Sunday, 06 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

A ética no futebol e a incoerência da imprensa

MÍDIA ESPORTIVA

Virgilio Abranches (*)

Quero corrigir, com todo o respeito, a frase que inicia o texto "Um déspota na pele de colono", do professor Deonísio da Silva. Para a Copa de 2002, temos uma unanimidade burra contrariada pelo técnico. Que me perdoe Nelson Rodrigues, mas roubei um de seus conceitos para fundamentar a minha argumentação. A unanimidade a que o professor se refere é burra, sim, teleguiada, completamente influenciada pela incoerente imprensa brasileira.

Luís Felipe Scolari cometeu apenas um erro em toda a novela que envolve a não-convocação de Romário: não ter sido claro com a imprensa no período pré-Copa e não ter falado o verdadeiro motivo que o levou a deixar o atacante do Vasco fora do Mundial. De resto, Felipão acertou em cheio. Não em relação à lista de jogadores, que conta com nomes que jamais deveriam constar na escalação nem mesmo do Primavera de Indaiatuba, como é o caso do lateral-direito Beletti ou do inoperante zagueiro Roque Júnior. Mas os problemas técnicos e táticos ficam para uma outra vez. A discussão agora é sobre as questões morais que envolvem o nosso técnico e o "Baixinho".

Vamos nos colocar no lugar de Luís Felipe (sim, porque é sempre bom se colocar na pele da pessoa que toma uma atitude polêmica, antes de criticá-la). Felipão assumiu o comando da Seleção Brasileira em meio a um verdadeiro vendaval. O time vinha mal nas Eliminatórias, o ex-técnico Vanderley Luxemburgo era alvo de investigações criminais e o último torneio, disputado sob o comando de Emerson Leão, na Ásia, fazia o Brasil amargar uma derrota histórica para o inexpressivo time da Austrália. Muito bem. Scolari assumiu o time e já tinha pela frente um jogo contra o Uruguai, em Montevidéu, e a Copa América, que além dos problemas futebolísticos impunha ainda o desafio de encarar a guerrilha colombiana.

Felipão precisava do apoio de todos naquele momento. Pegava um time em crise e corria o risco de entrar para a história como o primeiro treinador a não conseguir classificar o Brasil para uma Copa (ressalte-se um detalhe: a culpa, na realidade, seria mais de Luxemburgo e Leão do que de Luís Felipe, mas nós sabemos quem seria o crucificado). Pois bem. A primeira convocação, contra o Uruguai, contou com o Romário. O jogador não se apresentou bem, mas enfim, ninguém estava bem naquele momento. Era apenas o começo do trabalho.

Depois veio a lista para a Copa América. Novamente constava o nome de Romário. Desta vez o jogador apresentou um argumento: disse que faria uma operação e não poderia atuar. Dias depois estava jogando pelo Vasco em torneio no exterior. Ou seja, mentiu. Não teve a hombridade do volante Mauro Silva, que assumiu estar com receio de viajar para a Colômbia, que vivia uma guerra civil. Romário mentiu. E no momento em que a seleção e Luís Felipe mais precisavam dele. Se você fosse o técnico, como se sentiria?

A mentira é condenável, é uma covardia, chega a ser uma imoralidade. Com alguns mentirosos a imprensa tem sido implacável. Com outros, é complacente. Romário nunca foi dono de um caráter exemplar. No entanto, toda a imprensa esportiva brasileira faz questão de defendê-lo ressaltando as suas qualidades como jogador. A pergunta é: até que ponto a competência profissional pode credenciar um indivíduo a ser mau caráter? São dois pesos e duas medidas? O jornalista brasileiro sabe criticar um dirigente mentiroso e, ao mesmo tempo, exalta um jogador que se comporta exatamente da mesma maneira. E depois quer pedir a moralização do futebol.

Que me perdoe o professor Deonísio, mas comparar os erros táticos de Luís Felipe Scolari dentro do campo e os deslizes morais de Romário como pessoa é absolutamente impraticável. Se Felipão escala o time errado, o faz tentando acertar. Suas intenções para com o time, tenho certeza, são as melhores. Já Romário, quando mente, se nega a treinar, bolina aeromoças ou discute com colegas, o faz porque é ruim mesmo, mau caráter.

A Seleção Brasileira tem apelo popular e importância nacional como em nenhum outro país. Deixar de defendê-la quando convocado pode acontecer. Se for por um motivo justificável, sem problemas. Se for por algum capricho pessoal, há conseqüências. Mauro Silva arcou com as suas. E foi honesto. E ninguém o pediu na Copa. Romário mentiu, traiu a confiança do treinador. E a mídia o eleva ao status de salvador. Quando o Brasil e Felipão precisaram de Romário, ele não compareceu. Depois do time classificado, pronto para viajar para a Copa, agora ele quer. Fácil, não?

Em tempo: atualmente, nem mesmo nos critérios técnicos Romário é um jogador indispensável. A idade já pesa. Ele é um craque, sem dúvida. Mas é um craque como Roberto Carlos, Cafu, Rivaldo. Comum. Simplesmente mais um. Não vai fazer falta.

(*) Estudante do último ano de Jornalismo da PUC de Campinas

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