Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Banda B, contrabando e isenção bandeada

 

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ão demorou: já estão visíveis os sinais de manipulação do noticiário sobre telefonia & celulares por parte dos grupos jornalísticos que participam da disputa pelas concessões na área.

Este OBSERVATÓRIO, em mais de uma ocasião, chamou a atenção para o colossal conflito de interesses que ameaça a credibilidade da mídia brasileira. A decisão dos principais grupos jornalísticos do país de abandonar sua atividade-fim investindo em áreas de negócio que nada têm a ver com a produção de informações que lhes garante diversos privilégios constitucionais é a maior aberração de um sistema mediático jamais vista em tempos modernos.

Imaginava-se que, passada a vexaminosa euforia pelas vitórias nos primeiros leilões (e o ressentimento pelas derrotas), os jornais adotariam um certo pudor e lisura no trato do assunto. Esperava-se que tentariam esquecer seus acionistas e sócios procurando manter-se fiéis aos interesses do leitores.

A manipulação já corre, aberta e despudorada, principalmente em S. Paulo, onde estão definidos os ganhadores e perdedores das melhores fatia do bolo.

Na sua edição de domingo, 22/2/98, o Estadão dedicou uma página inteira (B-4) aos interesses da empresa associada (BCP, ganhadora da Banda B na Grande S. Paulo) que já começou a buscar clientes e oferecer linhas.

Título principal: “Preço do celular no paralelo já caiu 61,7%”.

Subtítulo: “Vendas no paralelo estão sendo mantidas mesmo com início das operações da Banda B pela BCP”.

Matéria Complementar: “Tarifa de celular segue nível internacional”.

Outra matéria complementar: “BCP amplia oferta de vagas” (empregos).

A BCP ainda não entrou em operação, o que só acontecerá em abril. Título e subtítulo estão em contradição, não importa, vale a impressão de que tudo corre às mil maravalhas. Também não é verdade: as conexões que permitirão a cobertura do território nacional (“roaming”) só se completarão no próximo ano. E isto não está na matéria, consta dos folhetos da BCP encartados nos jornais.

Na semana do carnaval, diversos apresentadores do jornal matinal da Rádio Eldorado (do grupo do Estadão) ensaiaram um bordão toda vez que caía a ligação entre repórteres, ouvintes e os estúdios: “coisas da Banda A”. Não insistiram, ficou muito gritante.

A Folha (que perdeu a disputa na Grande SP), no mesmo domingo, saiu com matéria de capa do caderno de economia sobre a desvalorização da Telesp por conta do atraso da estatal em oferecer linhas celulares digitais. Tecnicamente impecável, a matéria, no entanto, desvenda a jogada da empresa e seus sócios: abocanhar a subsidiária da estatal na área de celulares.

Já que o estupro é inevitável só nos resta rezar para que consiga. Deste modo os jornalões paulistanos que se dilaceram na competição para consagrar quem é o campeão de classificados, agora, se esfolarão na disputa celular.

Se o cenário se confirmar, teremos o leitor da Folha comprando o Estadão para ver as mazelas da Telesp-celular privatizada e o leitor do Estadão comprando a Folha quando ficar insatisfeito com os serviços da BCP.

Dentro da lógica do marketing (hoje hegemônica em nossos impérios jornalísticos) o mais provável é que, num futuro não muito distante, os interessados assinarão um serviço telefônico e receberão de borla uma assinatura de jornal.

Ganha o consumidor. Perderá o cidadão.

 

Os Observadores