Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Amnésia nacional

(*)

Michelle Prazeres e Maira Bittencourt (**)

 

A geração que vai assistir às viradas do milênio e do século, a que pertencemos todos nós, não é desprovida de meios de resgate e manutenção da memória nacional. Há meios pelos quais podemos conhecer a história oficial e também os episódios não-registrados nos livros didáticos.

A questão não se reduz a debater a existência ou não destes meios, mas se estende à discussão de como acessá-los. A oportunidade que tivemos de entrar em contato com a história não-oficial, quando realizamos a pesquisa sobre revistas já extintas, foi uma forma de nos depararmos com esta triste realidade: há muito de nosso país, de nossa cultura e de nossa essência (se é que se pode dizer que temos uma) que não conhecemos. Há muito a ser resgatado.

O trabalho foi extremamente excitante por este lado: o de “descobrir” uma parte da história sobre a qual não havíamos lido e, ao mesmo tempo, correlacioná-la com a parte que tínhamos estudado. Foi fascinante achar nas páginas de Careta artigos que criticavam e faziam piadas em relação àquela história formal contada por Luiz Koshiba em História do Brasil (Atual Editora).

Acima de tudo, foi bom descobrir que o “elo” com este passado tão recente ainda não está perdido, apesar de, aparentemente, a nossa geração mostrar o contrário. Somos a “Geração Internet” na “Era da Velocidade”. Tudo aponta para o futuro. Para que reviver o passado?

É com este passado que se aprende a desenhar o futuro. É estudando história que entendemos o que se passa atualmente em nosso país e no mundo. A história se repete e, por incrível que pareça, se ela fosse mais conhecida e respeitada seria mais copiada em seus bons momentos e mais evitada em seus aspectos negativos. A importância da história de um povo reside no fato de servir como referência para os que vão lhe dar continuidade, e não como lixo para quem a escreveu.

No entanto, o que se vê hoje em dia é a quebra gradual deste “elo” com nossas raízes, fruto, em parte, do esvaziamento da relações humanas, pois é do diálogo entre avô e neto, pais e filhos que se constrói parte da história, das lendas e sagas de uma pátria. No mundo virtualizado, vive-se a crise das relações interpessoais.

No Brasil, especificamente, um país em desenvolvimento, assistimos a isso da mesma maneira. Os excluídos do processo de globalização são também excluídos da perpetuação da história nacional. Os “globalizados” são os que contribuem para que isso aconteça. De que forma? Diminuindo cada vez mais a importância de um bom diálogo. Sabe-se que a história oficial é a dos vencedores, então, nada mais importante do que conversar com quem vivenciou a história nacional para inteirar-se dela. Nos dias de hoje, este ato perdeu muito de seu valor.

Registrar a história é delicado. Com o agravante da mundialização, ela se tornou universal, contada de maneira global, e os episódios específicos de uma pátria, de um povo estão sendo esquecidos ou deixados para trás, sacrificados. Um agravante também lamentável é a dificuldade encontrada por quem se dedica a resgatar a cultura nacional.

Durante a realização da pesquisa sobre a revista Careta, encontramos uma série de dificuldades para ver as charges, os desenhos e as piadas da publicação. Em primeiro lugar pela burocracia que enfrentamos para encontrá-la arquivos da Biblioteca Nacional. Em segundo, pela qualidade do material no qual é guardada a revista. Em terceiro lugar, pelo sistema lento e um tanto ineficiente de consulta a cópias em microfilme de algumas páginas da revista. Outro problema foi achar um exemplar em um sebo.

Uma experiência deliciosa, porém trabalhosa demais, que podia ser facilitada se houvesse interesse real em preservar essa tal memória nacional, se houvesse interesse em deixar a história mais clara, os fatos mais visíveis, com a informatização, com o acesso mais facilitado a documentos e periódicos e até (por que não?) com a criação de novas bibliotecas, com ambientes mais atraentes e serviços e material mais ágeis.

A pesquisa serviu, infelizmente, para constatar que isto é um sonho (parece que a ninguém interessa que o povo conheça história, ou que ela seja divulgada ou estudada), e felizmente para ter certeza de que é preciso (e possível) resgatar rapidamente no Brasil valores nacionais. Isso deve ser feito para que mantenhamos a dignidade, o patriotismo e a identidade da nação.

Do contrário, assistiremos ao nascimento de uma nova classe: os analfabetos históricos, aqueles que conhecem tudo o que se passa hoje na Conchinchina, mas que não sabem o que aconteceu ontem na esquina.

(*) Tivemos que fazer um trabalho sobre uma revista já extinta, chamada Careta (fundada por Jorge Schmidt em 1908 e que circulou no Brasil até 1960). Careta era um semanário ilustrado que trazia charges e piadas sobre o Brasil daquela época. Entre seus colaboradores estão feras como J. Carlos e Robert Schmidt (chargistas) e Lima Barreto e Olavo Bilac (escritores).

Para fazer o trabalho de pesquisa, que tínhamos que apresentar sob a forma de seminário a nossos colegas, passamos por dificuldades de apuração que nos despertaram uma certa angústia em relação à preservação dos periódicos brasileiros nas bibliotecas. Alguns colegas, que fizeram trabalhos sobre revistas mais conhecidas, como Realidade ou O Cruzeiro, também encontraram um considerável grau de descaso com este material tão precioso.

Com base na dificuldade que encontramos para pesquisar, escrevemos o texto acima. Esta parece uma boa hora para a discussão, já que o episódio da nomeação de João Batista Campelo para a Polícia Federal foi considerado por muitos um caso de amnésia nacional.

(**) Estudantes do 7º período do Curso de Jornalismo do Centro Universitário da Cidade (Rio de Janeiro)