Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Apreensão de jornal no RS

Toni André Scharlau Vieira (*)

 

U

ma das notícias que mais repercutiram entre os profissionais da área de comunicação neste segundo turno das eleições para governador em vários estados brasileiros foi a apreensão da edição de 25 de outubro do jornal Zero Hora de Porto Alegre. A medida foi interposta pela Justiça Eleitoral para fazer valer um direito de resposta da Frente Popular (PT, PSB, PC do B e PDT, PV e PPS), que tinha como candidato Olívio Dutra.

A frente obteve uma liminar na Justiça para responder a uma nota que fora publicada pelo PSDB no sábado, 24 de outubro, na capa dos jornais Zero Hora e Correio do Povo. Na nota, havia um pedido para que eleitores votassem no candidato à reeleição, Antônio Britto (PMDB), porque ele era amigo do presidente e isto garantiria o ingresso de mais verbas federais no estado. A nota previa um péssimo futuro se o oposicionista Olívio ganhasse o pleito. No texto, assinado por Fernando Henrique Cardoso, havia o seguinte trecho grifado “Eu serei sempre partidário daquilo que for bom para o Rio Grande, mas farei com maior facilidade se o governador for Antônio Britto”.

Pela decisão da Justiça Eleitoral gaúcha, uma nova nota deveria ser inserida nos jornais com texto da Frente e despesas pagas pelo PSDB. No jornal Correio do Povo a nota foi veiculada, mas no Zero Hora não. A direção da empresa alegou que não houve tempo para inserir o A Pedido, embora o Correio do Povo, que é impresso no mesmo horário (sábado à tarde), tivesse suprimido o A Pedido do PSDB e incluído o Direito de Resposta da Frente. O jornal foi para as ruas e, atendendo a solicitação da Frente Popular, a Justiça Eleitoral apreendeu os exemplares nas bancas de Porto Alegre e do interior do estado.

Posteriormente, o jornal voltou para as bancas com uma nova capa, trazendo, inclusive, o resultado de uma nova pesquisa, que não havia entrado na primeira edição. Em uma nota especial, na segunda-feira, dia 26, a direção do jornal lamentou o ocorrido e explicou que estudava o ingresso na Justiça de reparação de danos. Em toda a cobertura sobre o assunto (que o jornal fez questão de dar destaque – duas páginas na edição do dia 26 de outubro), a direção do jornal afirmava que o problema se referia a um A Pedido, portanto, não se tratava de conteúdo editorial.

Apesar disso, o discurso do jornal reclamava o fato de supostamente tratar-se de um atentado à liberdade de imprensa, ou mais, à liberdade de expressão. Matéria veiculada no Fantástico do dia 25 lamentava o ocorrido e divulgava que a ANJ repudiava a “censura”.

A ação da Justiça Eleitoral foi condenada pelo jornal. O diretor de Redação, Marcelo Rech, chegou a escrever que a restrição se deu apenas quanto a “… anúncios pagos pelo PSDB sobre os quais o jornal, como os demais veículos que publicaram a mesma peça publicitária, não teve qualquer ingerência”. Zero Hora noticiou no dia 26 que, em última instância, o ministro do Tribunal Superior Eleitoral, Eduardo Alckmin, derrubou o Direito de Resposta da Frente Popular, por entender que o apoio de uma autoridade a um candidato não continha crimes de falsidade, calúnia, injúria ou difamação.

O mais intrigante neste episódio foi a nota publicada pela Central Única dos Trabalhadores (CUT-RS) no jornal Correio do Povo de 29 de outubro. A entidade acusou a emissora de TV da Rede Brasil Sul (empresa de comunicação proprietária do Zero Hora) de se negar a veicular um A Pedido de responsabilidade da CUT, após a aprovação do TRE e da previsão de encaixe do A Pedido na programação. A CUT garantiu, inclusive, que já havia feito o pagamento do espaço. O texto que a CUT queria divulgar se referia às pressões sobre trabalhadores de várias empresas que estariam ocorrendo no interior e na capital.

A entidade chamava a atenção dos eleitores para o fato de ser impossível identificar o voto de quem quer que seja. Havia denúncias de empresas e prefeituras que teriam produzido listas com nome, número do título de eleitor e seção de vários empregados. O comercial encerrava com a frase: “Não vote por pressão, vote de acordo com a tua convicção.” A RBS não contestou o A Pedido da CUT publicado no Correio do Povo e não havia se pronunciado sobre o assunto até a manhã de 30 de outubro.

Diante de todos estes fatos, não dá para deixar de olhar com bons olhos para a opção do JB, que abriu seu apoio ao candidato César Maia no segundo turno. Pelo menos os leitores do JB puderam entender o procedimento do jornal na cobertura do pleito. Já os leitores de Zero Hora podem estar em dúvida. Talvez, depois do resultado do segundo turno, alguns jornais também comecem a pôr em dúvida os seus critérios de “ética jornalística”. Tomara!

(*) Jornalista e professor de Jornalismo na Universidade Luterana do RS