Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A mídia que dá o tom

RÁDIO, 81 ANOS

Luiz Carlos Ramos (*)

Na segunda-feira, 13/10, fez 26 anos que o Corinthians tornou-se campeão paulista de 1977, após 23 anos de jejum de títulos. Naquela noite, a TV mostrou para todo o Brasil a festa da maior torcida de futebol de São Paulo, uma das mais empolgantes do mundo. O gol de Basílio na vitória por 1 a 0 diante da Ponte Preta, no Morumbi, ficou na história no esporte. Esse gol, narrado pelo locutor Osmar Santos, entrou para a história do rádio:


"Corinthians, um grito sufocado de um povo, um grito do fundo do coração de um torcedor, depois de 20 anos a Fiel está explodindo. Vinte e dois… 23 anos, na cabeça desse povo, tumultuando meu povo… O Corinthians vai se transformando no maior espetáculo do território brasileiro. Corinthians, você acima de tudo é a alma deste povo… Você vem da imagem do sorriso de felicidade… Tem que ter festa alvinegra, tem que comemorar essa cidade com paixão e loucura, hoje é o verdadeiro dia do povo, dia de dançar alegria e ser feliz".


O mesmo Osmar estaria seis anos e meio depois na Praça da Sé, no grande comício de 1984 pelas Diretas Já, como locutor do manifestação que reuniu cerca de 400 mil pessoas para exigir eleições diretas para presidente da República. Ele dava o tom de entusiasmo pelo movimento que tentava apressar o fim da ditadura, ao lado de políticos de oposição ao regime militar: Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Mário Covas, Fernando Henrique Cardoso, Leonel Brizola, Luiz Inácio Lula da Silva.

A voz de Osmar Aparecido dos Santos, característica do rádio, esteve ligada ao esporte, à alegria do futebol e ao desejo de democracia. Assim como tantos outros narradores e comentaristas esportivos, Osmar veio do interior de São Paulo: nascido em Osvaldo Cruz, foi revelado pelo rádio em Marília, ganhou fama na Rádio Jovem Pan da capital e chegou à Rádio Globo.

Por uma fatalidade, Osmar foi obrigado a encerrar sua carreira de locutor ao sofrer um acidente de automóvel numa viagem de Marília para Birigui, em 22 de dezembro de 1994. Vítima da irresponsabilidade de um caminhoneiro embriagado, ele ficou gravemente ferido. Uma lesão no cérebro o impediu de falar normalmente. Nos últimos anos, porém, Osmar Santos luta para ter uma vida quase normal. Já não narra os jogos, mas gosta de ir aos estádios e continua participando do trabalho de coordenação da equipe de Esportes das Rádios Globo e CBN ao lado de um dos seus três irmãos, o também locutor Oscar Ulisses.

Credibilidade e coragem

Na história do rádio esportivo do Brasil, ele continua lembrado entre os maiores narradores de todos os tempos, ao lado de Pedro Luís e Edson Leite, de São Paulo, e Oduvaldo Cozzi e Waldir Amaral, do Rio. Na história da redemocratização do país, Osmar mantém um lugar especial na galeria daqueles que usaram a voz para exigir o fim da ditadura.

Nesta época em que o rádio acaba de completar 81 anos de Brasil, desde a experiência pioneira de 7 de setembro de 1922, no Rio, é possível fazer uma reflexão sobre a importância desse veículo de comunicação. Considerado o "primo pobre" da mídia, pelo fato de hoje em dia receber apenas uma pequena fatia do bolo da publicidade, cujas maiores parcelas ficam com a TV e com os jornais, o rádio mantém as características de agilidade e credibilidade, o amigo de sempre. O avanço tecnológico levou a mudanças, as emissoras se transformaram e avançaram pelo campo da prestação de serviços. No entanto, mesmo lutando contra problemas financeiros, o rádio conserva um recurso fundamental: o de trabalhar com a criatividade, exercitando a imaginação dos ouvintes.

Francisco Paes de Barros, diretor da Rádio 9 de Julho, de São Paulo, uma emissora reinaugurada em 19 de março de 1999 depois de o governo federal ter devolvido à Igreja Católica a permissão para que funcionasse, dirigiu rádios do peso da Globo, da Record e da América. Diz Paes de Barros: "O rádio merece uma consideração especial por causa de sua função social. Há programas de grande importância que ajudam a informar e a educar pessoas que normalmente não têm acesso a outros veículos de comunicação".

A 9 de Julho foi fechada pelo regime militar, em 1973, pelo fato de a Cúria Metropolitana não ter aceitado a imposição da censura instituída com o Ato Institucional n? 5, de 13 de dezembro de 1968. Nesta nova fase, após a virada do milênio, a emissora exerce função evangelizadora em favor do catolicismo, mas mantém vários programas musicais e jornalísticos, em defesa da cidadania.

Nessa emissora AM, com freqüência nos 1.600 Khz, estudantes do 4.? ano de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo apresentam aos sábados, às 13h15, o programa PUC no Ar, com 15 minutos de notícias e comentários ao estilo dos jovens. Os garotos da PUC não abrem mão do dever de mostrar ao público ângulos fundamentais de temas econômicos, políticos e internacionais, mas também focalizam fatos das artes e dos esportes. A PUC, que tem esse espaço na 9 de Julho desde 2001, começou a ter também programas mensais de 10 minutos na Rádio CBN, sempre às 10 horas do primeiro sábado de cada mês. "É preciso abrir caminho para os jovens, os responsáveis pela tarefa de manter o rádio vibrante", explica Heródoto Barbeiro, gerente de Jornalismo da CBN em São Paulo.

Quando a primeira emissora de TV do Brasil, a Tupi de São Paulo, foi inaugurada, em 18 de setembro de 1950, não faltaram os Nostradamus que previram o fim do rádio. Uma falha grosseira nas previsões. O rádio mudou, é verdade, mas continua presente na vida das pessoas ? em casa, nos carros. Nos tempos da internet, há quem recorra aos computadores, ligue a TV, leia jornais e revistas, porém sem abandonar o aparelho que fala.

Há inúmeros Osmar Santos em potencial por aí. Há milhões de apaixonados pelo rádio. Há emissoras comerciais de peso, há rádios comunitárias de romantismo. A filosofia é a mesma: o rádio tem pouco dinheiro, mas tem credibilidade, coragem, vergonha na cara.

(*) Jornalista de O Estado de S.Paulo, escritor e professor da PUC-SP