Thursday, 02 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Aloysio Nunes Ferreira


"A idéia de apresentar esta proposta [alteração ou supressão do artigo 222 da Constituição] surgiu da leitura de alguns artigos, estudos e também das opiniões do jornalista Alberto Dines. Credito a ele a inspiração desta minha proposta de emenda constitucional. (….) Inclino-me por uma abertura total, mas quero abrir um debate sobre o tema. (….) Em relação à participação de pessoa jurídica, não tenho dúvida nenhuma. 

(….) É um assunto da mais extrema relevância e que diz respeito, em última análise, à própria liberdade de imprensa. Porque veículos capitalizados são veículos mais independentes. Devido às restrições que temos hoje, os veículos de comunicação tendem a ser mais frágeis economicamente do que os próprios anunciantes. 

Pergunta – Mas será que o veículo se torna mais independente tendo um sócio estrangeiro? 
Resposta – (….) Se eu posso me informar por canais de televisão a cabo que transmitem notícias de agências estrangeiras, no caso com programas gerados em outros países, por que as pessoas comuns não podem? A diferença é apenas o meu nível de renda, que me permite pagar a mensalidade de uma TV a cabo? 

(….) A situação de hoje – em que há a proibição de que pessoa jurídica participe do capital social dessas empresas além de 30% do capital e, mesmo assim, sem direito a voto – impede ou dificulta seriamente a capitalização das empresas. Para se capitalizar, essas empresas estão hoje condenadas a recorrer a empréstimos bancários a juros proibitivos. Isso é uma limitação séria para a atividade dessas empresas, e é um fator de inibição também do próprio mercado de trabalho dos jornalistas. Porque estas empresas têm menos recursos para gastar na sua atividade final, que é o jornalismo." 

("Discussão sobre estrangeiros em grupos de comunicação do país chega à Câmara", entrevista de Aloysio Nunes Ferreira, Meio & Mensagem, 17/3/97. O grupo Meio & Mensagem é o sócio brasileiro da Dow Jones na revista América Economia.) 

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TT Catalão 
"A postura do OBSERVATÓRIO vai além da mediação pura e simples quando se envolve, também, com a sua opinião. Abre para Fórum livre bradar contra os modismos que banalizam valores, amortecem a aceitação do grotesco, a idolatria geral e irrestrita e os nossos 'cochilos' ao canonizar crápulas e temas que só se 'tornam reais' quando veiculados maciçamente ou embalados como 'concretos'. A luta da verdade contra o verossímil. Nós, jornalistas, ora somos adubo de 'plantações' astutas ora 'plantadores' de imagens distorcidas. Mas reagimos. Frágeis na dependência econômica do emprego em constante crise de avaliação. OBSERVATÓRIO colabora por enfocar o fazer jornalístico em contextos mais amplos: no empresarial (A notícia é só um produto a ser vendido?); no ético (A consciência pode ser narcotizada? Todos os lados da questão foram esgotados?); no estético (Só importa o que se diz e não o COMO se diz?); no político-econômico (O peso do sistema é o mesmo do mortal-leitor quando ressaltamos ou omitimos enfoques?) e o próprio parto do fazer: a busca, a apuração, o estabelecimento do nexo entre causa/efeito, a memória, a análise da notícia, os personagens, os suportes gráficos, os critérios de edição, etc. etc. Até a construção dramática da frase, tão postergada no pique do fechamento. Coisa que a ditadura dos manuais vem encaixotando em padrões insossos que tornam os jornais mais iguais entre si. 

OBSERVATÓRIO conta com a repercussão civil para sua continuidade. Um testemunho raro de libelo romântico e desassombrado nestes tempos estéreis de pasteurização técnica onde a simulação da competência é mais fértil que a propriamente dita. Nessa tensão permanente do jornalista (falo daquela da linha de frente, o repórter, mais próximo aos fios desencapados que toda reportagem oculta). Nessa instabilidade de migração estética do público e o consumo de notícias. Nessa metamorfose ambulante do comportamento sem a escravidão das certezas. Longa vida ao OBSERVATÓRIO. Ao Dines, por si um significado e o significante da profissão. Ao jornalismo apaixonado e responsável capaz de crescer até quando tropeça. À dignidade como fato e fator. À apuração como matriz. O fascínio do apaixonado, que, quando sabe, aprofunda mais e conta para todo mundo." 

("De olho na notícia", Correio Braziliense, 19/1/97.) 

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H.L. Mencken 
"Empenhado diariamente em maquilar idéias que ele sabe serem falsas e idiotas, e forçado a fazer de si mesmo um instrumento de jogadas que às vezes não entende ou considera sinistras, o jornalista acaba por perder toda a noção de responsabilidade pública. Com isto, torna-se mero cão de guarda, pronto a receber ordens para defender um culpado ou atazanar ou perseguir um inocente. No fim, acaba possuído por uma fúria maligna. O poder está em suas mãos, e sua consciência se evaporou." 
(O Livro dos insultos de H.L. Mencken, seleção, tradução e prefácio de Ruy Castro, São Paulo, Companhia das Letras, 1988, pág. 123.) 

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Perry Anderson 
"Em muitos países, a universalização do ensino não produziu os frutos esperados. Em vez de escolas públicas que oferecessem uma cultura gratuita para todos, capazes de tornar as escolas privadas uma despesa supérflua à medida que o cabedal geral de habilidades intelectuais se elevasse até um nível igual, elas freqüentemente se transformaram em espaços empobrecidos, abandonados pelos pais de classe média, outrora considerados seus defensores esclarecidos. Sitiada por novas tensões, ligadas à divisão étnica e ao entretenimento comercial, a escola pública se transformou numa fonte endêmica de insatisfação nas grandes cidades da Inglaterra ou da França, como já o é há muito tempo nos Estados Unidos. Na própria economia, é claro, as empresas públicas de qualquer tipo – estigmatizadas como inerentemente ineficientes – retrocederam. A onda de privatizações desencadeada pelos governos Thatcher na Inglaterra está longe de se extinguir na Europa Ocidental como um todo. Atualmente [julho de 1994], tanto a França como a Alemanha e a Itália são palco de grandes vendas de ativos, cujas dimensões se alargaram progressivamente – desde mineração e manufaturas até empresas de serviços públicos, chegando agora a funções como os correios e a arrecadação de impostos, atividades que até o liberalismo do século XIX atribuía ao Estado-guarda-noturno. Por fim, a autoridade dos parlamentares foi enfraquecida com a transferência do poder para conselhos intergovernamentais de ministros, ou para mercados de capital que gozam de extraterritorialidade. A participação do eleitor declinou. Ideologicamente, o espaço do conflito político se deslocou dos partidos para os shows de televisão, dos discursos para os clipes, das políticas para as personalidades." 

("Introdução" a Um mapa da esquerda na Europa Ocidental, Perry Anderson e Patrick Camiller, org., Rio de Janeiro, Contraponto, 1996, págs. 26/7.) 

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Manuel Vasquez Montalbán 
"… Mas olhando a dinâmica do mundo, o que resta por fazer, por transformar, a quantidade de desordem que há sob a aparência da ordem, poderíamos chegar à conclusão de que a História é um cadáver que goza de uma sinistra boa saúde. Para encontrar-lhe um sentido, a partir da perspectiva da autêntica democracia participativa, o evitar que a maioria seja silenciosa ou silenciada continua sendo um dos objetivos mais importantes para uma leitura democrática que dê por definitivamente mortos ou deuses maiores e menores, sempre que forem desnecessários. Porque, ainda que se tema que Deus tenha morrido, que o Homem tenha morrido, que Marx tenha morrido, que eu não me encontre muito bem e nem sequer os profetas do já ocorrido saibam com certeza o que ocorreu, em algo é necessário acreditar, além da existência do colesterol." 

(Manifesto do Planeta dos Macacos, São Paulo, Scritta, 1995, pág. 32.) 

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Millôr Fernandes 
"Aqui sozinho, nesta calma, toda a história da humanidade e da vida rolam diante de mim. Respiro o ar inaugural do mundo, o perfume das rosas do Éden ainda recendentes de originalidade. A primeira mulher colhe o primeiro botão. Vejo as pirâmides subindo; o rosto da esfinge pela primeira vez iluminado pela lua cheia que sobe no oriente. Observo o matemático inca no orgasmo de criar a mais simples e fantástica invenção humana – o zero. Entro na banheira em Siracusa e percebo, emocionado, meu corpo sofrendo um impulso de baixo para cima igual ao peso do líquido por ele deslocado. Reabro feridas de traições, horrores do poder, rios de sangue correm pela história, justos são condenados, injustos devidamente glorificados. Sinto as frustrações neuróticas de tantos seres ansiosos, e a tentativa de superá-las com o exercício de supostas santidades. Com emoções a que nenhum sexo se compara, começo, pouco a pouco, a decifrar, numa pedra com uma tríplice inscrição, o que pensaram seres como eu em dias assustadoramente remotos. Acompanho um homem – num desses raros instantes de competência que embelezam e justificam a humanidade – pintando e repintando o teto de uma capela; ouço o som divino que outro tira de um instrumento que ele próprio é incapaz de ouvir. Componho em minha imaginação o retrato de maravilhosas sedutoras, espiãs, cortesãs e barregãs, que possivelmente nem foram tão belas, nem seduziram tanto. Sento e sinto e vejo, numa criação única, pessoal e intensa, porque ninguém materializou nada num teatro, numa televisão, num filme. Estou só com minha imaginação. E um livro." 

(© Jornal do Brasil, 1/2/1992.)