Monday, 06 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Tragédia e mídia

É incomensurável a responsabilidade da mídia ao veicular os bastidores das tragédias; é inadmissível dar crédito às declarações de indivíduos ávidos de fama e aos boatos mais estapafúrdios, transformando versões em fatos, sem antes ouvir todos os envolvidos, e, no caso, vilipendiados. 

Arma-se um circo em torno dos bodes expiatórios que remete de imediato àFogueira das Vaidades, de Tom Wolfe, na qual o protagonista inocente é condenado a partir de um conluio macabro entre interesses opostos, tendo como argamassa a busca de promoção (no sentido lato e estrito) e tendo a mídia como peça chave da orquestração. 

Chegamos, em 26 de fevereiro, ao início do processo relativo à explosão no shopping Osasco Plaza com séria apreensão. Em dossiês elaborados ano passado, enfeixei laudos, historiei fatos, citei fontes, no intuito de mostrar o outro lado da tragédia do Osasco Plaza, o porquê de também sermos vítimas da explosão, e não culpados. Trezentos e cinqüenta dossiês foram enviados a jornalistas amigos e outros que sei buscar a informação correta, fazendo de sua profissão um exercício de ética, e também inúmeras pessoas que, nos conhecendo desde sempre ou não, demonstraram solidariedade e acreditaram em nós, antes e apesar de tudo. Antes dos laudos periciais e apesar da desinformação deliberada. 

Quando da explosão, em junho de 1996, totalmente arrasada pela perda irreparável de vidas e pelos ferimentos causados a inúmeras vítimas, guardei silêncio. Aquele do luto, da dor, do desespero, da pergunta: por quê? Em seguida, soterrada pela saraivada de informações contraditórias, na maior parte errôneas (sobretudo por parte da imprensa televisiva), que teceram uma colcha de retalhos tendenciosa, guardei ainda silêncio porque minha perplexidade era do tamanho da minha dor: também eu queria entender o que havia acontecido. 

Ante repetidas declarações categóricas do condutor oficial do inquérito, culpando desde o primeiro momento a Administração do shopping pela tragédia, declarando sua ânsia de pegar o "peixe grande" (sic), antes, durante e depois do laudo do Instituto de Criminalística sobre as causas do acidente (laudo que concluiu categoricamente pela impossibilidade de ação preventiva por parte da Administração, à qual pertence também meu filho Marcelo Zanotto), resolvi chegar à opinião pública já maciçamente desinformada a respeito das verdadeiras responsabilidades. Como Davi, tentei chegar aos Golias, detentores do poder da mídia, que no dizer de Arthur Gianotti "tem a ver com uma opção mercadológica pura: o escândalo, o achincalhe e a denúncia vendem jornal" e dão Ibope às TVs, acrescento eu. Houve raras e honrosas exceções – entre as tevês cito a Cultura, que se pauta pela seriedade do noticiário não sensacionalista; entre os jornais destaco a conduta exemplar da Folha de S.Paulo, que deu a público reiteradamente as múltiplas facetas do caleidoscópio – mas, em geral, fomos colhidos por uma onda de denuncismo equivalente à carga dos dinossauros do Jurassic Park. Por exemplo, a partir de uma biografia de Marcelo totalmente inverídica, levianamente forjada e veiculada por revista semanal quatro dias após a explosão, cristalizou-se a figura de bon vivant incompetente que, é de se deduzir, induziu o delegado a pinçá-lo a dedo entre os demais como culpado sem remissão: suas denúncias apriorísticas ecoavam amplificadas na Imprensa, realimentando-se ambos os pólos ad infinitum

As falsas denúncias foram desde a pré existência de um lixão no terreno, passando pela aleivosia de uma construção improvisada, até a de não assistência às vítimas do sinistro. À disposição dos internautas a lista das vítimas atendidas pelo Osasco Plaza Shopping (120), há os que se recusam a qualquer contato com as assistentes sociais – a minoria – mas são esses que sempre são entrevistados. Para encontrar as outras bastaria contatar o número do Osasco Plaza (705-5500); conforme Carlos Nascimento anunciou um mês após a explosão, na Globo, o Serviço Social do Shopping estava aberto à vítimas que o procurassem. Também não são 500 feridos, como ficou cristalizado na mídia. A lista oficial – que repete o mesmo nome várias vezes – não chega a 250,como anunciou o próprio Delegado de Inquérito em setembro ao Estadão. Expurgando-se as repetições dos nomes são 160. Números suficientemente aterradores, considerando-se que há gravemente feridos e 42 mortos. Uma tragédia dolorosíssima que marcará a vida dos familiares e as nossas para sempre. Marcelo estava lá, no momento da explosão, só não havia descido para almoçar no Jig's (olho do ciclone) porque ficara retido em reunião de última hora. 

Para mim, como mãe, o aterrador é que tudo se encaminha para um processo sumário e político-emblemático como anunciam. Será que voltaremos a Robespierre e ao tempo das diligências, do faroeste ou ao das bruxas de Salém e da Inquisição, quando se degolavam ou enforcavam ou então queimavam os acusados e depois se os julgava? Repito: Marcelo foi apontado como "culpado" desde os primeiros instantes, cabendo-lhe, numa inversão perigosa, o ônus de provar inocência; declarado culpado antes e apesar do Inquérito Policial, cujos laudos do Instituto de Criminalística corroborados pelo IPT, provam o brutal erro de construção e a impossibilidade de qualquer ação preventiva por parte da Administração do shopping. Paradoxalmente, e talvez pela primeira vez na história, a Polícia culpa alguém por não ter feito aquilo que a própria Polícia afirma impossível de ser feito. As promotoras foram além e o denunciaram por "explosão dolosa", isto é, teve a intenção de explodir o shopping, visando lucro(e, possivelmente, suicidando-se porque permaneceu no local! Seria cômico se não fosse trágico!) O artigo em que o enquadraram era usado no tempo do regime militar para enquadrar os terroristas! Alberto Dines, estaria estarrecida se não houvesse tábuas de salvação como a consciência dos juízes corajosos ou como este OBSERVATÓRIO. Desde o "Jornal dos Jornais" inexistia uma janela eficaz e isenta pela qual a Imprensa pudesse se auto-esquadrinhar. Como Guimarães Rosa, "a cada dia da vida a gente aprende uma nova qualidade de medo". Nunca pensei em ter medo da Imprensa, cuja liberdade sempre defendi nos 20 anos em que exerci a crítica teatral no Estado, na TV Cultura, nas revistas Visão e IstoÉ: Venci-o ao divulgar os dossiês, fortalecida pela confiança na verdadeira Imprensa, aquela que se pauta pela ética, inerente à profissão. Confio nela, como confio na justiça dos homens e de Deus. 
Ilka Marinho de Andrade Zanotto 

P.S. Os dossiês serão enviados a quem os solicitar pelo telefone 212-0624 (falar com Débora) ou pelo fax 211-4673.

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Sensatez e respeito 
Não me surpreende que Alberto Dines tenha sido um dos poucos que escreveram com sensatez a respeito da morte de Paulo Francis. 

Francis foi importante, como Dines e Cláudio Abramo, entre outros, também para a formação de pessoas que, como eu, liam a Folha ali por 75, com 14 anos, uma curiosidade e ignorância enormes e uma personalidade por construir. 

Li, como muitos da minha geração, estes que o senhor citou e que a reforma naFolha pretendeu transformar em espécies em extinção, sem valor ou respeitabilidade. 

Qualquer pessoa que tenha lido a Folha, até aquele infeliz episódio do cronista medíocre que serviu de pretexto para afastar Cláudio Abramo, sabe no que se transformou o jornal, tomado por uma gente sem cultura, cheios de si e, boa parte deles, tentando imitar, mal, o Francis. 

O que entristece agora é o sentimento aumentado, aos 35 anos, de ficar mais velho, e só, e ver as coisas mudando pra pior, com muito pouco pra ler, ao menos na imprensa. 

Se é que serve de consolo, digo que o OBSERVATÓRIO é um dos últimos refúgios onde o lugar comum e o bom-mocismo ainda não chegaram. Tenho até medo de dizer isto. 

Lembrando a observação de Francis quanto à ordinária falta de miolo de quem escreve para as redações, mando meus cumprimentos. 


Luís Carlos Cazetta – Brasília – DF

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Minuto de silêncio 

Se o Francis fosse ler seu testamento com aquela entonação que lhe era peculiar, com certeza diria que não ia deixar nada pra ninguém para que dele não se lembrassem! Aliás, a vida lhe pregou a peça de morrer sem poder escrever seu epitáfio, que certamente diria: Hei,você que agora está lendo este epitáfio, se arranca daqui que eu quero é sossego!! 

Ele vai fazer falta, já diria a manchete de Veja 

Falta também já estava fazendo Mário Henrique Simonsen, cuja coluna na Examesempre me fascinou. Ao ler seus artigos, eu sempre tinha a impressão de que tinha encontrado o eterno ministro na ponte aérea, feito uma pergunta e recebido a seguinte resposta: leia meus comentários na Exame ! Era impressionante como o mestre respondia sem mesmo ser indagado, coisa de professor que já sabe qual poderá ser a dúvida do aluno. 

Proponho um minuto de silêncio em respeito a tantas perdas intelectuais. Só nos resta ficarmos CALLADOS, meditando. 


Paulo Gaba Junior 
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Decifra-me ou devoro-te 
Gostaria de deixar aqui meu apoio à iniciativa de vocês. Acredito que a imprensa não pode ser, como vem acontecendo, mera propagandista de uma ideologia de consumo nem chafurdar na mesmice e no mero puxa-saquismo com os poderosos.

Recentemente, Boris Casoy falou da vinda da mulher do presidente Mitterrand ao Brasil em apoio ao MST. Rancoroso, Casoy emendou: "talvez ela explique o colaboracionismo nazista de seu marido na Segunda Guerra". Ora, Miterrand foi colaboracionista e depois virou resistente, foi socialista e depois neoliberal. Mas a solidariedade ao MST era o mínimo que se poderia esperar de quem se diz socialista ou social-democrata. Casoy poderia explicar, também, a candidatura de Sílvio Santos para a presidência em 1989, a promiscuidade da Globo com o regime militar e outros mistérios… 
Se a questão é explicar os grandes enigmas, sugiro que ele explique este: por que não foi feita uma reforma agrária no Brasil? 

Sobre Paulo Francis, acho bom lembrar o artigo de Marcelo Coelho na Folha de S.Paulo de dezembro de 96. Com o título "Paulo Francis é a Carmen Miranda do Caos", Coelho escreveu um anti-necrológio, um ensaio sobre o grande intelectual reduzido à histeria e ocupado com a futilidade. Como Francis foi da esquerda para a direita? Foi atrás do poder, explica Coelho. Caetano Veloso também mostra seu gosto pelo poder quamdo se reconcilia tardiamente com Francis – agora que Francis é uma unanimidade. 

Quanto a Veja…argh! Dá engulhos de vômito. A revista é classe média protofascista, para dizer o mínimo. A matéria sobre Paulo Francis citou seu lado racista, cajafeste e ignorou seus romances e vários outros livros. E despejou elogios ao neoliberalismo boca-suja. 

Sinceramente, acho que Francis já estava uma disposição suicida há muito tempo, desde O Afeto Que se Encerra. Ele se violentou, agrediu a ética e os princípios que outrora defendera com unhas e dentes.Estava em plena decadência, indo da folha ao arquireacionário jornalão. Sua coluna era algo "entre o ballet e o esquadrão da morte", como disse o jornalista Rodrigo Mehreb no O Tempo. Rest in peace. 

Outro detalhe: os meios de comunicação do eixo SP-RJ não dão espaço nem ao futebol mineiro, quanto menos para a tragédia num tempo em que o otimismo virou aparelho ideológico do estado. A tragédia das chuvas foi complementada com a indiferença dos meios de comunicação e temperada com a omissão do tecnocrata Eduardo Azeredo. Ele, como os direitistas do Brasil em geral, veste-se de social-democrata e abre alas para a barbárie, a imoralidade e a idiotia. 
Lúcio Emílio do Espírito Santo