Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Ainda Gustavo Kuerten

MÍDIA ESPORTIVA

Alexandre Carlos Aguiar (*)

Ao começar a ler a nota a respeito de Gustavo Kuerten escrita pelo jornalista Márcio Fernandes, e por achá-la estranhamente antipática ao tenista, rapidamente corri o mouse até o pé da página e constatei a causa daquilo que já supunha: a histórica aversão patológica que sentem os paranaenses aos catarinenses, principalmente se os "alvos" forem os florianopolitanos. Logo entendi a razão de suas críticas.

Mas o motivo de minha intervenção não é geográfico, ou sócio-cultural, muito embora ele esteja embutido nos escritos do jornalista. Precisam-se fazer algumas críticas ao que foi delineado, pois se tratam de constatações frágeis, de quem pouco entende do esporte e muito desconhece do tenista Gustavo Kuerten, o nosso Guga.

Reverência na Argentina

Em primeiro lugar, Guga nunca foi tratado como profeta ou herói nacional, tanto aqui como em toda a mídia brasileira. Quem o trata muito bem são os jornais estrangeiros , que sabem ressaltar o valor de um atleta quando este o possui. A mídia brasileira, por sinal, excetuando-se a gaúcha e a catarinense (por justas razões), são contidas nas manchetes relativas às vitórias de Guga, talvez porque não seja ele do eixo Rio-São Paulo. Também não há fã-clubismo associado ao desempenho dele, embora ocorra uma euforia exacerbada na mídia local, muito natural para aqueles que o conhecem de perto e acompanharam sua carreira. Tratar uma demonstração de apoio e reverência de ridícula beira às raias da patologia que mencionei acima.

O senhor jornalista ainda demonstra conhecer pouco de tênis, pois mesmo que Alex Corretja, Yevgeny Kafelnikov e Marat Safin estejam atravessando má-fase, a exemplo de Guga, por problemas pessoais ou físicos, são cotados como favoritos nas competições em que participam. A mídia mundial do esporte deu ênfase a esse torneio, em detrimento ao da Basiléia, pelo que se sabe, em função da participação desses atletas.

A questão da popularização do tênis é um ponto muito importante, pois se deve às vitórias memoráveis desse atleta num esporte individualista, de elite e de pouca expressão nacional. Nunca, em tão pouco tempo, tanta gente, e especialmente crianças, se habilitou a jogar tênis. O número de quadras e iniciativas para a área cresceu muito num espaço de cinco anos. Quanto à popularização do tênis na Argentina, penso que suas fontes de informação estão precisando de reciclagem, pois o esporte é praticado e tornado popular há muito anos. Só para se ter uma idéia, o squash, que é uma espécie de tênis in door e jogado de forma mais rápida, é mania nacional argentina há décadas. O fenômeno Guillermo Villas não foi campeão por acaso, tampouco os atuais participantes do circuito. Portanto, isso não é coisa nova na Argentina. Por falar nisso, Guga é reverenciado na Argentina como merece um desportista de peso e de alto nível, coisa que no Brasil, onde se trata o tênis como uma partida de futebol, não acontece. É bom saber que na Argentina se joga e se entende de tênis. E muito! No Brasil, Guga parece que tem que se explicar a cada semana.

Mais respeito

Agora, o autor não poderia terminar melhor sua manifestação preconceituosa ao classificar atletas e desportistas em patamares, não é? Nos parece que sua categoria de gênio do esporte (se é que isso existe!) restringe-se aos títulos ganhos pelos desportistas. Aos fracassos dá-se um demérito, segundo sua análise, que faz o atleta, ou o desportista, perder sua aura olímpica. Por tabela, desqualifica vitórias de Claudinei Quirino e Rubens Barrichello, que por circunstâncias não alcançaram os números de vitórias de seus pares, o que não é nenhum demérito. Francamente, quanta subjetividade!

É notório que toda a inferioridade histórica imposta pelos colonizadores durante todos esses séculos nos impede de evidenciar as qualidades de nosso povo. E ainda mais daqueles que se sobressaem no esporte (uma área que tende a ser a salvadora das mazelas nacionais), cujo desempenho é associado a critérios subjetivos medíocres, ranqueando-os em gênios ou "apenas bons desportistas".

Por favor, tratem-se aqueles que assim pensam! Os nossos atletas, de ponta ou não, merecem mais respeito.

(*) Biólogo, Florianópolis (SC)

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