empreendimentos imobiliários tenham avaliado bem o tamanho e o potencial do mercado paulistano. De qualquer modo, enquanto parecer que esse mercado existe e também quando ele endurecer, o negócio será muito bom… para os jornais e as agências que fazem os anúncios.

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