Sunday, 06 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Antônio Lemos Augusto

MÍDIA vs. HUGO CHÁVEZ

"O exemplo do cabresto venezuelano", copyright Boletim Imprensa Ética, 16/04/02

"Não vou entrar no mérito dos olhos de Hugo Chávez: não o vejo como democrata ou estadista. Mas o golpe fracassado na Venezuela é uma clara lição de moral também para a imprensa latino-americana. Aprendemos na escola – ou, ao menos, deveríamos aprender – que presidente só pode ser deposto constitucionalmente pelo Legislativo, por pior que seja o mandatário. Mas a imprensa venezuelana não pensa assim. Repetiu o gesto da imprensa argentina e uruguaia nos anos 70, da imprensa brasileira nos anos 60 e de tantas outras imprensas cucarachas por aí. Mas o que há na Venezuela que possa interessar aos escribas tupiniquins?

Como na Venezuela, a grande imprensa brasileira representa sim uma classe dominante, que a mantém pelos anúncios publicitários diretos (grandes empresas) ou indiretos (Estado empresarial). As três últimas eleições presidenciais colocaram a imprensa brasileira no paredão. Em 1989, Folha de S. Paulo publicava no caderno de Política, página par, o seqüestro de Abílio Diniz, enquanto na página ímpar ao lado, vinha o noticiário da candidatura Lula. Qual a leitura implícita? A Folha não precisou fazer como um jornal do Acre, que manchetou ?PT seqüestra Abílio Diniz?, ou algo parecido: fez pior.

É só um exemplo, para fugir do exemplo mais exemplificado daquele período: a edição do debate pela Globo. Mas uma breve leitura do livro Notícias do Planalto, por mais criticado que tenha sido, revela o quanto os veículos de comunicação seguem uma visão interesseira sobre o futuro do país. E qual o recheio de um veículo de comunicação? Jornalistas, é claro.

Chegamos em 1994 e, quatro anos após, em 1998: duas eleições traumáticas pela completa ausência de debates. E por que a nossa imprensa não cobra reformas na legislação eleitoral que reduza a influência de marqueteiros e, por decorrência, do poder do dinheiro nas campanhas? Qual o espaço concedido ao então candidato-presidente FHC em 98 nos jornais, em comparação com os concorrentes? Havia separação entre o presidente e o candidato FHC?

Nossa imprensa se perde em bolsas de valores, em Nasdaqs da vida, em picuinhas partidárias e, às vezes, veicula uma ou outra coisa de cunho investigativo e social para variar. Você consegue citar ao menos três reportagens investigativas com grande abrangência social veiculadas pelos grandes jornais nos últimos 60 dias?

Não vou encher lingüiça aqui, mas apenas lembrar aos leitores que a imprensa brasileira não foge muito do perfil da imprensa venezuelana. E não adianta culpar apenas os donos dos veículos de comunicação, pois cabresto só existe quando há pescoço disponível."

 

"Em crise, mídia deixa de noticiar acontecimentos", copyright O Estado de S. Paulo, 15/04/02

"Os acontecimentos do sábado agravaram a já deteriorada situação dos meios de comunicação venezuelanos, acossados pelo governo de Hugo Chávez e em crise de credibilidade.

Durante toda a tarde e início da noite, enquanto os fatos evoluíam de maneira dramática, com a retomada do Palácio Miraflores pelos colaboradores de Chávez, os três principais canais de televisão privados e a maioria das emissoras de rádio não noticiavam o que se passava na sede do governo.

As emissoras RCTV, Venevisón e Globovisión, tiradas do ar por Chávez na quinta-feira, e que voltaram a transmitir depois de sua queda, cobriam apenas as declarações do presidente interino, Pedro Carmona, e dos comandantes das Forças Armadas, no Forte Tiuna. E mostravam também seu próprio infortúnio: as sedes dos três canais foram cercadas por simpatizantes de Chávez, que apedrejaram e picharam a entrada dos prédios. A Polícia Metropolitana impediu que eles invadissem os estúdios.

Os dois principais jornais, El Universal e El Nacional, não circularam ontem. Os jornalistas deixaram as redações, alegando falta de segurança para trabalhar. El Nacional promoveu no sábado, na Praça Altamira, um abaixo-assinado contra a violência à imprensa.

Já a emissora estatal VTV, cujos funcionários se retiraram depois da queda de Chávez, alegando falta de segurança, retomou as transmissões no sábado à noite, com mensagens de apoio ao presidente deposto.

Os principais meios de comunicação locais justificaram a falta de cobertura do que se passava em Miraflores alegando que seus repórteres corriam riscos. De fato, alguns simpatizantes de Chávez abordavam os jornalistas com hostilidade, e se acalmavam quando constatavam que se tratava de enviados estrangeiros. Mas as agências de notícias internacionais e a rede de TV americana CNN cobriram os fatos.

A imprensa estrangeira emergiu como heroína para os simpatizantes de Chávez, por ter sido a única que noticiou o que aconteceu em Miraflores.

A notícia do abandono do palácio pelos membros do governo interino contribuiu para a mobilização dos colaboradores de Chávez.

O presidente iniciou seu pronunciamento na madrugada de ontem agradecendo à imprensa estrangeira, sob aplausos intensos da platéia de integrantes do governo e militantes. Chávez fez também uma advertência aos meios de comunicação locais, de que terão de ?emendar-se?.

?Se não fosse pelos jornalistas internacionais…?, comentava ontem o médico Juan Carlos Marcano, que levou sua filha Maidi, de 4 anos, para a frente do palácio, com um cartaz em que agradecia à CNN.

?Nosso problema não é com os jornalistas. Isso também foi manipulado aqui?, disse o médico. ?A parcialidade dos meios de comunicação também foi responsável pelo que aconteceu aqui. O povo saía às ruas e se sentia impotente, porque não era ouvido.?"