Tuesday, 10 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1317

Agora a mídia não precisou inventar um grande homem

BOMBAS & MANCHETES

Luiz Weis

Foi necessário que um ato terrorista em Bagdá matasse
o Alto Comissário das Nações Unidas para Direitos
Humanos, Sérgio Vieira de Mello, para que incontáveis
milhões de brasileiros ou tomassem conhecimento do seu nome
ou fossem apresentados à trajetória e aos atributos
dessa admirável figura.

Foi também uma raríssima ocasião em que a
mídia não precisou exagerar as qualidades nem esconder
os defeitos do morto, nesse país em que, como os militares
promovidos a um degrau acima do que se encontravam, ao se aposentar,
os falecidos ilustres ? cadaveri eccelenti, dizem os italianos
? são mostrados de modo a subir no conceito dos vivos.

O que se leu, viu e ouviu agora há pouco sobre o finado
dono do império Globo, Roberto Marinho, é um parâmetro
que se não existisse deveria ser inventado para a forma como
são alçados os mortos poderosos por uma imprensa que
não faz idéia do que signifique o substantivo iconoclastia
e, nessas horas, costuma manter uma prudente distância de
certos fatos chamados públicos e notórios.

É claro que os notáveis de que a imprensa tem por
obrigação se ocupar não a deixam só,
alimentando-a com as suas reações invertebradas à
notícia do falecimento do figurão. No caso de Roberto
Marinho, não se pode esquecer, o exemplo veio de cima.

A biografia do presidente Lula foi a primeira vítima do
que ele disse e fez em relação àquele que provavelmente
o impediu de se eleger em 1989, com a histórica edição
facciosa do seu debate com Fernando Collor exibida no Jornal
Nacional
às vésperas do segundo turno das eleições
presidenciais daquele ano.

Por tudo isso, impossível subestimar o contraste com o que
se leu, viu e ouviu nos últimos dias sobre Sérgio
Vieira de Mello. O noticiário e as manifestações
dos poderosos a seu respeito estiveram à altura da verdade.
(Nisso incluído a oportuna sugestão de Fernando Henrique
Cardoso, em telegrama a Lula, de que o governo brasileiro patrocine
a candidatura póstuma de Vieira de Mello a Prêmio Nobel
da Paz.)

E o melhor, diante dessa tragédia, é que ao se referir
a ele e ao orgulho nacional pelas realizações desse
Pelé da Seleção do Bem ninguém precisou
dar o vexame da patriotada. O que escreveram ou disseram jornalistas,
autoridades e colegas de trabalho estrangeiros não foi superado
por nada dito ou escrito aqui.

E não faltou quem, no exterior, ligasse as atraentes características
de personalidade de Vieira de Mello que tanto o ajudaram em suas
missões, do Kosovo a Timor Leste, ao fato de ele ter nascido
no Brasil ? ou melhor, no Rio.

"Diplomata"?

Nos dias seguintes à sua morte, O Estado de S.Paulo,
por exemplo, transcreveu um editorial do New York Times que
chama Vieira de Mello de "construtor de nações";
um artigo do jornalista Jonathan Steele, do Guardian, que
endossa uma definição que ele ouviu sobre o brasileiro
como "o melhor servidor público do mundo"; e um
artigo, saído no Washington Post, de Richard Hollbrooke,
embaixador dos Estados Unidos junto à ONU no governo Clinton,
comentando a lucidez de Vieira de Mello sobre a "aventura desastrosa"
de Bush no Iraque, como o próprio Estadão classificou
em editorial.

Este leitor só não entende uma coisa: por que todo
mundo aqui deu de dar a Sérgio Vieira de Mello uma profissão
que jamais teve?

"Diplomata" esse exemplar funcionário das Nações
Unidas nunca foi. Diplomata é o servidor de carreira típica
de Estado, do ministério, secretaria, departamento ou que
nome tenha a agência que cuida dos interesses do país
com outros países ou o representa em organizações
multilaterais.

Diplomatas na ONU são os integrantes das missões
permanentes dos países membros junto ao organismo. E diplomata
foi o pai de Vieira de Mello, cassado pelo AI-5. Por isso, o filho
não quis nada com o Itamaraty. Ao morrer, ele era representante
especial da ONU no Iraque.