ARÁBIA SAUDITA
O incêndio que matou 14 meninas e feriu 52 numa escola de Meca (11/3) sacudiu a imprensa local, que culpa funcionários da educação pela tragédia. A Comissão de Promoção da Virtude e Prevenção do Vício foi acusada de obstruir o resgate, ao impedir a entrada de bombeiros e voluntários do sexo masculino no edifício em chamas por medo de "expor as estudantes a homens estranhos". Embora a comissão negue, jornais citam depoimentos de testemunhas afirmando que funcionários realmente atrasaram o resgate. As meninas, entre 13 e 17 anos, morreram pisoteadas enquanto tentavam fugir.
Segundo Khaled Al-Suhail [Arab News, 16/3/02], analistas acreditam que a mídia local desempenhou papel importante ao destacar a tragédia, refletindo uma nova tendência de abertura no país. Mas, enquanto uns louvam seu patriotismo, outros descrevem um cenário menos animador. Raid Qusti [Arab News, 16/3/02] critica duramente o servilismo da imprensa: se ela fosse mais corajosa, questionasse e desafiasse os funcionários do governo, a tragédia poderia não ter ocorrido.
Qusti reclama que todos os jornais ? com exceção dos diários ingleses e de Al-Watan, cuja cobertura elogia ? estão mais interessados em bajular o governo do que em informar o público. Todos estes jornalistas sauditas deveriam escrever num único jornal ? poupariam dinheiro, tempo e energia do leitor, que não teriam que comprar meia dúzia de veículos para ler as mesmas notícias, ironiza.
O editor do jornal Al Riyadh repudiou artigo publicado em seu próprio jornal que repete a ficção de que judeus usam sangue de cristãos e palestinos para fazer a comida do feriado de Purim. Turki al Sudairy disse ter ficado preocupado ao descobrir que o diário publicou a matéria em duas partes, enquanto ele estava no Líbano.
"Achei que o artigo não deveria ter sido publicado porque não se baseia em qualquer fato histórico e cientifico", escreveu Sudairy, afirmando que cortou relações com a autora, a professora universitária Umayma Ahmad Jalahma. Para o editor, ela falhou ao não distinguir entre judeus e "partidários do movimento sionista, que estão erradicando palestinos, o que é uma coisa completamente diferente". "É inaceitável que nossas diferenças com espécimes como [Ariel] Sharon sejam incentivo para generalizar o ódio contra todos os judeus."
Embora seja um jornal privado, Al Riyadh sofre censura do governo saudita, mas não houve qualquer esforço para impedir a publicação do artigo. Michael Slackman [Los Angeles Times, 20/3/02] acredita que isto reflete a disposição dos governantes em usar a mídia como válvula de escape para a animosidade da população em relação a Israel. Adel Hammouda, editor-chefe de um tablóide sensacionalista egípcio, opina que nenhum regime pode evitar a expressão destes sentimentos na região, dada a intensidade da campanha militar israelense contra os palestinos.
A publicação do poema "O corrupto na Terra" no jornal Al-Madina causou a prisão do autor e a demissão do editor. Os versos acusam juízes islâmicos de aceitar suborno e atuar injustamente para agradar tiranos. O título vem do Corão, que prega que os corruptos devem ser executados. "É triste que no mundo islâmico a justiça esteja sofrendo na mão de poucos juízes que não se importam com nada, a não ser suas contas bancárias e status com os governantes", diz a introdução do poema.
Abdul Mohsen Musalam foi detido pelas autoridades sauditas e Mohammed Mokhtar al-Fal, editor-chefe de Al-Madina, perdeu o emprego. Tarek Al-Issawi [AP, 20/3/02] conta que o poema é um caso raro de crítica pública, num país em que o dissenso é pouco tolerado e a maioria dos jornais ? inclusive Al-Madina ? pertence ao governo.