Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Carta aos brasileiros e às brasileiras – Vamos assinar e divulgar!

(Foto: cocoparisienne/ Pixabay)

Em 1977, quando o prof. Goffredo da Silva Telles Jr. leu a primeira Carta aos Brasileiros, denunciando como jurista a ditadura militar, não pude ver e nem assinar. Tinha retornado a Paris, logo depois da libertação de minha esposa na época, presa pelo Doi-Codi, pelo “crime” de ter participado, em 1965-66, da peça teatral “Morte e Vida Severina”, escrita pelo escritor e poeta João Cabral de Mello Neto, dirigida por Silnei Siqueira, musicada pelo jovem Chico Buarque, encenada pelo Teatro da Universidade Católica (TUCA) em São Paulo e premiada em Nancy, na França. Sem se esquecer de Roberto Freire, José Armando Ferrara, Lucrécia d´Alessio e Carlito Maia. Todos os Tuca estavam fichados como membros da Ação Popular.

Os anos 60 foram tempos de muita lucidez política entre universitários, secundaristas, intelectuais, artistas, sindicalistas, jornalistas, enfim, todos que sabiam pensar e usar seu cérebro para lutar primeiro pelas chamadas Reformas de Base sociais e, depois, contra a ditadura militar que se instalou no Brasil a partir de 1964.

O Brasil estava há 13 anos sob a ditadura quando o jurista e professor de Introdução à Ciência do Direito (foi meu professor de 1958 a 1963) leu diante das Arcadas do Largo de São Francisco a Carta aos Brasileiros, por ele redigida, em favor do restabelecimento do Estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. A ditadura militar sobreviveu ainda por oito anos, até 1985.

Hoje assino aqui, publicamente, a nova Carta denunciando o clima de golpe complacente instaurado no país, contra a ameaça de ataques armados às instituições e personalidades defensoras da democracia, Carta cujo texto integral será reproduzido ao final deste comentário.

Já vivemos num clima pré-ditatorial, no qual existe um clima de desmonte das estruturas sociais do país, no qual se ignoram os abusos do presidente Bolsonaro e as denúncias contra ele apresentadas, desde quando ignorou a vacina contra o coronavírus e se tornou o responsável por centenas de milhares de mortes. O Brasil tem hoje um presidente fantoche, pois é governado pelo chamado Centrão e por lideranças evangélicas fundamentalistas dispostas a destruir nossa cultura.

A esperança é a realização das eleições do 2 de outubro, quando se espera derrotar Bolsonaro e sanar os malefícios causados ao país, durante quatro anos, pela extrema-direita no poder. Porém, a realização dessas eleições não está mais garantida. Depois do fiasco, ao tentar desmoralizar nosso sistema eleitoral diante dos embaixadores representantes da comunidade internacional, o presidente Bolsonaro incitou seus seguidores, ao se declarar oficialmente candidato, para irem às ruas pela última vez no dia 7 de Setembro, a data histórica na qual se comemoram os 200 anos da Proclamação da Independência do Brasil por d. Pedro I.

Esse apelo e as palavras “pela última vez” é considerado uma clara chamada golpista para provocação de choques armados e se assemelha ao apelo feito, nos EUA, pelo presidente Trump, incitando seus seguidores a impedirem a diplomação de Joe Biden. Disso resultou o ataque ao Capitólio, num clima golpista de caos durante três horas, nunca visto antes nos EUA, no qual morreram cinco pessoas.

Como aqui aconselhamos há algumas semanas (Capitólio versão brasileira, ninguém deverá sair às ruas, 21.06), a melhor maneira de reagir diante dessa provocação será a de evitar confrontos com os milicianos, seguidores e evangélicos nas ruas. Se a oposição a Bolsonaro puder se conter, a chamada ao golpe e à luta armada nas ruas poderá se esvaziar, Bolsonaro sofrerá mais uma derrota e seu golpe no 7 de setembro será outro fiasco.

Porém, se os milicianos atacarem os policiais encarregados da proteção do prédio do STF e prédios de outras instituições e mesmo residências, utilizando a abundância de armas com as facilidades de importação criadas por Bolsonaro, havendo ou não havendo intervenção de tropas do exército, terá se criado um clima de caos em diversas cidades brasileiras. Esse caos permitirá a Bolsonaro convocar de urgência deputados e senadores para a decretação de estado de sítio, e como possui maioria, aproveitará para anular a data das eleições, e prender quem bem entender, inclusive ministros do STF.

Como impedir esse pesadelo? Só com uma união quase unânime da sociedade civil contra o golpe e contra qualquer manobra visando a criar o caos, mais o apoio das Forças Armadas em torno da democracia e do respeito total à Constituição, intervindo contra as milícias e contra os golpistas, prendendo rapidamente os responsáveis e apoiadores do golpe em Brasília, antes de se criar o caos. Poderão ser algumas horas ou mesmo dias difíceis, mas estará salva a democracia, desde que, o governo provisório legalmente instituído não queira se aproveitar da situação para se manter no poder, confirme a realização das eleições no 2 de outubro e assegura um rápido retorno à normalidade democrática.

Para evitar essa situação, ao que tudo indica tramada pelo próprio presidente Bolsonaro, assine, divulgue entre seus amigos e familiares a Carta às Brasileiras e aos Brasileiros, aqui anexa, coloque nos seus sites e envie pelo correio eletrônico e pelas redes sociais. No dia 11 de agosto, entidades empresariais, patronais e representativas estarão também divulgando, não só nas Arcadas, mas em todo Brasil, o repúdio ao golpe pelo respeito ao Estado Democrático de Direito. Diga Não ao Golpe e à ameaça de uma nova Ditadura!

CARTA ÀS BRASILEIRAS E AOS BRASILEIROS EM DEFESA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Em agosto de 1977, em meio às comemorações do sesquicentenário de fundação dos cursos jurídicos no país, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, mestre de todos nós, no território livre do Largo São Francisco, leu a Carta aos Brasileiros, na qual denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção em que vivíamos. Conclamava também ao restabelecimento do estado de direito e à convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.

A semente plantada rendeu frutos. O Brasil superou a ditadura militar. A Assembleia Nacional Constituinte resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o Estado Democrático de Direito, com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais.

Temos os Poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal.

Sob o manto da Constituição Federal de 1988, prestes a completar seu 34º aniversário, passamos por eleições livres e periódicas, nas quais o debate político sobre os projetos para o país sempre foi democrático, cabendo a decisão final à soberania popular.

A lição de Goffredo está estampada em nossa Constituição: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral.

Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em um país de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável.

O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude.

Nos próximos dias, em meio a estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais. Neste momento, deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos políticos visando convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do país nos próximos anos.

Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições. Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o Estado Democrático de Direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira.

São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional.

Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão.

Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática.

Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, conclamamos as brasileiras e os brasileiros a ficarem em alerta na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições.

No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições.

Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona: “Estado democrático de direito sempre!”

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.