
(Foto: Ricardo Stuckert/PR/Agência Brasil)
Desde que Belém do Pará, na Amazônia brasileira, foi anunciada como sede na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-30), no fim de 2023, a imprensa nacional voltou-se para cobrir os preparativos deste megaevento. Não só porque o debate climático é uma das questões urgentes que move a comunidade internacional, mas porque sediar uma cúpula com chefes de Estado de mais de 100 países gera responsabilidade e grande visibilidade.
Seis meses antes do evento, as notícias sobre as discussões climáticas e o contexto estrutural do evento se intensificam. Em meio aos vários discursos que atravessam a COP, já que há interesses políticos e econômicos diversos disputando esse holofote, alguns veículos estão abordando o quanto as populações que há muito tempo já sofrem processos de vulnerabilização estão, mais uma vez, sendo colocadas em segundo plano.
Problemas crônicos ganham uma oportunidade de serem apresentados porque os investimentos públicos na COP-30 estão atrelados a um suposto legado para os cidadãos que residem em Belém. Tal perspectiva é comum para justificar o grande volume de dinheiro e a celeridade de decisões, pouco ou nada democráticas, que tem como meta o encerramento antes do começo da cúpula, quando muitos visitantes de todo o mundo terão suas primeiras impressões sobre Belém.
Um exemplo recente é a reportagem publicada na Agência Brasil no dia 2 de maio sobre os desafios enfrentados pelos moradores que vivem nas ilhas, sem acesso à saneamento básico e água potável. “Diferentemente da área continental da cidade, que na sua maioria é abastecida pela rede de distribuição ligada aos mananciais da Área de Proteção Ambiental (APA) da Região Metropolitana de Belém, como os lagos Água Preta e Bolonha, grande parte da região insular depende de sistemas de distribuição independentes. A criação de infraestrutura também depende de um planejamento ambiental”, destaca a repórter Fabíola Sinimbú, informando que a parte insular não foi contemplada nas obras da COP-30, mas correalizadores farão a macrodrenagem de 13 canais.
Denúncias sobre o agravamento das injustiças na cidade foram feitas pelo Brasil de Fato, em 24 de abril. A notícia afirma que ter encontrado “aumento da especulação imobiliária, violações do direito à moradia, mudanças arbitrárias no plano diretor e denúncias de trabalhadores submetidos a condições insalubres nos canteiros de obras” da COP-30.
Em Sumaúma, texto publicado neste dia 5 de maio anuncia já no título: “Belém corre para oferecer hospedagem aos visitantes da COP, mas não garante moradia aos próprios habitantes”. A reportagem desvela como a cidade é composta por áreas que recebem atenção (e recursos) de modo díspar, o que aprofunda as desigualdades históricas de uma capital e região metropolitana em que mais da metade da população não tem acesso à moradia adequada, vivendo em favelas, locais sem regularização fundiária e na ausência de sistema de esgoto, abastecimento de água e/ ou coleta de lixo. Não é trivial que, como aponta a publicação, as pessoas que habitam tais regiões sejam sobretudo “Indígenas, Ribeirinhos, pessoas negras e refugiados da Floresta”.
A imprensa hegemônica local, no entanto, não se furta de celebrar os anúncios de novas vagas no setor hoteleiro, sem abrir espaço para a crítica a respeito da distribuição desigual de benefícios que a chegada da COP-30 escancara. As notícias sobre a abertura de leitos e ampliação da infraestrutura de coleta de esgoto não questionam quem são os reais beneficiários destas iniciativas – nem a razão pela qual por tanto tempo se vive em Belém em tal vulnerabilidade.
Neste sentido, é o jornalismo alternativo que assume uma postura crítica às obras e políticas de habitação e infraestrutura impulsionadas pela COP-30, questionando a efetividade do direito à cidade, isto é, a habitar e participar da vida no território urbano. E o faz sem ceder ao lugar simplista que, em reiteradas publicações “críticas” nas redes sociais oriundas do sudeste, questionam a capacidade de Belém receber um evento deste porte, reproduzindo o colonialismo interno.
São também veículos como o Tapajós de Fato que alertam que o que está em jogo não são apenas as transformações na cidade, mas a garantia de territórios e de direitos de comunidades tradicionais e historicamente vulnerabilizadas por um conjunto de políticas que favorecem o avanço de indústrias extrativas e grande obras. É nestes espaços midiáticos que reside a possibilidade de acompanharmos as contradições deste estado, que vão muito além dos desafios urbanísticos ampliados pela COP-30.
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Eloisa Beling Loose é Professora do Departamento de Comunicação da UFRGS. Coordenadora do Observatório de Jornalismo Ambiental e do Laboratório de Comunicação Climática. E-mail: eloisa.loose@ufrgs.br.
Ângela Camana é Jornalista e socióloga. Pesquisadora em pós-doutorado no PPG Agriculturas Amazônicas na UFPA. Colaboradora no Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental e no grupo de pesquisa TEMAS – Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade. E-mail: angela.camana@hotmail.com