Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Ameaça ao poder dos políticos

VIDEOJORNALISMO NA BBC

Antonio Brasil (*)

 

"BBC to appoint up to
100 video journalists

The BBC is expected to appoint
up to 100 video journalists ? staff who report, film and edit
their own stories. The journalists concerned will retrain
and then get pay rises of several thousand pounds in recognition
of their added skills.

Pat Loughrey, the BBC?s director
of nations and regions, said: ?This new multi-skilling agreement
is a major breakthrough which paves the way for us to cover
more stories across the nations and regions with more journalists
and cameras on the road than ever before?." <http://media.guardian.co.uk/broadcast/story/
0,7493,762032,00.html>.

"Politicians fear power
of VJs

By Julie Tomlin

Politicians will become increasingly
concerned with the power of the media as technology such as
video cameras makes it easier to get news pictures from around
the globe, a Liberal Democrat MP has warned. There is an instinct
now among those in power to say, ?all of you as journalists,
particularly videojournalists, are threatening our power to
rule and run the country and mount an operation in the way
we see fit?."

Fórum Tim Lopes, Nunca
Mais marcado para semana que vem

Os perigos pelos quais passam
os jornalistas durante o exercício da profissão
serão discutidos durante o Fórum Tim Lopes,
Nunca Mais, promovido pela Associação Brasileira
de Imprensa (ABI), entre os dias 5/8 e 9/8. Essa será
a primeira vez que repórteres, fotógrafos, cinegrafistas,
radialistas, Fenaj, SJPRJ, advogados, juízes e desembargadores
se encontram para debater e conversar sobre os riscos do trabalho
jornalístico."

Qual a importância dessas três notas divulgadas recentemente
para o futuro e a qualidade do nosso jornalismo de TV? Considerando
que a televisão é o meio de comunicação
mais poderoso e ao mesmo tempo menos democrático, podemos
estar diante de algumas alternativas importantes para evitarmos
uma longa trajetória de decadência em relação
ao conteúdo jornalístico e de envelhecimento ou desinteresse
do grande público.

A primeira matéria acima foi publicada pelo jornal inglês The Guardian e trata dos avanços do videojornalismo nas grandes empresas. Após 2 anos de intensas e delicadas negociações com os poderosos sindicatos ingleses, a BBC aceitou conceder aumentos de salários significativos para quase 100 jornalistas. Com isso a emissora inglesa inicia um processo histórico de reciclagem profissional e estabelece seu primeiro núcleo de videojornalismo.

Trata-se de uma proposta ousada para enfrentar as atuais dificuldades de cobrir um mundo cada vez mais globalizado e complicado. A partir de agora, diversos jornalistas da tradicional BBC, convivendo com uma nova forma de fazer jornalismo de TV. Eles estarão abrindo novas perspectivas profissionais ao serem treinados e capacitados para produzir suas próprias matérias sozinhos graças às novas tecnologias. Passam a produzir jornalismo de TV de uma forma independente e quase autoral. Serão responsáveis por todos os estágios da produção, incluindo a captação de imagens com câmera digitais, operação de edição não-linear em pequenos computadores portáteis, estando habilitados até mesmo a transmitir ou veicular conteúdos, via internet.

Poder de subversão

Esses novos VJs poderão não só produzir suas matérias com maior controle e responsabilidade sobre seus conteúdos como poderão se aventurar em pautas nunca dantes investigadas. Isso obviamente também pode significar que muitos cinegrafistas e editores de imagens poderão perder seus empregos. É possível. Assim como os ascensoristas de elevadores, algumas profissões estão sob risco. Mas também se pode vislumbrar um cenário diverso, em que esses profissionais possam agora ter a oportunidade de se tornar jornalistas de verdade. Eles podem embarcar nessa idéia e passar a produzir suas próprias matérias, em vez de serem os "motoristas" das matérias, da fama e dos altos salários de alguns poucos privilegiados que aparecem à frente das câmeras. É tudo uma questão de perspectiva, otimismo ou coragem de encarar novos desafios.

Mas se tudo o que realmente queremos é um emprego, qualquer emprego, mesmo que seja mal-remunerado, com pouquíssima responsabilidade, com alguém sempre nos dizendo o que fazer o tempo todo, então, o videojornalismo realmente deve ser ferozmente combatido. Ele não oferece nada disso. Muito pelo contrário! Sempre pensei que, mais que um emprego, o jornalismo nos oferece um constante desafio. Ele deveria ser exercido por pessoas inconformadas com o mundo que alguns poderosos insistem em controlar a todo custo. Jornalismo jamais deveria deixar de ser um meio de natureza rebelde, com um certo grau de insegurança, muita ousadia e que deveria lutar contra todas as formas de injustiça.

Infelizmente, há muito tempo que esses ideais deram lugar às prioridades dos interesses políticos e dos altos lucros financeiros. Muitos jornalistas, principalmente na TV, são ambiciosos, e preferem a fama e a fortuna a qualquer custo. É verdade que grande parte dos jornalistas prefere ser deixada em paz, luta para manter o emprego, alguma estabilidade, segurança, qualquer salário no final do mês e o mínimo de problemas. Infelizmente, cabe a poucos pensar, apontar ou decidir sobre o futuro da nossa profissão.

No entanto, em países como a Inglaterra alguns profissionais e observadores da imprensa preferem acreditar que o videojornalismo pode ser uma boa saída para a crise econômica, a falta de criatividade ou o comodismo no telejornalismo. Não cobrimos muitas matérias importantes porque não temos os recursos necessários nem a certeza dos resultados. Num meio tão rico e ao mesmo tempo tão conservador como o jornalismo de TV, os interesses políticos e as margens de lucros que estão em jogo o tempo todo não permitem aos nossos editores arriscarem certas pautas incertas sem o risco de perderem empregos preciosos.

A segunda matéria, igualmente publicada em The Guardian, comprova que apesar das últimas conquistas as reações contra o videojornalismo não partem somente de velhos profissionais e sindicalistas. Mais do que alguns empregos ou a exploração dos jornalistas, o que está realmente em jogo é o poder exercido por alguns poucos editores ou políticos sobre as pautas dos nossos telejornais. As pequenas câmeras operadas por centenas de jornalistas independentes já ameaçam o controle exercido por uns poucos "iluminados" sobre toda a produção dos nossos telejornais.

O videojornalismo permite que qualquer jornalista, com ou sem diploma, possa sair pelo mundo com uma pauta na cabeça e uma câmera na mão. E isso é muito perigoso! Eles têm o poder de subverter uma ordem até então estabelecida rigidamente pelas grande emissoras de TV. Produzir telejornais é muito caro, requer profissionais altamente especializados. Poucas empresas dispõem desses recursos e garantem esse privilégio. Até hoje, nesse cenário tão restritivo, poucos podem arcar com os custos de produzir jornalismo de TV, quanto mais um bom jornalismo investigativo. As conseqüências dessas restrições e privilégios são bem conhecidas. O controle do jornalismo de TV é estratégico para os atuais donos do poder, sejam eles políticos ou empresários. Em verdade, comunicação e política se confundem.

Resultados duvidosos

E mesmo na Inglaterra, que sempre prezou tanto a independência da sua imprensa e, principalmente, da sua tradicional televisão, a BBC, o tom de alerta contra a prática do videojornalismo por parte de políticos é significativo. Eles denunciam seu potencial para subverter uma ordem ou "desordem" estabelecida arduamente durante tantos anos. Uma certa parceria entre as grandes empresas e os grandes políticos pelo bem da nação, pela obtenção de certos "bens" com o direito de manutenção de privilégios mútuos. O mundo teme o videojornalismo pelo seu potencial subversivo, e assim como a internet prefere denunciá-lo e combatê-lo como uma forma de jornalismo demasiadamente independente e incontrolável. Certamente não interessa a quem está e deseja continuar indefinidamente no poder.

Para os políticos ingleses, os videojornalistas estão sendo encarados como séria ameaça. Eles podem colocar em risco um poderoso e intrincado jogo de privilégios, influência e controle sobre uma imprensa altamente suscetível a pressões políticas e econômicas. Crises econômicas contribuem para um maior endividamento de empresas jornalísticas mal gerenciadas, com altos custos e extremamente deficitárias, tornando-as ainda mais tímidas e dóceis. Para quem teme a democratização dos meios de comunicação de massa, o videojornalismo, sem dúvida, deve ser combatido a todo custo. Essa luta contra um jornalismo investigativo mais seguro e ético pode até mesmo criar situações inusitadas. Torna aliados na mesma causa sindicalistas e políticos poderosos. Eles bem sabem que a televisão é poderosa demais para ser realmente livre e estar disponível para todos.

E o Brasil? O que tudo isso tem a ver com o Fórum Tim Lopes organizado pela ABI a ser realizado esta semana no Rio de Janeiro? Tem tudo a ver. Vamos nos reunir para debater o jornalismo investigativo, principalmente na TV. Como já havia alertado meses antes da tragédia com nosso colega, continuo acreditando que câmera oculta mata jornalista, a ética profissional, que a próxima vítima pode ser você e que já existem alternativas melhores. Não devemos nos contentar com uma situação que limita o jornalismo de TV à utilização de câmeras ocultas ou nada. Este cenário é estabelecido por alguns poucos jornalistas que certamente jamais precisarão arriscar suas preciosas vidas e que podem vir a influenciar toda uma geração de jovens Tim Lopes. Entre sair pelo mundo com uma câmera oculta ou se tornar um videojornalista prefiro a segunda hipótese.

Esse novo tipo de jornalismo investigativo de TV tem nos contemplado com resultados altamente duvidosos e certamente perigosos. Devemos lutar por um jornalismo investigativo de qualidade na TV, evitar, sim, a inércia e uma tradicional cumplicidade com o poder em nossos telejornais. Salvo poucas exceções, ao tentar fazer jornalismo de verdade a TV tende a descambar para o sensacionalismo barato ou para um "denuncismo" irresponsável. Quando não acusa seus próprios inimigos, matam ou exilam alguns dos nossos melhores profissionais.

Bom jornalismo, um privilégio

A alternativa para um jornalismo investigativo com câmeras ocultas e objetivos obscuros é certamente muito mais difícil e trabalhosa. Mas os seus resultados poderão ir além de vitórias dominicais e preciosos índices de audiência. O investimento no treinamento e na implantação de núcleos de videojornalismo pode se tornar uma revolução verdadeira no nosso jornalismo de TV. A introdução de novas técnicas e linguagens audiovisuais que não comprometem a nossa ética, que não nos obrigam a mentir e que não arriscam desnecessariamente as vidas dos nossos profissionais mereceria, no mínimo, menos preconceito e maior atenção. O videojornalismo pode oferecer algumas das vantagens do jornalismo investigativo de TV, sem nenhuma das desvantagens das câmeras ocultas. Ele oferece às nossas emissoras de TV uma possibilidade de mudanças significativas na forma de tratar novas pautas com uma técnica investigativa séria, participativa e com resultados sociais concretos e duradouros.

No futuro não muito distante, com os avanços das novas tecnologias, apesar de todas as resistências, as câmeras de vídeo se confundirão com os telefones celulares e com a internet. Elas estarão presentes em todos os lugares a qualquer momento. Será tão ridículo para um jornalista de TV sair de casa sem a sua pequena e poderosa câmera digital com capacidade de transmissão ao vivo via internet quanto seria absurdo hoje imaginar alguém sair de casa sem seu telefone celular.

Exercer o bom jornalismo, com ou sem câmeras, é um privilégio. Não deveria ser nunca encarado como transtorno, obrigação ou eterna "exploração". Ao contrário do que diz a Constituição americana, a imprensa só é realmente livre para aqueles que são "donos" da imprensa. Assim como hoje já podemos ter acesso às câmeras de vídeo, talvez, um dia, possamos sonhar em também ser livres, donos das nossas próprias televisões.

(*) Jornalista, coordenador do Laboratório de TV, professor de Telejornalismo da Uerj e doutorando em Ciência da Informação pelo convênio IBICT/UFRJ