Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A lógica implacável do índio

Ao que parece, a implantação, com pleno êxito, do rodízio de veículos na Grande São Paulo vai-se transformando num turningpoint na questão ambiental brasileira. A adesão maciça da sociedade (96%!), a disposição da Secretaria de Meio Ambiente do Estado de promover uma consulta popular (talvez incluindo até adolescentes e crianças) sobre a possibilidade de um rodízio permanente e os primeiros indícios de que a sociedade é favorável a essa mudança (72%, numa pesquisa recente) – tudo isso sugere que os cidadãos e alguns governantes parecem prontos para quebrar uma lógica que se poderia descrever como viver do problema e não de soluções. (….)

Estudos do Instituto de Engenharia de São Paulo dizem que os congestionamentos representam prejuízos de pelo menos US$ 6 bilhões/ano. A expansão da malha viária, para receber mais veículos, significa mais US$ 1 bilhão/ano. Os gastos adicionais com saúde podem chegar a US$ 4 bilhões/ano. Ou seja, um total de pelo menos US$ 11 bilhões por ano, cerca de 7% do PIB regional – ou um gasto social por veículo superior a US$ 2 mil por ano, que significa uma carga fiscal que pode chegar a US$ 730 por pessoa. (….)

Às vezes, é necessária a lógica implacável de um índio para desnudar essa tendência de viver do problema, não das soluções. Como no dia em que o autor destas linhas trafegava num carro por uma avenida de Goiânia, com um índio do Xingu ao lado.

– Por que homem branco tapa o chão com asfalto? – perguntou ele.

– Para ficar mais plano, mais liso, para o carro poder andar mais depressa – respondi.

Ele ficou pensativo. Até que, algumas centenas de metros adiante, depois de passarmos por alguns quebra-molas, voltou à carga.

– E por que homem branco faz calombo no asfalto?

– Para os carros não andarem depressa demais, não atropelarem as pessoas – expliquei.

Ele fulminou a nossa lógica, o nosso modo de viver do problema, não da solução:

– E por que homem branco primeiro põe asfalto para andar depressa e depois faz calombo para andar devagar?

(Extraído de “O problema de viver do problema”, Gazeta Mercantil, 15/7/97.)

Mande-nos seu comentário.