Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A mecânica do pânico: desinformação, arrogância, boatos


Alberto Dines

 

N

a sexta-feira, 29 de janeiro, houve um princípio de corrida aos bancos acionado por uma onda de boatos que começou em Brasília e chegou rapidamente a S.Paulo e Rio. O medo de uma galopante desvalorização do real, confisco, pacotaço, etc. atingiu não apenas os aplicadores nas cadernetas de poupança, naturalmente mais sensíveis à boataria veiculada pelas rádios, mas também aos segmentos mais afluentes, teoricamente mais informados.

O fato de que os primeiros rumores foram detectados na Capital Federal não pode ser minimizado. A sede dos poderes constituídos é também o centro político nacional, tanto da situação como da oposição. Mesmo numa sexta-feira em que o presidente da República, o vice, os presidentes da Câmara e do Senado e grande número de figuras do primeiro escalão deslocaram-se para S. Paulo.

Também não pode ser ignorado o fato de que a maré de boatos resistiu a três tentativas sucessivas de sossegar as angústias – a entrevista coletiva do ministro da Fazenda, Pedro Malan, em Brasília, visando sobretudo acalmar os mercados, acionário e cambial. Seguiu-se um pronunciamento veemente e emocionado do presidente, no fim da manhã, durante a inauguração das novas instalações da TV Globo em S.Paulo e outro, no fim da tarde, quando fazia uma visita ao governador Mário Covas.

Não convenceu a explicação divulgada pela mídia nos telejornais da mesma noite, nos jornais do dia seguinte e nos semanários do último fim de semana: o agente deflagrador da boataria foi a subida do dólar quebrando a barreira psicológica de dois reais. Ou a chegada da missão do FMI (estava programada há mais de 15 dias!) Ou ainda o enfraquecimento do ministro Pedro Malan diante da possibilidade de ser substituído pelo atual ministro da Saúde, José Serra.

(Na segunda-feira, 1/1, a colunista Dora Kramer, do JB, revelou a hipótese de um leitor: o pânico teria começado a partir das declarações do ex-ministro Ciro Gomes, depois do encontro do presidente, de que as pessoas com mais de 30 mil na poupança deveriam se preocupar. Essas declarações foram publicadas nos jornais da sexta.)

Boatos prosperam apenas em duas circunstâncias:

a) Quando não há informação.

b) Quando impera a desinformação.

Descarta-se a primeira hipótese num regime democrático e onde imperam as leis do mercado. Como este observador registrou na edição anterior, o mercado soube antes da mídia que haveria uma ampliação da banda cambial.

Confirma-se a segunda: a sociedade brasileira está evidentemente desinformada. Recebe uma massa de informações irrelevantes e, dentro dela, uma carga de sinais trocados onde, salvo raríssimas exceções, a opinião substitui a informação. O processo começa nos veículos de prestígio, passa aos seus consumidores (os multiplicadores de opinião) e chega aos setores incapazes de avaliar a validade do que é transmitido.

Exemplos sintomáticos:

    • Os semanários do fim de semana 23-24/janeiro saíram com capas dramáticas: na Isto É, dedicada ao dragão da inflação a chamada do alto dizia: “Dólar fugiu do controle”. Época repartiu a capa com Internet e o Real, cuja chamada insistia: “Mercados instáveis balançam governo e ameaçam Malan”. Na Veja, numa capa pretensamente otimista sobre o século XXI, a chamada do alto a constatação taxativa: “A volta da inflação”. Na matéria principal, “A Volta da Velha Senhora” (a inflação) o subtítulo, teoricamente esclarecedor, dá a seguinte sacada: “Com a desvalorização acentuada do real, JÁ SE FALA numa inflação de até 10%, etc.” (destaque deste observador). Se uma publicação desta importância assume que pode veicular rumores numa hora destas é evidente que os rumores logo se multiplicarão.
    • No domingão do Folhão (24/1) veio a dose definitiva para alimentar o desespero e o vespeiro das especulações: mais um editorial apocalíptico, tipo anúncio de Juízo Final, na primeira página desta vez sugerindo abertamente a centralização do câmbio (mais uma bomba editorial na sua primeira pagina e a Folha terá que acabar com as suas três notas opinativas na página dois – serão dispensáveis). A proposta casou grande comoção até o meio da semana nos mercados acionário e cambial obrigando o governo a fazer sucessivos desmentidos não apenas através do porta-voz da presidência da República como através do próprio José Serra. Para completar o baixo-astral da primeira da Folha quatro chamadas de artigos do caderno “Mais!” sendo que três no mesmo diapasão desesperado. (As opiniões deste observador sobre a dupla loucura, jornalística e econômica, foram publicadas no mesmo jornal, quase uma semana depois; ver “Sob o Signo de Plutão”).

Conclusão: neste clima altamente inflamável, depressivo e, sobretudo, desinformado não constitui surpresa que o rumor, a fofoca e a paranóia acionem o pânico.

Convém reparar que no seu primeiro pronunciamento o presidente FHC teve que explicar didaticamente aquilo que jornalistas e telejornalistas deveriam estar fazendo todos os dias: o BC não está vendendo dólares, os que saem não fazem parte das reservas, a sobrevalorização da moeda é irreal, fruto da pressão dos especuladores etc. etc.

Estas observações estão sendo completadas às 10 horas de 1/2/99, impossível prever o que vai acontecer nos próximos dias. Dois desempenhos da Folha neste fim de semana de 30-31/janeiro dão uma idéia das reações que se pode esperar:

    • A matéria do enviado especial ao Fórum Econômico Mundial em Davos (sábado, 30/1) é paradigma de um gênero de jornalismo pretensamente informativo, na realidade, altamente opinativo e manipulador. Titulo da chamada de 1ª página: “Americano vê falta de liderança no Brasil”. Manchete no caderno de economia (p. 2-10): “EUA vêem Brasil sem liderança e coerência”. Pergunta-se: quem é este alto funcionário que o repórter não identifica e fala em nome do governo dos EUA ? Imagine-se que este Observatório publicasse a seguinte manchete a propósito da saída de Roberto Mangabeira Unger (tido como autor do editorial do domingo anterior e formulador das posições do jornal em matéria econômica): “Analista Vê ‘Folha’ Desorientada e sem Comando.” Evidentemente o leitor vai querer saber quem é esta analista, qual a sua importância ou poder no mercado jornalístico e publicitário.
    • Dia seguinte, domingo (31/1), depois de refrear durante meses seus impulsos pesquisóticos, o Folhão volta a atacar de Gallup: “FHC e Plano Real têm a sua pior avaliação em SP”. A única informação metodológica a respeito da sondagem é que foi feita na quinta-feira. Nem na primeira página ou na página interna é oferecida a menor indicação sobre o número de entrevistados, forma de entrevista, bairros, etc. Dado fundamental capaz de comprometer e invalidar o bla-bla-blá estatístico não consta da primeira página nem dos primeiros parágrafos da matéria. Está lá no fim, 14º parágrafo: a maioria dos entrevistados votou com a oposição nas últimas eleições.

A grande verdade é que também nesta crise a maioria de nossos jornalistas, inclusive algumas estrelas, continuam praticando o jornalismo declaratório. Como não conseguem buscar os fatos muito menos explicar as tendências agora foram buscar as vedetes internacionais como Jeffrey Sachs, Paul Krugman ou Rudi Dornbusch que não têm compromissos com o Brasil – apenas com as respectivas vaidades, arrogâncias e sonhos de poder. George Soros, hoje guru deste tipo de jornalistas, era chamado de megaespeculador no início dos anos 90 quando derrubou a libra esterlina. Hoje, ele é o maior proprietário rural e urbano na Argentina – portanto pe$$oalmente intere$$ado no câmbio brasileiro. E, mesmo assim, continua citadíssimo como fonte ostensiva ou escondida de certo tipo de jornalismo.

Quem for escrever a história do jornalismo econômico deste final de século deve considerar a declaração do prêmio Nobel, James Tobin, publicada na Época (25/1/99, pgs. 32-33): “Jornalistas entendem pouco de economia. Formulei a teoria do cesto de ovos para lhes explicar o meu raciocínio“. (A revista não explica o que é a “teoria do cesto de ovos” nem completa a formulação do entrevistado).

Estes são os bastidores e os dados essenciais para entender a “Teoria Geral do Rumor”.

*Ver abaixo link para o Circo da Notícia

 


M.M.

 

M

ais não direi, nem me será perguntado: quem quiser saber realmente por que os grandes meios de comunicação manipulam o noticiário sobre a situação cambial deve tentar saber quem opera com dólares.

Do governo à oposição, dos especuladores aos investidores, do exterior ao coração do país, não há nesta história toda nem santos, nem mocinhos. Há pessoas que jogam o jogo.

Fora e dentro dos meios de comunicação.

 


Victor Gentilli

 

O

Brasil já teve várias moedas: cruzeiro, cruzado, real, foram as mais recentes. Pois foi um médico mineiro, conhecido em todo o mundo pelas misérias (no sentido figurado) que fazia no futebol quem conseguiu com palavras exprimir o sentimento popular e as misérias que estão sendo produzidas hoje pela economia nacional.

No domingo, 24 de janeiro, finalmente o sentimento do brasileiro encontrou expressão. Não foi um jornalista que o produziu, nem um cronista/escritor. Tampouco um economista, ou um desses articulistas que ocupam páginas preciosas de “op-ed”.

Foi um médico. Um ex-jogador de futebol, conhecido pelo nome de uma antiga moeda: Tostão. Ele mesmo, do tricampeonato. Já em 1970, a simplicidade, a modéstia e a inteligência espantosa fizeram de nosso craque uma figura excepcional. Mas seu futebol na Copa de 70 não é lembrado como o de Gérson, Rivelino, Pelé e Jairzinho. Tostão brilhou apenas no jogo contra o Peru. 4 a 2 para o Brasil, com dois gols de Tostão sobre o time dirigido por Didi, o grande “folha seca” das Copas de 58 e 62. Em 1970, acatando as determinações de Zagalo (na época com um ele só), cumpria a humilde tarefa de atrair a marcação dos zagueiros para que os outros companheiros jogassem mais à vontade.

Pois, com sua discrição de sempre, Tostão escreveu em sua coluna nos jornais aquilo que nenhum jornalista, antropólogo, sociólogo, cientista social, escritor conseguiu expressar.

 


Tostão (*)

Qual será o futuro do Brasil neste turbulento momento? Ninguém sabe. Cada economista fala uma coisa diferente, de acordo com sua referência e ideologia. Comparo a opinião dos economistas com a nossa, comentaristas de futebol, diante de uma partida decisiva de um campeonato. Tudo é incerto e nebuloso. No final, o palpite de um feiticeiro, vidente ou de uma cartomante tem o mesmo valor previsível que o de um economista formado na Universidade de Harvard ou com o de um estudioso do futebol.

Talvez por ser um leigo, não estou entendendo nada da atual política e economia brasileira. Todo mundo, até o sorveteiro da esquina, sabe que o Brasil não vai melhorar se não aprovar o tal do ajuste fiscal. Há quatro anos que só se fala nisto. No entanto, parte da humana oposição vota contra. Ao mesmo tempo, o presidente FHC faz um discurso social e nos gabinetes negocia os conchavos com os fisiologistas ao seu lado. Não estou entendendo nada.

Os tecnocratas, jovens yuppies, de gravatas e barbas crescidas, especializados em universidades americanas, decidem tudo após o horário de trabalho, tomando uísque, comendo canapés, desvinculados do sonho de sobrevivência da maioria do povo brasileiro. Liberaram o dólar, dizendo que o juros iriam abaixar e elevaram os juros. Não estou entendendo nada.

Tenho vontade de ir embora. Sou um privilegiado, ganho bem, honestamente, mas vivo com sentimento de culpa diante desta miséria e confusão. Vou criar coragem, pegar minhas coisas, convidar os raros amigos, a família, meus filhos, a mulher amada e desaparecer no mundo. Não vou para Pasárgada, e sim para um lugar onde não tenha rei. Não sonho mais que o Brasil vá se tornar uma grande potência econômica. Este não é o nosso destino nem nossa vocação. Precisamos apenas acabar com esta desigualdade social, sem perder a emoção e a nossa espontânea alegria.”

(*) Pela transcrição, Victor Gentilli

 


Nahum Sirotsky (*)

 

Como todos os brasileiros, estou sendo vítima da queda do real. De um instante para o outro minha receita ficou reduzidíssima. E eu vivo no estrangeiro, onde não conseguiria emprego local. Mas, mesmo assim, tenho procurado acompanhar a evolução da crise tão objetivamente quanto possível, e verifiquei uma quantidade grande de erros cometidos no processo. Erros de política econômica, erros do Legislativo, erros de políticos das oposições e da mídia impressa e, pelo que vi com a ajuda da Net, também a eletrônica.

Não é o caso, aqui, de criticar políticas econômicas. Além do mais, como dizem os chineses com imensa e simples sabedoria, “as águas de um rio não passam duas vezes por um mesmo lugar”. Mas não posso deixar de levantar a hipótese de que as autoridades não compreenderam a tempo e o bastante o tufão de desconfiança que soprava da Ásia, nestas alturas, principalmente sobre as economias chamadas de emergentes, como a brasileira. E outro, o de que esqueceram, talvez, que há, diariamente, flutuando em plena liberdade, na velocidade da Net, cerca de 1 trilhão e 700 bilhões de dólares em permanente caça a oportunidades de lucro alto e rápido. Aos primeiros rumores esses “dólares-aves de rapina” jogam-se contra economias, moedas e países para ganhar o que puderem da situação, ou minimizar possíveis perdas. Dinheiro de especulação é moeda. Os investidores, sentados em seu caro restaurante em Paris, ou em seu iate nos Estados Unidos, só querem saber dos números que entram em seu micro as 24 horas do dia, números de valores de moedas e dos chamados derivativos. Apostas que se fazem, por exemplo, na hipótese de os juros subirem ou descerem e coisas assim. Não na essência da ascensão ou baixa, porém, na tendência apenas. Num certo sentido, como jogar uma pena aos ventos e apostar na direção que tomará. Talvez apenas os Estados Unidos tenham condições de resistir a um ataque dessas aves de rapina. O dinheiro que tínhamos para a briga não era obviamente suficiente, como ficou provado. O FMI, o Tesouro Americano, o clube de Paris, todos os centros aos quais devemos deveriam ter sido consultados sobre a necessidade de impormos controles às fugas. Mas se vive o neoliberalismo, que torna tal ação inaceitável. Mas, paradoxalmente, a necessidade de intervenção é reconhecida pelos Grandes como, agora, os Estados Unidos em Davos apelando a Europa e Japão para que abram seus mercados e incrementem seu intercâmbio com as economias emergentes para contribuírem para o fim da crise.

A mídia internacional acompanhou o processo da crise brasileira relatando o que acontecia, rumores. E enfatizou o bastante o ato do operador Imaturo Franco de Minas Gerais, que, ao que tudo indica, teria sido o sopro que derrubou o castelo do real. Não que a moratória mineira fosse tão grave assim em si. Mas tratava-se de iniciativa do homem sob cujo governo fora criado o real e que o conhecia profundamente. A hesitação dos desconfiados sobre o futuro da moeda foi rompida como a barreira de um dique. E houve a fuga.

A nossa mídia, ao que li nos jornais que estão na Net, e ouvi em emissoras de rádio, principalmente, teve, desde o início, o comportamento típico do repórter de policia (fui um deles e o sei por vivência) de procurar cadáveres, de enfatizar o lado trágico e pior. O processo vem tendo esse mesmo tipo de cobertura desde o início. Divulgam-se, com inexplicável sadismo, quanto fugiu, o que se espera que fuja logo mais, como balança a confiança na economia etc. Não creio ser necessário repetir tudo o que se disse e escreveu. O essencial é que não se enfatizou o suficiente o positivo: que a economia brasileira, a oitava do mundo, é essencialmente saudável e tem vastíssimo potencial de crescimento na competência de suas gerências e mão-de-obra. Que nenhuma das grandes empresas com investimentos produtivos fugiu do mercado, no qual continuam confiando. Que, devido aos efeitos da crise, tanto externa como interna, são obrigadas a realizar ajustes em seus planos e contas, porém, sem fecharem as portas a retomadas posteriores. Que instituições internacionais, públicas e privadas, tanto confiam que asseguram ao país financiamentos preventivos, pois sabia-se que os dólares-rapinas estavam voando na nossa direção. E nada disso foi suficientemente enfatizado não só para o povo brasileiro como para o gordo e próspero investidor navegando em seu iate pelas águas do Mediterrâneo às custas de lucro tirado do sofrimento de milhões pelos quatro cantos do mundo.

A nossa mídia falhou na sua obrigação de informar bem, pois raramente informou todos os lados da questão, seus significados e perspectivas. Falhou também o aparelho oficial de informação. Num momento em que deveria se ter mobilizado para fazer a guerra psicológica de defesa da imagem brasileira, ficou na defensiva, com fracos e mal informados argumentos. O aparelho funcionou rotineiramente, como se não tivesse consciência da existência dos novos meios de comunicação, e isto sem falar da estratégia e táticas utilizadas. O presidente Clinton, ameaçado de ïmpeachment por um meio político anacronicamente puritano (eles são os mesmos que massacraram as “bruxas de Salem”) , cercou-se de quem sabe fazer a guerra da era da informação e, hoje, é mais popular no seu segundo mandato presidencial do que qualquer outro presidente americano. No Brasil, ao que li, os “patriotas” chegaram a levantar a hipótese de reduzir o mandato de FH.

A crise brasileira não resultou de corrupção, de relações incestuosas entre governo e empresas como a asiática, Japão inclusive. Foi conseqüência da incerteza implantada e do adiamento do ajuste, em parte por falta de apoio no Congresso e em parte para que não se corresse o risco na reeleição, como a compreendo. Normalíssimo. Mas poderia ter sido minimizada se tivesse havido mais criatividade e velocidade no aparelho de informação do governo, se a mídia tivesse sido mais preocupada em compreendê-la e explicá-la e se o governo não tivesse querido bancar o macho, repetindo a resistência aos dólares-rapinas, os urubus da economia internacional.

(*) Correspondente da RBS em Israel

 


TT Catalão (*)

 

Na alta volatilidade das notícias econômicas, a imprensa continua a flutuar embora navegar seja preciso. Viver continua na dependência do FMI & Cia. Vejamos: o mercado é profissional em manipulação e dispõe de bastidores que mesmo o mais informado jornalista não acessa. É muito dinheiro em jogo. Mesmo quando analisa o quadro vigente o jornalista só retrata o estado crítico do paciente-país naquele momento, mas, quando veiculadas, o quadro já é outro. Uma loucura.

A imprensa fica sem ter como projetar o passo seguinte tal a complexidade de variáveis. Atinge-se tal objetivo, quando há opinião de articulistas, em raras e honrosas exceções. Futuro? Nem pensar. Certo, certo mesmo, é que a longo prazo estaremos todos mortos como disse Keynes.

Para um jornal lidar com o atual volume de boatos, loucos para tornarem-se fatos, é realmente muito difícil. O contágio emocional das notícias econômicas está em alta e a adrenalina despejada por equivocadas ‘‘informações plantadas’’ acabam retroalimentando a corrente do cotidiano como ‘‘informação real’’. É aí que o boato vira fato, quando nem fator era. Parece a parábola do menino que brincava de pedir socorro sem existir ameaça de lobo, de tal modo, que, quando a fera veio mesmo, ninguém acreditou.

Teve a expectativa exacerbada da semana pela votação do Congresso sobre os aposentados da União. Foi veiculada ou manipulada como o Dia D. Ou o Dia CR, o da Credibilidade Restituída, enfim! Como a monarquia absoluta de FHC-II havia caído – em descrédito – esperou-se o Baile do Ajuste Fiscal!

O que se viu foi a vitória do governo e logo o reaquecimento da sangria de capital para o exterior e disparada do dólar — os pontos mais debilitantes do país.

E aí? Como explicar ao leitor médio que a votação seria o divisor de águas para sair da crise e, no dia, a crise adquiriu contornos mais dramáticos que projetavam a desvalorização do real em quase 41%? O leitor passaria a perceber que a coisa foge ao controle de qualquer noticiário por estar em uma crise estrutural onde os dados reais só são acessados, mesmo, por um núcleo de poder, muito, muito, infinitamente restrito.

Enfim, a diferença entre Sistema e governos. Quando nem a vontade de um presidente democraticamente eleito tem como se antecipar às manobras radicais da especulação. Quando o tal Sistema quer que os países emergentes deixem essa ‘‘bobagem patriótica de identidade nacional’’ para se tornar megaempresas de uma corporação mundial. Vide a Argentina, abrindo mão até da identidade, digamos, cultural da sua moeda, o peso, para assumir de vez a dolarização já vigente no país.

E imprensa, por mais que lute para esclarecer, analisar, contrapor as contradições, avaliar perspectivas, projetar cenários, identificar personagens-chave, decodificar senhas e bastidores, tem sido massacrada pelo jogo astuto de quem não quer nada claro. Se informação é poder, desinformação é a estratégia de manutenção desse poder. Além de buscar a notícia invisível, original, o repórter tem que destrinchar possíveis contaminações e ver até que ponto sua fonte oculta um aspecto estratégico. Está muito difícil, mas o desafio do exercício pela aproximação da verdade tem sido fascinante.

A lamentável instituição do Dia Nacional do Boato entre quinta e sexta-feira volta a tomar conta do país. Todas as sextas, desde a queda do real e o fogo cruzado da economia, é dia de alarme. As redações inflamam de tanta ‘‘informação segura’’ que não resiste à menor análise. Fontes ‘‘absolutamente bem relacionadas’’ se arvoram disponíveis para contar a última. Para dizer ‘‘só a você’’ aquilo que ela já espalhou para muito mais gente. A sexta de 29 de janeiro foi a mais forte para o boato. O quinto da semana. Batizamos, pelos estragos, de Boato-institucional nº 5.

Mas o que dói é receber telefonema de leitores. Os que estão na ponta da intriga, os que são manipulados pelo cinismo e a incompetência, os que ficam à deriva do jogo da intriga nada inocente pois muita gente lucra com o desespero alheio.

Na sexta, dia 29, a possibilidade de um confisco passou a ser verdadeira pela dedução ‘‘lógica’’ das pessoas já em descrédito com tantas idas e vindas. Por tamanha falência moral que desse crédito à verdade e desmentisse a onda. Os leitores ligavam como última instância para obter algo próximo da realidade e nos encontrava também perplexos, sem convicção (e quem teria hoje para afirmar isso ou aquilo?). A fragilidade foi maior pois motivos não faltaram tanta insegurança que o governo passou e ainda passa.

A imprensa, que tem crescido em autocrítica e aperfeiçoado sua real função cívica de serviço público, passa a adquirir maior consciência do quanto consolida sua imagem na confiança do público. Na sexta-feira recebemos telefonemas dramáticos de pessoas aos prantos e em pânico por sentirem-se abandonadas e traídas no que tinham de mais valioso: a cidadania.

É impossível que políticos e profissionais de comunicação, pretensas ferramentas do bem público, não se mobilizem ainda mais em busca de fazer o melhor jornal e cumpram o mais sincero desempenho para que, mesmo no caos, quando as instituições possam cair em descrédito, ainda restem uma palavra, um som, uma imagem, um texto escrito para que sobreviva o país, nem tanto o país-fronteira-governo, mas a nação e sua unidade por intermédio dos seres humanos que a justificam.

Dólar a quem duela.

(*) Da equipe do Correio Braziliense

 

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