Tuesday, 15 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

A opinião dos jornais e a opinião do povo", in Liberdade de Imprensa

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ESPECIAL 3+5

OBSERVADORES DE CARTEIRINHA
Karl Marx

"A opinião dos jornais e a opinião do povo", in Liberdade de Imprensa, Editora L&PM, 1999. Original publicado em Die Presse, 31 de dezembro de 1861.

[Londres, 25 de dezembro de 1861] Políticos do continente, que imaginam que na imprensa de Londres eles têm um termômetro para o temperamento do povo inglês, chegam inevitavelmente neste momento a falsas conclusões. Com as primeiras notícias do Caso Trent o orgulho nacional inglês se inflamou e o grito por guerra com os Estados Unidos ressoou de quase todos os setores da sociedade. A imprensa londrina, por outro lado, fingiu moderação, e até mesmo The Times duvidou da existência de um casus belli.

Donde vem este fenômeno? Palmerston não tinha certeza se os advogados da Coroa estavam em posição de inventar qualquer pretexto legal para a guerra. Pois, uma semana e meia antes da chegada do La Plata a Southampton, agentes da Confederação Sulista em Liverpool tinham se dirigido ao gabinete inglês, denunciado a intenção de cruzadores americanos de zarpar de portos ingleses e interceptar os Srs. Mason, Slidell, etc., em alto-mar, e exigido a intervenção do governo inglês. Acatando a opinião dos advogados da Coroa, o governo recusou o pedido. Daí, no início, o tom calmo e moderado da imprensa de Londres em contraste com a impaciência belicosa do povo. Entretanto, logo que os advogados da Coroa ? o advogado geral, ambos membros do gabinete ? arranjaram um pretexto técnico para a disputa com os estados Unidos, o relacionamento entre a imprensa e o povo virou ao contrário. A febre de guerra aumentou na imprensa na mesma proporção em que no povo a febre da guerra diminuía. No momento atual uma guerra com a América é exatamente tão impopular em todos os setores da população inglesa, salvo entre os amigos do algodão e os fidalgotes rurais, quanto é predominante na imprensa o grito de guerra.

Agora, porém, considerem a imprensa de Londres! A sua frente está The Times, cujo editor-chefe, Bob Lowe, foi anteriormente um demagogo na Austrália, onde ele agitou pela separação da Inglaterra. Ele é um membro subordinado do Gabinete, um tipo de ministro da Educação, e uma mera criatura de Palmerston. Punch é o bobo da corte de The Times e transforma suas sesquipedalia verba [palavras de um pé e meio] em piadas espirituosas e caricaturas sem vida. O editor principal de Punch ganhou de Palmerston um posto no Ministério da Saúde com um salário anual de cem mil libras esterlinas.


The Morning Post
é, em parte, propriedade privada da Palmerston. Uma outra parte desta instituição singular está vendida à embaixada francesa. O resto pertence à haute volée [alta sociedade] e é a mais precisa fonte de informação para bajuladores da Corte e costureiros de madame. Por isso mesmo, entre o povo inglês, o Morning Post é conhecido como o Jenkins [o estereótipo para lacaio] da imprensa.

O Morning Advertiser é a propriedade conjunta dos vendedores de bebida "licenciados", isto é, dos bares, que, além de cerveja, podem também vender espíritos. É, ainda, o órgão dos fanáticos anglicanos e também dos tipos desportistas, isto é, da gente que negocia em corridas de cavalo, apostas, boxe e coisas assim. O editor deste jornal, o Sr. Grant, empregado antigamente pelos jornais como estenógrafo e muito ignorante no sentido literário, teve a honra de ser convidado para as soirées particulares de Palmerston. Desde então ele tem sido admirador entusiástico do "ministro verdadeiramente inglês" que, no começo da guerra russa, ele tinha denunciado como "agente russo". Precisa ser acrescentado que os piedosos fregueses deste jornal-bebida alcóolica estão sob o domínio do Earl de Shaftesbury e que Shaftesbury é genro de Palmerston. Shaftesbury é o papa dos membros da Igreja Baixa anglicana, que mistura o espírito santo com o espírito profano do honesto Advertiser.


The Morning Chronicle! Quantum mutatus ab illo!
[como está mudado!] Por quase meio século foi o grande órgão do partido whig, o feliz rival de The Times, mas sua estrela perdeu o brilho depois da guerra whig. Ele passou por todo tipo de metamorfose, tornou-se um jornal de um tostão [peny paper, jornal popular e barato ], e procurou viver de "sensações", tomando assim, por exemplo, o partido do envenenador Palmer. Em seguida ele se vendeu à embaixada francesa, que, todavia, logo arrependeu-se por ter jogado fora o seu dinheiro. Ele então jogou-se no antibonapartismo, mas sem melhor resultado. Finalmente ele encontrou nos Srs. Yancey e Mann ? agentes da Confederação Sulista em Londres ? os compradores que há muito tempo lhe faltavam.

O Daily Telegraph é propriedade particular de um tal Lloyd. Seu jornal é estigmatizado pela própria imprensa inglesa como o jornal da ralé de Palmerston. Além desta função, ele comanda uma chronique scandaleuse [crônica de escândalo]. É característico deste Telegraph que, ao chegar a notícia sobre o Trent, ele declarasse por ordem superior ser impossível a guerra. Na dignidade e moderação que lhe foram ditadas, ele pareceu tão estranho a si mesmo que publicou desde então meia dúzia de artigos sobre este exemplo de moderação e dignidade por ele exibido. Mas, assim que a ordem para mudar sua opinião chegou-lhe às mãos, o Telegraph procurou então compensar-se pela coação sofrida berrando mais do que todos os seus camaradas ao clamar ruidosamente por guerra.

O Globe é o jornal vespertino ministerial que recebe subsídios oficiais de todos os ministérios whig.

Os jornais tory, The Morning Herald e o Evening Standard, ambos pertencentes á mesma boutique, são orientados por um motivo duplo: de um lado, ódio hereditário pelas "colônias inglesas revoltadas"; de outro lado, o declínio crônico em suas finanças. Eles sabem que uma guerra com a América deve cindir o atual gabinete de coalizão e preparar o caminho para um gabinete tory. Com o gabinete tory voltariam os subsídios oficiais para The Herald e The Standard. Por isso, lobos famintos não podem uivar por uma presa mais alto do que estes jornais tory por uma guerra americana com sua chuva de ouro subsequente!

Da imprensa londrina diária, The Daily News e The Morning Star são os únicos jornais restantes dignos de ser mencionados: ambos vão contra os proclamadores de guerra.The Daily News é limitado em seus movimento por uma ligação com Lord John Russel; The Morning Star (o órgão de Bright e Cobden) tem sua influência diminuída por sua característica de "jornal-de-paz-a-qualquer-preço".

A maioria dos semanários de Londres são meros ecos da imprensa diária, portanto esmagadoramente belicosos. The Observer está a soldo do Ministério. The Saturday Review procura ésprit arduamente e crê tê-lo alcançado afetando uma dignidade cínica acima de preconceitos "humanitários". Para mostrar ésprit, os vigários, mestres-escolas e advogados corruptos que fazem este jornal abriram-se, desde a eclosão da Guerra Civil Americana, em sorrisos de aprovação para os senhores de escravos. Naturalmente, eles tocaram em seguida a trombeta de guerra com The Times. Eles já estão redigindo planos de campanha contra os estados Unidos exibindo uma ignorância de fazer arrepiar os cabelos.


The Spectator
, The Examiner e, particularmente, Mac-Milan?s Magazine devem ser mencionados como exceções mais ou menos respeitáveis.

Nota-se: no conjunto, a imprensa de Londres ? os jornais provinciais, com a exceção dos órgãos de algodão, fazem um louvável contraste ? nada mais representa do que Palmerston e de novo Palmerston. Palmerston quer guerra; o povo inglês não quer. Acontecimentos iminentes mostrarão quem vencerá neste duelo, Palmerston ou o povo. Em todo caso, ele está fazendo um jogo mais perigoso do que Luís Bonaparte no começo de 1859 [Em 1859, Napoleão III encontrava-se numa posição extremamente difícil. Uma guerra entre a Sardenha e a Áustria era iminente; os liberais franceses exigiam que Bonaparte apoiasse a primeira contra a última. O imperador francês hesitou porque pensava que uma Itália unida sob liderança sardenha ameaçaria suas ambições de dominar a política italiana e ao mesmo tempo alienaria a solidadriedade de seus partidários clericais. Depois de muito vacilar, ele decidiu aliar-se à Sardenha quando Nice e a Sabóia lhe foram oferecidas].

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