Friday, 03 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Assassinato do repórter fotográfico Miguel Pereira de Melo

 

O

jornal Opinião, desta cidade de Marabá (PA), publicou em 11/12/98, edição 242, sob o título Polícia ainda não sabe quem matou Miguel Pereira, a seguinte reportagem:

“Hoje faz exatamente um mês e quatro dias que mataram o repórter fotográfico Miguel Pereira de Melo. Ele foi baleado por um desconhecido no dia 5 de novembro quando caminhava por uma rua do bairro da Liberdade, vindo a morrer na madrugada do dia seguinte. Até agora, a Polícia Civil não apresentou qualquer solução para a elucidação do crime, que seria de encomenda. E, como na Delegacia Regional ninguém comenta sobre o assunto à imprensa, não se sabe em que pé estão as investigações.

O caso estava sendo investigado pelo delegado Sandro Rivelino, que teve que ser transferido temporariamente para a Delegacia de Tucuruí, em substituição ao delegado daquele município, que está de férias. Não há informações sobre se o inquérito do homicídio foi repassado a algum colega de Rivelino. Antes de viajar, e sempre que era questionado pela reportagem de Opinião, o delegado se limitava a responder apenas “Estamos trabalhando”, ou, “Já estamos na pista do criminoso”. Sandro Rivelino alegava, entretanto, que não podia entrar em detalhes para não prejudicar o andamento das investigações.

A morte de Miguel Pereira teve repercussão nacional. A própria Associação Nacional dos Jornalistas (ANJ) publicou nota protestando pelo homicídio e cobrando das autoridades rigor na apuração do caso. Sem falar na ampla repercussão que o caso teve junto aos órgãos de comunicação locais e de Belém. Essa “pressão”, ao que parece, não serviu para sensibilizar as autoridades policiais de Marabá.

Esta semana, a reportagem de Opinião acompanhou o jornalista Domingos Cézar à casa da viúva Raimunda de Melo, a Doná. Ainda abalada pela perda do marido, mas aparentemente mais lúcida, ela também protestou pela lentidão que a polícia vem demonstrando para tentar chegar ao pistoleiro que matou Miguel Pereira. “Não há qualquer interesse da parte das autoridades”, lamentou Doná. Desiludida, ela acredita que vai ser mais um crime de encomenda que vai ficar impune em Marabá. “Depois de um mês, esse pistoleiro não vai ser preso”, protestou a viúva.

Para demonstrar que tem um pouco de razão, Dona disse que recebeu uma informação de que o matador de seu marido foi visto circulando pelo bairro da Liberdade. Segundo ela, quem prestou essa informação foi, ironicamente, um investigador da Polícia Civil, cujo nome ela não soube dizer. “Se ele viu esse pistoleiro, por que não o prendeu?”, questionou.”

Lamentavelmente esta é a situação envolvendo a morte do nosso amigo pessoal e colega de trabalho Miguel Pereira, nessa terra de impunidade. Provavelmente acontecerá com seu assassinato o mesmo que todos prevemos para a Chacina de Eldorado do Carajás: nada, absolutamente nada, exceto, mais uma vez, o predomínio da impunidade.

Ademir Braz, jornalista

 


Betch Cleinman

 

O

jornal Folha de S. Paulo publicou em dia 28 de novembro reportagem sobre o pagamento efetuado pela recém-criada ONG Associação Brasil 2000 a 59 radialistas e aos apresentadores de TV Hebe Camargo, Ratinho e Ana Maria Braga, para fazerem merchandising a favor da privatização. As emissoras também não teriam perdido mais uma oportunidade de faturar, e cobraram seus preços tabelados para esse tipo de inserção publicitária. Segundo um dos responsáveis pela ONG, “é o mesmo que estivessem falando: tome guaraná. Porque é gostoso! Faz bem à saúde”.

Exaltar os prazeres de pipoca com guaracola, ou da lambadaxé sertaneja, anunciar o nascimento do último macaquinho no zoológico ou o recente quase bombardeio do Iraque, repetir milhares de vezes ao dia compre, compre, compre, aproveite, pois é só até amanhã, martelar sutilmente através de “formadores de opinião” ou contrabandeado no meio dos boletins informativos venda, venda, o patrimônio público antes que o mercado não queira mais, são indícios de uma economia saudável ou em crise? Será a expressão dos interesses comerciais dos donos das empresas de comunicação ou de amplos setores sociais? Ou tentativas de informar a população sobre o estado do mundo, fornecendo-lhes instrumentos adequados de análise para conseqüentes decisões? Se opinião, informação, diversão, publicidade, propaganda, passaram a se equivaler, sem fronteiras claras e distintas entre elas, será sinal de que o consumidor devorou o cidadão, o contribuinte, o eleitor?

A auto-regulamentação na moda

O Conselho Nacional de Auto-Regulamentação publicitária (Conar), outra ONG, de direito privado, mantida por anunciantes, agências de propaganda e veículos isoladamente, assim como por suas entidades representativas, como ABA (Associação Brasileira de Anunciantes), Abap (Associação Brasileira de Agências de Propaganda), Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), ANJ (Associação Nacional de Jornais), Aner (Associação Nacional de Editores de Revistas) e Central de Outdoor, possui um Conselho de Ética.

Essas entidades, “imbuídas do propósito de fazer da publicidade um serviço economicamente útil e socialmente relevante, instituíram o Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária”. Entre os objetivos da dupla auto-regulamentação do Código e do Conar encontram-se: “Defender o direito de anunciar e a liberdade de expressão comercial; zelar pela integridade da propaganda comercial, dela afastando a censura; garantir ao consumidor o livre acesso à informação comercial honesta, verdadeira e precisa e em conformidade com as leis:”

O Conar tem competência para processar e julgar infrações éticas cometidas em anúncios e mensagens publicitárias de qualquer natureza. O Judiciário só pode atuar em algum caso, quando devidamente provocado por uma das partes. Presumo, então, que o Conar também necessite ser acionado para que possa tomar alguma providência em relação aos seus associados. Apesar da dupla auto-regulamentação, e com a constatação empírica de que, dificilmente, algum associado tomará alguma iniciativa em relação a esse caso ou a outros, sugiro que comecemos a solicitar resultados diretamente. Segundo minhas anotações, o fax do Conar é (011) 231-4508 – caso as mudanças de Telesp, Telefónica e outras não acabaram por trocar o número de telefone.

O que esperar da auto-regulamentação

As autoridades governamentais, em vez de aplicarem a legislação existente que determina que TVs e rádios são concessões públicas e exigirem que tenham comportamento e programação compatíveis com os compromissos assumidos, propõem a auto-regulamentação ética como forma de debelar a “febre de baixarias e torpezas” em forma de diversão ou informação que invadiu nossos lares.

Será que os representantes do Poder Público nunca ouviram falar da existência do Código de Ética da Radiodifusão Brasileira, contendo 35 artigos, estabelecido em Brasília, em 17 de Janeiro de 1991? Ele divide-se em capítulo 1, princípios gerais (artigos 1 a 4); capítulo 2, programação (artigos 5 a 15); capítulo 3, publicidade (artigos 16 a 17); capítulo 4, noticiários (artigos 18 a 19); capítulo 5, relacionamento das emissoras (artigos 20 a 22); capítulo 6, processo das disposições disciplinares (artigos 23 a 35).

Em seu preâmbulo está escrito que os “empresários da Radiodifusão Brasileira, congregados na Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert), considerando suas responsabilidades perante o público e o governo, declaram que tudo farão na execução dos serviços de que são concessionários ou permissionários, para transmitir apenas o entretenimento sadio e as informações corretas espelhando os valores espirituais e artísticos do povo brasileiro”. Não esquecer que a Abert também é associado ao Conar, o que perfaz uma tripla auto-regulamentação. Até agora.

Como esse artigo não tem a menor pretensão de ser exaustivo, pegarei apenas alguns poucos exemplos do seu conteúdo, pois se as autoridades não conhecem esse texto, o grande público, muito menos.

O artigo 3 dispõe que “somente o regime da livre iniciativa e concorrência, sustentado pela publicidade comercial, pode fornecer as condições de liberdade e independência necessárias ao florescimento dos órgãos de opinião e, conseqüentemente, da radiodifusão. A radiodifusão estatal é aceita na medida em que seja exclusivamente cultural, educativa ou didática, sem publicidade comercial”. Ora, como é possível uma empresa que obteve uma concessão do Poder Público pode pretender determinar o que o Estado deve ou não fazer? E por que a exclusividade da receita publicitária, inclusive a de origem pública, deveria permanecer como reserva e privilégio apenas do setor privado? Qual o fundamento, o dogma, dessa pretensão? Quem deveria fazer o merchandising dessa idéia? Representantes da Sorbonne ou da Hollywood de Pindorama, ou melhor dizendo, da Pindaíba?

O artigo 6 prevê que a “responsabilidade das emissoras que transmitem os programas não exclui a dos pais ou responsáveis, aos quais cabe o dever de impedir, a seu juízo, que os menores tenham acesso a programas inadequados, tendo em vista os limites etários prévia e obrigatoriamente anunciados para orientação do público”. Inserir a responsabilidade dos pais nesse código de ética das rádios e televisões não seria uma tentativa de eximir-se das suas responsabilidades? Os recém-criados sinais coloridos para indicar o grau de violência e/ou sexo presente nos filmes levam em conta os horários em que passam os anúncios da programação? Já vi trechos de um filme que mostrava o estupro de uma jovem ser exibido várias vezes, durante os intervalos da programação infantil vespertina. Quando a tentativa de o ratinho escapar do gato era cortada para os comerciais, as criancinhas de três a cinco anos viam cenas assustadoras da jovem ser estuprada e assassinada. E era em pleno período de férias escolares. Quem poderá fazer o merchandising da responsabilidade dos pais que não cuidam devidamente dos filhos, entregando-os por tempo demais às babás-louras eletrônicas: o cassetete do Ratinho?

Já o artigo 23 determina que as “reclamações e denúncias quanto ao não cumprimento do presente Código, naquilo que diz respeito à programação de rádio e televisão, serão julgadas pela Comissão de Ética de Programas da Abert (Cepart). Cada Câmara será composta por 12 membros escolhidos pelo Comitê de Ética da Diretoria da Abert, por unanimidade, entre pessoas sem vinculação com as redes ou as empresas de rádio e televisão, para um mandato de um ano.” Quem conhece alguém que já tenha sido membro dessa Câmara Ética?

Segundo o Código, as queixas podem ser feitas encaminhadas à Associação pelos órgãos da Administração Federal, pelas emissoras associadas à ABERT, por órgãos ou associações de classe ou por telespectadores e ouvintes. As reclamações devem sempre ser feitas por escrito, indicando o dia, a hora do programa, a emissora que transmitiu o programa, acompanhada de fita de vídeo ou de áudio. “Das denúncias apresentadas por telespectadores ou ouvintes não derivarão senão pena de advertência sigilosa“.

Os interessados em fazer alguma reclamação de programas de TV ou rádio podem escrever para o CEPART; Rua Porto Martins 546 conjunto 3, Brooklyn, São Paulo, CEP: 04570-140 ou então enviar um fax para (011) 55061319.

Dar conseqüência e seqüência a indignações, revoltas, esperanças, sem esperar que as autoridades ou as entidades de classe tomem alguma providência por nós, ou em nosso nome, talvez seja a forma mais cidadã e democrática de se dar um basta à socialização que não nos ensina a negociar, mas a obedecer, que não nos incentiva a debater ou a refletir, mas a acatar e a calar. Uma tentativa de se exterminar com a cultura de “manda quem pode, obedece quem tem juízo”.

 



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