Sunday, 06 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Lula, comunicação e TV Brasil

(Imagem: Canal Gov)

Corre nos bastidores a crítica de que o governo Lula não consegue levar ao povo os bons resultados de sua administração, justamente num mundo dominado pelos meios de comunicação. É uma crítica para se levar a sério, pois a eleição de Bolsonaro e seu índice de aprovação, durante os quatro anos de governo, se deveu a uma explosão de redes sociais a ele favoráveis com altos níveis de participação de seguidores ativos e mesmo fanatizados.

Bolsonaro tinha um encontro diário com seus seguidores no chamado cercadinho, já desmontado, em frente ao Palácio do Alvorada, repercutido depois pela imprensa e suas redes sociais. Como não era um presidente revolucionário ou inovador, surpreende a constatação de que ali não fazia comunicações de medidas sociais que favorecessem seus seguidores, mesmo porque durante seu governo sequer reajustou o salário mínimo. Era uma conversa conservadora, utilizando uma linguagem bem popular, às vezes mesmo chula. Ora, era isso, o fato de ser um presidente que aceitava manter um bate-papo com simples admiradores, tudo sob uma aura evangélica religiosa, que mantinha a popularidade de Bolsonaro, a ponto de quase ter conseguido se reeleger.

Não se pode também esquecer o papel das igrejas, congregações que nos seus cultos bi ou trissemanais, escolas dominicais e grupos de juventude, reprisavam e agradeciam nas orações a presença de um “ungido” na direção do país. Como as religiões postergam para o futuro o bem-estar de seus fiéis destinados ao céu, essa mistura bem-sucedida de uma espécie de política evangélica, era o contraponto tranquilo e abençoado às manifestações sociais pedindo transformações que exigiam rupturas coloridas, feministas, salariais ou climáticas, criando temores e apreensões nas pessoas conservadoras.

Essa situação pouco mudou durante o retorno de Lula ao governo, pode-se dizer que estão num compasso de espera. Estão marcando passo, à espera do retorno ao poder. As prévias e sondagens eleitorais mostram uma provável derrota do governo na tentativa de conquistar as principais prefeituras do país. Até agora, nenhuma sondagem dá vitória ao candidato da esquerda em São Paulo, sinalizando uma possível vitória do atual prefeito e dos bolsonaristas, enquanto o surgimento do candidato outsider Pablo Marçal mostra existir de forma latente um eleitorado capaz de seguir um candidato de linguagem e gestos extremados.

Essa é uma introdução necessária na busca de uma possibilidade de o governo Lula conseguir furar o bloqueio que lhe fazem a extrema direita e os fundamentalistas evangélicos, repetindo uma situação semelhante existente nos Estados Unidos. Entretanto, o surgimento, nos EUA, da candidatura de uma mulher negra de origem imigrante poderá quebrar a máquina trumpista e isso, se ocorrer, terá forte repercussão no Brasil. Será igualmente importante uma vitória de Guilherme Boulos em São Paulo. Nada disso ocorrendo, Lula, se quiser ser reeleito, precisará reformular sua política de contato com o povo e reavaliar o uso das redes sociais e da Empresa Brasil de Comunicação, que gere a TV Brasil.

Estas observações decorrem, em grande parte de uma entrevista do influencer responsável pelo Portal do José e de seus comentários sobre o papel que ocupa atualmente a TV Brasil e de sua falta de audiência, publicada numa reportagem do jornal Estadão, retomada pelo grupo midiático de direita Antagonista. Como alguns leitores poderão imaginar estarmos fazendo a apologia das TVs públicas que fazem propaganda de seus governos, é bom ressaltar que isso ocorre só nas ditaduras. Nem se trata de defender a privatização total das TVs, mas de se imaginar como se obter mais audiência na concorrência com tantas redes sociais convertidas em minis-TVs.

A TV Brasil gasta R$ 600 milhões por ano (este ano são R$ 800 milhões) mas não tem audiência e nem metas a alcançar, comenta o influencer professor e jurista José Fernandes Jr, entrevistado por Pedro Zambarda do Portal Folha Democrata. A declaração foi a propósito do governo Lula não contar com uma boa base mediática para debater e divulgar as iniciativas do seu governo e seus ministérios.

Na verdade, praticamente só o Canal 247 cuida disso, enquanto a oposição a Lula e a extrema direita dispõe de centenas de redes sociais populares, uma grande parte utilizando fake news. Isso mostra não haver uma contrapartida para se enfrentar o enxame de canais preocupados em manter vivo o bolsonarismo.

E a totalidade desses canais é autossuficiente, mantida por seus criadores ou por pequenos grupos, contando com a monetização paga pelo YouTube ou com contribuições de seguidores permitidas nas chamadas comunidades.

Uma das consequências da criação das redes sociais foi a da fragmentação e personificação de lideranças, tanto entre os bolsonaristas e evangélicos como entre as lideranças de esquerda. Embora pareça não haver ainda um estudo sobre a consequência da monetização dos influencers, aqueles que conseguem reunir um grupo importante de seguidores, centenas de milhares, passam a receber uma participação nas publicidades veiculadas com seus vídeos, equivalente a um salário.

Isso lhes permite ter um canal próprio independente, no  qual gozam de ampla liberdade sendo seus próprios editores, ficando ao seu critério pertencer ou não a um grupo de canais com ideias e objetivos semelhantes. Entre os influenciadores de esquerda, uma grande parte prefere se individualizar e guardar sua independência, livrando-se assim de críticas e da obrigação de obedecer a códigos de partidos ou obrigações comuns. Alguns se sentem mais fortes unidos em grupo para ter maior audiência como Opera Mundi, Forum, Meteoro, Metrópoles e MyNews. Outros preferem manter seu ideal de esquerda sem abrir mão de sua individualidade – é o caso de Bob Fernandes, de Andrea Gonçalves, do controvertido Paulo Ghiraldelli ou do Clayson, para citar só alguns dos mais vistos entre canais de esquerda. Estes canais citados são apenas alguns entre dezenas e centenas com menor número de seguidores.

Na sua crítica à TV Brasil, que pertence à Empresa Brasil de Comunicação, com 1.700 funcionários e mais de R$ 800 milhões de despesas, para um número inexpressivo de telespectadores, o influencer do Portal do José oferece a sugestão ao presidente Lula de frequentar e conceder entrevistas aos principais canais de YouTube, com audiência mínima de meio milhão de visualizações e isso sem nenhum custo. Esse contato direto com youtubers e seguidores permitirá que as ações do governo cheguem ao povo e lhe garanta popularidade com alto nível e sem as baixarias do cercadinho.

A título de comparação, as TVs francesas France 2 e France 3, assim como as suíças TS1 e TS2, mostram boa audiência e cumprem seu papel informativo sem se tornarem instrumentos de propaganda do governo. Isso valeria uma pesquisa, uma reflexão e uma avaliação pelo governo e parlamentares.

Referências:
https://www.youtube.com/watch?v=PXlaUHkKBm8&t=3487s

https://www.estadao.com.br/politica/tv-brasil-patina-no-governo-lula-e-novo-sem-censura-chega-a-dar-traco-de-audiencia/

https://oantagonista.com.br/brasil/governo-lula-conseguiu-derrubar-ate-a-audiencia-da-tv-brasil/ 

https://www.google.com/search?client=firefox-b-d&q=audience+france+inter 

https://fr.wikipedia.org/wiki/Audience_de_la_t%C3%A9l%C3%A9vision_fran%C3%A7aise

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de LisboaCorreio do Brasil e RFI.