Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Pensando Trump

Entre os jornais importantes dos Estados Unidos, o Washington Post talvez tenha sido o primeiro a destacar, em reflexões possivelmente de seus editores, que Trump, embora no ocaso, não se tratou de piada. Como um grosseiro beirando à tagarelice, ele conseguiu dominar o palanque nacional e colocar sob ameaça existencial um dos dois maiores partidos políticos americanos. É sugerido que a mídia teve sua parcela de culpa. O próprio Post teria feito um levantamento interno e constatado “cobertura desproporcional” dada aos eventos de Trump ou, talvez, eles tenham sidos considerados respostas republicanas ao outsider democrata, o socialista Bernier Sanders, que perseguia Hillary. Mas Sanders, ao contrário de Trump, tinha uma ideologia “coerente” e já havia gasto quase um quarto de século no Senado.

Ou, talvez, misturando as cartas de um terceiro partido dirigido por bilionário raivoso egresso da Grande Depressão ou mesmo reencarnação de McCarthy. O historiador Richard Hofstadter, biógrafo de Goldwater, diz que o “estilo paranóico, obsessivo, está de novo em voga na política americana”. Foi realizado painel a respeito. O autor de Vozes de Protesto disse que Trump é o primeiro candidato presidencial americano a não acreditar no sistema, seus antecedentes reais estão em Mark Twain. Em outras palavras, realidade se confundindo com ficção.

Há, de fato, um caminho luminoso permitindo ver a ascensão de Trump e seu impacto no país. Longe de ser um arauto do apocalipse, de final dos tempos, ele ao declarar e exercer sua candidatura teria prestado serviço público. Expôs, às vezes de forma cruel, posturas tanto de republicanos quanto de democratas, bobagens de suas culturas políticas que, no caso de Trump, podem se tornar crime contra a ordem pública. É o que escandaliza os que o veem como “perigo à democracia”. Caso de Michael Gerson, que escreve os discursos do ex-presidente Bush.

Uma antítese do político idealista

Trump talvez esteja injetando esteróides, dizem outros, na democracia americana. Sem ele, mesmo que obediente, adestrado ou até mesmo enfadonho, ninguém ficaria de olhos e ouvidos pregados em mais de três horas de debate televisivo. Mas sua celebridade já estaria surrada e Trump tornou-se antítese do político idealista, herdeiro de Frank Capra. Ele até já foi comparado em peça de teatro a um modesto coroinha, ajudante de padre.

Também em cena, ou no palco, o cômico Pat Paulsen interpreta uma presidência de jeito intermitente. Ela se prolonga de forma desordenada. A ideia é chamar a atenção para o absurdo da política. Há dois partidos que se alternam no poder, uma hora é republicano, outra hora é democrata. “Gosto de misturá-los”, diz Pat. Há primárias e não falta um Clinton. Também declaração ainda de Pat de que “não quero transformar numa espécie de farsa a campanha por um importante office, o mais importante do mundo, a presidência dos Estados Unidos”.

Surgem modestos antecedentes da vida real de Trump, recentes, estranhos, espécies de travessuras, mas prevalecem as farsas envolvendo continuadas disputas de presidências. Também tremulam bandeiras de uma Stag (Straight Talking American Goverment), que flutua, hora em mãos republicanas, hora em mãos democratas. Como era dito, farsa continuada. Mas falta a Trump a comicidade profissional, ou talvez tizzy, emoção, vergonha.

Quando um senador republicano deu apoio a Jed Bush, irmão do ex-presidente Bush que chegou a também se pré-candidatar, Trump reagiu perguntando: “Quem quer o apoio de alguém que já tanto incomodou?”, ou “desejo boa sorte a todos os republicanos que vão à Califórnia atrás de dinheiro”. Ou, pior ainda, ataque a Jonh Kerry em seu sagrado manto de prisioneiro de guerra, a do Vietnam, quando a ideia é construir ampla tenda onde resguardar-se no embate eleitoral. Trump já se envolvera com o Vietnam. Frequentou escola militar, mas foi forçado a baixa por imposição de questões de saúde. Habilidade em envolver a cabeça de seu partido de adoção numa espécie de opereta. Trump é um republicano falsificado, escreveu um intelectual conservador, baixando a cortina.

***
Newton Carlos é jornalista especializado em política internacional