Wednesday, 01 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A legislação ausente das faculdades

FORMAÇÃO EM JORNALISMO

Antônio Lemos Augusto (*)

Um estudante de Jornalismo tem a obrigação de pesquisar e descobrir as legislações referentes a sua futura profissão. O curso de Jornalismo ? ou Comunicação Social ? precisa zelar pela disciplina Legislação e Ética, mas sabemos que não são poucos os professores dessa cadeira que desconhecem o tema tanto quanto seus alunos.

Poderia enfatizar, neste texto, a Lei de Imprensa. Mas é preciso lembrar que a Constituição Federal contém artigos essenciais para o futuro profissional de jornalismo. Desconhecer o artigo 5? da Constituição, e seus diversos incisos, é quase uma omissão profissional. E não saber que a liberdade de imprensa contida no artigo 5? existe justamente para garantir ao cidadão o direito de ser informado é negligência.

Está lá, no artigo 5?, IV, que "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato". Justo, afinal o próprio artigo 5?, V, garante que "é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem". E como reparar tal dano se a opinião tiver sido veiculada com anonimato? Você seria capaz de relacionar o repúdio ao anonimato com o que a Lei de Imprensa aborda sobre pseudônimo?

A responsabilidade que a Constituição exige do comunicador em hipótese alguma pode ser encarada como cerceamento. Pelo contrário, a Constituição enfatiza, ainda no artigo 5?, IX, que "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença". Paralelamente, a Carta Magna observa que tal liberdade não pode violar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem: basta ler o inciso seguinte. Essencial ao jornalismo é o inciso XIV, ainda do artigo 5?: "É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional".

Feitas essas observações iniciais, vamos pular ao artigo 220 da Constituição Federal, que trata diretamente da Comunicação Social. Cabe enfatizar especificamente o parágrafo 1?: "Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social", logicamente respeitando os incisos do artigo 5?, já citados neste texto. Que história é essa, então, de leis de mordaça? O que dizer de normas administrativas de alguns órgãos públicos que, a pretexto de "organizar a comunicação interna", dificultam o trabalho da imprensa?

Curiosidade é essencial

É interessante ao jornalista conhecer do artigo 220 ao 224 da Constituição Federal. Ele vai ler sobre monopólios e vai se surpreender ao descobrir que o texto constitucional afirma que "a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: preferência a finalidade educativas, artísticas e informativas; promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive a sua divulgação; regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família". Parece que o texto refere-se a outro país, ou alguma emissora de rádio e TV cumpre o que está preceituado acima?

Até aqui, caro estudante de Comunicação, tratamos apenas da Constituição Federal, e de maneira resumida. Temos ainda o Estatuto da Criança e do Adolescente. Como escrever sobre menores de rua? Como relatar uma fuga nos abandonados abrigos, mais parecidos com cadeias? Qual sua posição sobre o Estatuto: privilegia ou não o adolescente? Não ler o Estatuto é não saber como abordar temas complexos e contribuir com a manutenção de preconceitos radicais, pretensamente contra ou pretensamente a favor de menores infratores.

Mas você sabe o que é Conselho de Comunicação Social? Está na Lei 8.389/91. Não tem nada a ver com conselho profissional de fiscalização das profissões ligadas à comunicação social, outra luta da categoria para enquadrar os tantos que mancham a profissão e que passa ao largo das faculdades. E a Lei de Direitos Autorais, que está diretamente relacionada também ao trabalho do jornalista? E as legislações que regulamentam a atividade do jornalista?

Como questionar a Lei de Imprensa se ela é desconhecida?

São temas que grande parte dos profissionais desconhecem e que, muitas vezes, estão distantes dos bancos universitários. É preciso, sim, discutir ética tendo como base a legislação vigente, até mesmo para debatê-la. É preciso saber que praticamente não temos, contra picaretas, formas de cassar o registro profissional, porque está nas mãos da Delegacia Regional do Trabalho. É preciso termos curiosidade para comparar o que legislações de outros países dizem em relação à imprensa.

Como função social da profissão, o futuro jornalista tem a obrigação de conhecer a legislação sobre o seu setor. Precisa ao menos sentir a necessidade e a curiosidade de perguntar e pesquisar. A não ser que esteja naquele time que, infelizmente, pretende sobreviver manipulando, chantageando, forjando e chafurdando.

(*) Jornalista em Cuiabá, coordenador do boletim semanal Imprensa Ética. E-mail: <arlaarla@terra.com.br>