Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Pastor Malafaia saiu da manifestação de Bolsonaro “cantando de galo”

Ausência dos generais ao redor de Bolsonaro vai abalar o seu prestígio político? (Foto: Luiz Rodrigues/Ato Press \ ESTAD..O CONTE..DO)

O pastor neopentecostal Silas Malafaia, 65 anos, saiu empoderado da manifestação pública feita pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no domingo, 25 de fevereiro, na Avenida Paulista, região central de São Paulo. Malafaia convenceu Bolsonaro a fazer o ato político para apresentar a sua versão sobre a participação na conspiração para a tentativa de golpe de estado de 8 de janeiro de 2023. Pelo roteiro, Malafaia atuaria como uma espécie de boneco de ventríloquo do ex-presidente, que devido aos processos aos quais responde foi aconselhado pelos seus advogados a não ofender os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o governo federal e outras autoridades. No seu discurso, Malafaia não falou por Bolsonaro. Ele encenou, no caminhão de som, a sua versão da história que levou o ex-presidente a se tornar réu da Justiça. A versão foi recheada de citações bíblicas, fake news e lembretes de que já havia alertado Bolsonaro que ele seria vítima da esquerda – há uma abundância de vídeos disponíveis na internet. No final, encheu de desaforos a imprensa. Consta que foi o pastor que organizou e pagou as despesas da manifestação, que reuniu em torno de 200 mil pessoas. Por conta disso, no dia seguinte, segunda-feira (26/02), ele desafiou os fiscais do Imposto de Renda a encontrar irregularidades na suas finanças.

No linguajar atual das redações se dirá que Malafaia saiu empoderado da manifestação. Nos tempos das barulhentas máquinas de escrever e das nuvens de fumaça de cigarro pairando sobre as redações, se diria que ele saiu “cantando de galo”. Ele não é só pastor da igreja Assembleia de Deus em Cristo, é também um dos grandes oradores neopentecostais. A sua rotina de vida tem sido de altos e baixos perante a opinião pública. Atualmente, estava em baixa devido à derrota de Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2022. A atuação dele na manifestação o ressuscitou publicamente. Basta ver nas redes sociais a enorme quantidade de posts e outras mensagens. Podemos assim resumir o caso. A situação do ex-presidente perante a Justiça não mudou um milímetro com a manifestação. Continua sendo muito séria. Inclusive, ele correu o risco se complicar ainda mais, caso tivesse dito uma bobagem durante o discurso. Li, vi e ouvi sobre a atual situação jurídica e política do ex-presidente. No campo político ninguém escreveu que ele está encurralado. Por quê? O prestígio de Bolsonaro colocou 200 mil pessoas na Paulista. Não é pouca coisa. Como esse público chegou lá? Foram organizados e tiveram as suas despesas pagas pelas igrejas neopentecostais, especialmente a do pastor Malafaia. O fato é o seguinte. Até esta manifestação, quem dava as cartas para o ex-presidente era Valdemar da Costa Neto, presidente do seu partido. Costa Neto vai dividir a administração do prestígio político de Bolsonaro durante as eleições municipais com o pastor? Uma pergunta que o tempo responderá.

Há uma história sobre o prestígio do ex-presidente que merece uma melhor atenção por parte da imprensa. Uma parte importante do patrimônio político de Bolsonaro deve-se às suas ligações com as Forças Armadas. Lembro que os militares oficialmente nunca estiveram no poder durante o seu governo. Mas, na prática, 6 mil (reformados, da reserva e da ativa) foram trabalhar na administração federal. A maioria como coordenadores de área e ministros.

Esse quadro permitiu ao ex-presidente vender para a opinião pública, com grande alarde, a imagem de que as Forças Armadas estavam no poder. Oficialmente, nunca estiveram. As investigações da Polícia Federal (PF) sobre a conspiração do golpe de estado de 8 de janeiro, que acabou em quebra-quebra em Brasília, apontou o envolvimento de generais e outros oficiais de altas patentes com os conspiradores.

Lembro que durante o governo do ex-presidente havia um grupo que lhe dava suporte político e era chamado pela imprensa de “generais do Bolsonaro”. Entre eles estavam Braga Netto, que foi candidato a vice na chapa da reeleição de Bolsonaro, e Augusto Heleno, ex-ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência). Esses dois generais da reserva estão sendo investigados por terem participado da conspiração para o golpe de estado. O atual ministro da Defesa, José Múcio, tem dito que o problema dos militares envolvidos em irregularidades no governo anterior é deles e não tem nada a ver com as corporações. Que impacto terá no prestígio do ex-presidente perante os seus eleitores a definição de que as Forças Armadas não fizeram parte do seu governo e que os oficiais que estavam na sua administração estão entregues à própria sorte?

Arrematando a nossa conversa. A não ser que apareça algum episódio desconhecido sobre a manifestação bolsonarista de domingo, ela deverá cair para o pé da página dos jornais. Mas isso não significa que irá perder o interesse dos repórteres. Muito do que aconteceu vai se refletir no futuro da extrema direita no Brasil. Há episódios que ainda carecem de uma melhor explicação para os leitores. O principal deles é a tóxica mistura de religião com política, como está sendo incentivada pelo pastor Malafaia e seus seguidores. Lembro que em vários cantos do país vem acontecendo ataques de neopentecostais a outras religiões, como a umbanda. Uma das heranças do governo do ex-presidente foi a perseguição das religiões afrodescendentes, especialmente na Região Metropolitana de Salvador (BA). A manifestação dos bolsonaristas merece ser melhor esmiuçada para entendermos o que vem por aí. Podem apostar, colegas.

Publicado originalmente em “Histórias Mal Contadas”

 

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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.