Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A palidez de Palocci

NOTAS DE UM LEITOR ? II

Luiz Weis

Levada ao pé da letra a regra de que repórter reporta, comentarista comenta, editorialista editorializa e por aí, Vera Rosa, enviada pelo Estadão para cobrir o giro europeu do presidente Lula, deveria ter se atido aos fatos ? no caso, às palavras ? ao transmitir as declarações do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, sobre quais seriam as atitudes e expectativas do governo em relação ao funcionalismo.

Em Madri, para onde se abalou às pressas, no meio do vaivém sobre os rumos da reforma da Previdência, Palocci disse, conforme o relato de Vera, que o servidor público deve trabalhar mais tempo porque isso é "salutar".

Na lógica palocciana, o novo regime que retarda a aposentadoria seria uma "demonstração de apreço" ao funcionalismo. Ele também falou em "demonstração de afeto".

Todas essas demonstrações se deveriam ao fato de que, ao contrário de outros governos que "denegriram a imagem do servidor", o governo Lula acha que o servidor "é fundamental".

Na hora de batucar o texto, a repórter não resistiu à atração da ironia. "Sem enrubescer", digitou, "o ministro encerrou: ?Por isso, precisamos que permaneçam mais tempo no Estado?."

O "sem enrubescer" é tudo menos canônico numa reportagem pão-pão-queijo-queijo. Mas, diante do que ouviu, fez bem a repórter em ceder à tentação. Palocci mereceu ? e o leitor ganhou.

 

Curta a família, vá a um museu

Quando foi a última vez que um diretor de redação, no Brasil, disse para a sua equipe "saborear um pouco mais a vida"?

Pois foi o que fez o novo editor executivo do New York Times, o californiano Bill Keller, 54 anos, casado e pai de três filhos, na sua primeira "fala do trono".

Ele assumiu o cargo em 14/7, no lugar de Howell Raines, arrastado para a desgraça pelas falcatruas do repórter Jayson Blair ? e pela forma como tratara de cumprir a ordem do patrão Arthur Sulzberger Jr., de dar um jeito na "letárgica cultura da complacência" que estaria prevalecendo na Casa, ao ser convidado para conduzir o jornal, há pouco menos de dois anos.

Falando exatamente do mesmo lugar onde Raines anunciara sua partida, como registrou Jacques Steinberg, o competente repórter de mídia do jornal, Keller, Prêmio Pulitzer de Jornalismo de 1989 por seu trabalho como correspondente do Times em Moscou, disse que não encarava o jornalismo como "uma interminável missão de combate".

Se a tropa se dedicasse mais à família ou à contemplação de obras de arte, argumentou, isso enriqueceria o seu trabalho tanto quanto ter "um ritmo competitivo de pulsação".

Raines gostava de cobrar do time um "metabolismo competitivo". Em matéria de prêmios, a sua gestão bateu todos os recordes na história do jornal, mas os subordinados se ressentiam do seu estilo e temperamento.

Keller talvez estivesse querendo demarcar o que o distinguiria do seu antecessor, para fazer média com uma redação desesperadamente necessitada de um chefe que fosse ao mesmo tempo mão amiga e pulso firme, depois das cinco traumáticas semanas que se seguiram ao escândalo das fraudes de Blair.

Tanto faz. O fato objetivo é que o seu conselho devia servir de lição para muitos diretores e editores brasileiros que acham que a vida começa e termina na redação ? talvez porque uma coisa sirva para compensar a falta da outra.

Pelo menos diz a lenda que o costume dos fechamentos madrugada adentro nas revistas semanais brasileiras tinha mais a ver, quando começou, com as atribulações pessoais de um diretor de redação do que com a busca da perfeição jornalística.

 

Denuncismo na linha

Reportagem de Fernando Rodrigues na Folha de quinta-feira (17/7) informa que o ministro das Comunicações disse ter documentos que comprovariam "irregularidade de pessoas que participaram do processo de licitação" da Telebrás, em 1998, entre elas uma sem vinculação "com a área da administração direta".

O repórter comenta que dessa forma "Miro dá publicidade a um tema sepultado recentemente pelo governo", com o arquivamento, este ano, "a pedido do Palácio do Planalto", de um pedido para investigar a privatização das teles.

O episódio marcou o auge do "jornalismo fiteiro", como diz Alberto Dines, no país. O chamado grampo do BNDES custou a cabeça, entre outros, do então ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros.

A Folha deitou e rolou sobre as gravações clandestinas. Até hoje está para ser demonstrado que o governo fraudou a concorrência ou que alguma autoridade saiu do processo mais rica do que nele entrou.

Ainda bem que, desta vez, o jornal ficou do lado certo da linha. Em um editorial ("Maus sinais"), um dia depois da matéria de Rodrigues, a Folha bateu pesado no denuncista. "Da forma como a questão foi posta", diz o texto, "fica a impressão de que o ministro emite sinais dúbios com o objetivo de pressionar ou de chantagear terceiros em seus embates políticos."

 

O melhor do Oriente Médio

Se ainda não o fizeram, todo editor de Internacional e a turma da editoria que cuida do Oriente Médio precisam digitar jewishpeacenews-subscribe@yahoogroups.com no seu navegador de internet.

Isso lhes abrirá as portas, de graça, para o que há de melhor em matéria de informação sobre o conflito israelense-palestino e os outros dramas da região.

Com perdão pelo clichê, o trabalho do Jewish Peace News não tem preço. Os seus editores são oito judeus residentes na área de São Francisco, na Califórnia. Eles fazem parte da Jewish Voice for Peace, "organização dedicada aos direitos humanos, civis e econômicos de judeus, palestinos e todos os povos do Oriente Médio".

O JPN não apura nada. É um serviço de clipping eletrônico, enviado aos interessados por e-mail, de notícias e comentários das mais diferentes fontes, muitas das quais os jornalistas não procuram ou por falta de tempo, como é o caso das matérias da versão online em inglês do ótimo jornal israelense Haaretz, ou por não saberem que existem, como é o caso das entidades humanitárias autoras de documentos muitas vezes estarrecedores sobre as façanhas do sharonismo, em Israel e na Palestina ocupada.

Os clippings do JPN são antecedidos de um resumo comentado dos textos transcritos, o que facilita a vida dos leitores. Os e-mails não têm freqüência certa: às vezes chegam vários por dia; às vezes, se passam vários dias sem nenhum.

Artigos de quem entende do pedaço têm lugar garantido nas mensagens do JPN. Um exemplo recente é um texto do melhor correspondente estrangeiro no Oriente Médio, Robert Fisk, do Independent, de quem já se falou nestas Notas.

Saiu em 12/7 no jornal londrino e cinco dias depois foi posto a circular pelo JPN. O título é "O que Israel faz na Palestina nós estamos fazendo no Iraque".

Outro exemplo, ao acaso, é um despacho da Associated Press, de 18/7, com base em um relatório do suíço Jean Zigler, expert da ONU em questões alimentares, que passou dez dias em Gaza e na Cisjordânia. Ele mostra como Israel criou ali, "mesmo sem a intenção de fazê-lo", uma "situação de catástrofe humanitária".

Quem precisa acompanhar o que acontece no Oriente Médio e não assina o JPN não sabe o que está perdendo.

P.S. Para recortar e guardar (ou salvar e imprimir): as "17 mentiras sobre a Guerra do Iraque", de Glen Rangwala e Raymond Whitaker, do Independent, ocupando 3/4 da página A 11 da Folha de 16/7.

 

Cartas abertas

O autor destas notas foi injusto com O Globo, ao escrever, sob o título "Cartas lacradas" (OI n? 232, 8/7/03) que "na grande imprensa brasileira, com a provável exceção da Veja, as seções de cartas são as mais fechadas aos leitores".

Além de dedicar três colunas praticamente inteiras às manifestações dos leitores, com mais destaque também do que é costume na imprensa diária, o jornal mantém a seção "O leitor no Globo", cujo prato forte são dois: um pirulito sobre os assuntos que mais motivaram o seu público na semana e o tom das manifestações; e ? transparência é isso ? a transcrição dos erros de linguagem flagrados na edição da véspera pelo jornalista Luiz Garcia, com as respectivas correções, que constam da sua crítica interna, distribuída todas as manhãs, informa o Globo, na sua redação.

 

"Imêil" e "curriê eletroniquê"

A comissão de terminologia e neologia do Ministério da Cultura da França ? uma espécie de polícia dos costumes linguísticos do país ? baniu dos documentos, comunicações internas e mensagens oficiais o termo e-mail. O linguisticamente correto agora é "courriel" (de courrier eletronique).

É mais uma investida patriotique contra a infiltração de palavras inglesas, geralmente do léxico da informática, no idioma de Racine e Corneille. É também uma bobagem.

"A palavra e-mail já está tão assimilada que ninguém pensa nela como americana", reagiu, coberta de razão, a presidente de um provedor francês, Marie-Christine Levet, citada no despacho da Associated Press publicado pela Folha (19/7).

A assimilação é tão difundida como escasso é o domínio do francês no mundo não francófono, a exemplo do Brasil. Prova disso é que, ao ler a notícia, o jornalista da Rádio CBN pronunciou direito e-mail ("imêil"), mas tascou um constrangedor circunflexo sonoro na última letra do eletronique, fazendo rima com "curriê".

Chose de loque.