Saturday, 12 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

A cadeirada saiu pela culatra

(Imagem Pixabay)

O ex-coach Pablo Marçal, em sua campanha para a prefeitura de São Paulo, pelo Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), tem utilizado o sequestro da agenda pública como principal forma de propaganda. Como não tem proposta para administrar a maior cidade do país, ele precisa manter seu nome em evidência o maior tempo possível. Nesse sentido, sua estratégia tem sido provocar adversários em debates.

Não há como negar que obteve sucesso. Marçal passou de um candidato azarão (uma espécie de Padre Kelmon da vez) a um dos favoritos, ao lado de Ricardo Nunes e Guilherme Boulos. Inclusive, ele conseguiu algo antes inimaginável (pelo menos a curto prazo): ameaçar a hegemonia de Bolsonaro na extrema direita brasileira.

Recorrendo a uma metáfora futebolística, se antes Marçal era aquele jogador que entrava em campo apenas para desestabilizar oponentes e arrancar alguma expulsão do outro lado; agora ele sente que também pode fazer gols.

Lembrando Guy Debord, como a campanha do ex-coach é baseada na espetacularização da realidade, era preciso criar um acontecimento midiático (ou, traduzindo para os tempos atuais, um evento instagramável) capaz de catapultar de vez a candidatura Pablo Marçal (algo similar à facada em Bolsonaro, na eleição presidencial de 2018).

Eis que, no último domingo (15/9), no debate entre candidatos à Prefeitura de São Paulo, realizado pela TV Cultura, José Luiz Datena, ao ouvir mais uma das provocações de Pablo Marçal, partiu para cima do ex-coach e o agrediu com uma cadeira. Pronto! Estava concretizado o acontecimento que Marçal tanto buscava.

Evidentemente, Marçal tentou transformar a cadeirada num grande espetáculo midiático, comparando-a, em um vídeo postado no Instagram, à anteriormente mencionada facada em Bolsonaro e aos tiros em Donald Trump (registrados no último mês de julho). Também publicou stories em uma ambulância e uma foto quando estava internado no Hospital Sírio-Libanês.

No entanto, lembrando o dito popular, a cadeirada parece ter saído pela culatra. Diferentemente do que ocorreu com os ex-presidentes do Brasil e Estados Unidos, nem imprensa hegemônica, nem extrema direita, tampouco os adversários na corrida eleitoral paulistana caíram na arapuca de Marçal. Pior ainda (ou melhor, dependendo do ponto de vista): a cadeirada não deve trazer mudanças consideráveis nas intenções de voto.

Tanto na mídia hegemônica, quanto na imprensa progressista, foi destacado que Marçal, quando hospitalizado, usava uma pulseira verde, ou seja, indicativo de um caso de “pouca gravidade” (caindo por terra a narrativa de uma agressão com grandes consequências). Além disso, o boletim médico apontou que Marçal “sofreu traumatismo na região do tórax à direita e em punho direito, sem maiores complicações associadas”.

Na grande imprensa, de maneira geral, Marçal não recebeu a consternação esperada (como aconteceu com Bolsonaro, em 2018). Para O Estado de S. Paulo, “Marçal não cabe no figurino de vítima”. De maneira similar, a Folha de S. Paulo destacou que, após a agressão, o ex-coach “reforçou a narrativa de perseguição”. “Marçal, com alguma previsibilidade, está tentando surfar na consternação que se seguiu aos eventos de que Bolsonaro e Trump foram vítimas. Marçal foi agredido, sim. Mas a comparação desses eventos soa oportunista – o que não é exatamente surpreendente no ex-coach”, escreveu Lauro Jardim, no Jornal O Globo. Segundo Matheus Leitão, da Revista Veja, “para quem acha que o outsider pode melhorar o nível da política, Marçal e Datena a pioraram ainda mais”.

Mesmo em seu espectro ideológico, Marçal recebeu duras críticas por sua mise-en-scène. Nas redes sociais, o pastor Silas Malafaia disse que Marçal atingiu a honra de Datena e fez “jogo de cena” ao sair do debate. Fábio Wajngarten, advogado de Bolsonaro, classificou como “inadmissível oportunismo político” a comparação feita pelo candidato do PRTB entre facada e cadeirada.

Além disso, o fato Marçal ter sido agredido por Datena, conservador histórico, impediu que a extrema direita criasse a fake news de “agressão da esquerda” (como foi o caso da facada em Bolsonaro).

Nem o Partido da Causa Operária (PCO), conhecido por defender fascistas, emitiu algum tipo de nota favorável a Pablo Marçal.

Por outro lado, seria leviano considerar Marçal “carta fora do baralho”. Nunes, com seu “carisma estratosférico”, é mais “picolé de chuchu” que o próprio Geraldo Alckmin; e Boulos, como é de praxe em candidatos do Psol, ainda tem bastante dificuldade para conquistar o eleitorado periférico. Portanto, Marçal, com suas fragilidades e dos adversários, ainda está no jogo (mais indefinido do que nunca).

No entanto, é inegável que a tentativa de vitimização, via cadeirada, como dito neste artigo, saiu pela culatra. Utilizando uma “linguagem da quebrada” (que irônica e cinicamente Marçal gosto de recorrer), nesse caso, parece que “deu ruim” para o ex-coach.

Marçal tentou ser a grande vítima desta eleição, mas só conseguiu mesmo foi servir de inspiração para inúmeros memes na internet.

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Francisco Fernandes Ladeira é Doutor em Geografia pela Unicamp. Especialista em Jornalismo pela Faculdade Iguaçu.