Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Beatriz Coelho Silva

PANELAS DA CULTURA

“Pinguelli recebe grupo de artistas e faz mea-culpa”, copyright O Estado de S. Paulo, 8/05/03

“Foi uma reunião de confraternização e mea-culpa. O presidente da Eletrobrás, Luiz Pinguelli Rosa, reconheceu ontem, para uma comissão de artistas e para o secretário-executivo do Ministério da Cultura, Juca Ferreira, a necessidade de estabelecer novos critérios para a aplicação dos R$ 18 milhões na área cultural em 2004. Ele também reiterou a importância do papel do ministério e lamentou que o contato com seus representantes tenha ocorrido só agora, quando o governo já completou quatro meses e após um impasse com os profissionais de cultura. Os atores Marco Nanini e Marieta Severo, o cineasta Murillo Salles e o produtor Luiz Carlos Barreto participaram do encontro.

A Eletrobrás foi a primeira estatal a declarar obediência às diretrizes da Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência para a área de patrocínios, que exigiam contrapartidas e conteúdo de inclusão social nos projetos.

Profissionais do setor reagiram, provocando uma crise que só acabou anteontem, com o recuo do ministro-chefe da secretaria, Luiz Gushiken.

?Quisemos estabelecer critérios porque, na gestão anterior, o presidente da Eletrobrás tomava as decisões como um mecenas?, disse Pinguelli. ?Mas fomos cartesianos, até porque não entendemos de produção cultural. Somos engenheiros.?

À noite, artistas reuniram-se para comemorar a mudança das regras. ?Foi uma vitória de Luiz Gushiken, que corrigiu um equívoco, declarando que cabe ao ministério decidir a política do setor?, disse o cineasta Cacá Diegues, primeiro a criticar a Secom.”

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“Governo recua para conter rebelião na cultura”, copyright O Estado de S. Paulo, 7/05/03

“O governo recuou e restabeleceu-se a paz entre a Secretaria de Comunicação e a área cultural. Em reunião ontem no Rio com o ministro da Cultura, Gilberto Gil, e profissionais do setor, o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação do Governo, Luiz Gushiken, reiterou que cabe a Gil estabelecer a política cultural, que jamais pensou em chamar essa tarefa para si e classificou de ?um grande equívoco? a determinação de novas regras de concessão de incentivos para os projetos patrocinados pelas empresas estatais.

Gushiken disse que vai sugerir a supressão desses e outros critérios dos sites das empresas até que se estabeleçam novas diretrizes, ainda a serem discutidas. ?É melhor tirar, para evitar confusões.?

O cineasta Cacá Diegues, o primeiro a protestar contra essa diretriz, participou da reunião, evitou comemorar vitória, mas afirmou que sua inquietação quanto à liberdade de criação havia cessado. ?O Gushiken colocou o trem nos trilhos ao transferir para o Ministério da Cultura a primazia para a área?, disse ele. ?Agora cabe ao Gilberto Gil, que é um produtor cultural, como nós, estabelecer as novas regras. O importante é que a atividade não será interrompida. A decisão de Gushiken foi sábia e democrática e agora vamos recomeçar a trabalhar em nossos projetos.?

O encontro foi marcado por determinação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, em reunião com Gil e Gushiken na segunda-feira, pediu uma saída para o impasse. O ator Antônio Pitanga convocou os profissionais de cultura, também a pedido de Lula.

Gil chegou pouco depois das 11 horas no Palácio Gustavo Capanema, sede do Ministério da Cultura no Rio e encontrou, além de Cacá, os produtores Luiz Carlos Barreto e Marisa Leão, a atriz Marieta Severo, os produtores teatrais Fernando Liboneti e Luiz Fernando Lobo, o artista plástico Luiz Áquila e o maestro Edino Krieger, diretor do Museu da Imagem e do Som, do Rio. A atriz Letícia Sabatella veio mais tarde.

Gushiken só chegou perto das 13 horas, com um documento de seis itens em que muda radicalmente sua posição sobre o assunto. ?Tudo que pairou como ?dirigismo cultural? está esclarecido, dirimido?, disse ele.

?Nunca assumi para mim a formulação de uma política cultural, só tomei a iniciativa de buscar um padrão de pensamento dentro desse processo, o que não havia na gestão passada. Mas a Secon vai continuar a fiscalizar esse processo, já que é sua atribuição legal desde 1999.?

Assembléia – Gil, que viajou ontem à tarde para o Chile e o Peru, saiu satisfeito. ?O Gushiken reconduziu o ministério à frente das questões culturais e pôs as coisas em ordem?, comentou. ?Agora, a construção da política cultural se dará através do diálogo entre o ministério, a Secon, as estatais e os artistas.?

Hoje à noite, no Teatro Leblon, na zona sul, a decisão de Gushiken será levada a uma assembléia de produtores e profissionais da área cultural. ?Não vamos votar nada, só mostrar o que houve porque agora temos que trabalhar dobrado em nossos projetos?, concluiu Cacá.

O secretário-executivo do Ministério da Cultura, Juca Ferreira, disse que a volta da decisão para a pasta foi o grande ganho da discussão e lembrou: a própria obra de arte tem função social. ?Com os filmes em exibição, os músicos tocando, os espetáculos acontecendo e a arte chegando ao público, a contrapartida e a inclusão social já ocorrem?, lembrou.

A Eletrobrás, que foi o pivô da crise, ainda tinha, até o fim da tarde de ontem, os critérios de seleção de patrocínio em seu site, mas prometia retirá-los até a manhã de hoje.”

“Lula debela a crise”, Editorial, copyright O Estado de S. Paulo, 7/05/03

“Todas as tentativas que se fizeram, na história contemporânea, de impor ?cultura de cima para baixo?, vale dizer, deixar que o Poder estatal ou governamental, por meio de mecanismos diretos ou indiretos, comande os processos de produção cultural de uma sociedade, resultaram em retumbante fracasso, tanto por rebaixarem a qualidade dessa produção quanto por cercearem, em última instância, a liberdade de expressão artística e cultural. O viés político ou ideológico com que os regimes autoritários tentaram induzir a Cultura, a Arte – e até os esportes – sempre significou um retrocesso, um atraso, quando não uma patente violação da espontânea criatividade de um povo. Eis por que os produtores culturais brasileiros – de cinema, teatro, música, artes plásticas e demais meios de expressão – se mobilizaram rapidamente, logo que surgiram sinais de uma política de ?dirigismo cultural?, por parte da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica da Presidência da República (Secom).

Os novos critérios estabelecidos pela Secom, para as empresas estatais, no apoio a projetos culturais, dentro da sistemática de incentivos fiscais prevista pela Lei Rouanet e a Lei do Audiovisual, além de multiplicarem as exigências burocráticas de fiscalização e controle – para a liberação cronológica de recursos -, introduziram requisitos das chamadas ?contrapartidas sociais?, que foram interpretados como uma indisfarçável interferência no conteúdo (artístico, estético, socioeconômico ou de que ordem seja) das produções incentivadas. Na verdade, tais critérios já eram visíveis nos editais recentemente lançados pela Eletrobrás e por Furnas Centrais Elétricas. De um lado se cria a rigidez dos contratos, condicionando a liberação de verbas, por etapas, à prestação de contas anterior – o que pode resultar no emperramento pela burocracia do andamento de filmagens ou montagens de espetáculos, causando prejuízos incalculáveis a seus produtores ou investidores.

Muito pior do que isso, no entanto, é exigir-se que as produções, para serem beneficiadas pelo incentivo fiscal, cumpram determinadas exigências cunhadas como ?sociais? – seja a da ?valorização das tradições e identidade nacionais?, com toda a subjetividade de avaliação que isso implica, seja a da ?democratização do acesso à cultura e inclusão social de comunidades de baixa renda, com geração de emprego, renda e ocupação social?, o que significa a desconsideração de que Cultura e Arte valem por si, independentemente do desejável acesso popular que comportem – pois se disso dependessem jamais evoluiriam.

Algumas opiniões logo emitidas por conhecidos produtores culturais apontavam as distorções de entendimento contidas nesses novos critérios. O produtor de cinema Luis Carlos Barreto, por exemplo, dizendo que o dirigismo cultural é perigoso e frustrante, assim se expressava (em matéria do nosso Caderno 2 de segunda-feira): ?É muito grave a tentativa de formular uma temática. Isso vai resultar numa grande picaretagem cultural: um monte de gente vai começar a fazer projetos sobre reforma agrária e Fome Zero para conseguir patrocínio.? Já para o cineasta Cacá Diegues (em entrevista a O Globo, de sábado), os novos critérios representavam uma intervenção política e ideológica na criação artística. Diegues também se referia ao fato de o Ministério da Cultura, dirigido pelo compositor e cantor Gilberto Gil, ter sido alienado dessa questão fundamental para a produção cultural, em razão de a poderosa Secom ter assumido o comando, também nesse setor. Com tudo isso já se esboçava uma séria crise entre o governo e a classe artística e cultural do País.

Felizmente, no entanto, mais uma vez o presidente Luiz Inácio Lula da Silva interveio a tempo – o que já está se tornando um traço característico desse governo – para corrigir o que é conseqüência, principalmente, da bisonhice de quem chega pela primeira vez ao topo da hierarquia da administração pública, fazendo prevalecer o bom senso e debelando a crise. Depois da conversa com o presidente, o ministro da Secom, Luiz Gushiken, explicou que não pretendia impor ?dirigismo? à cultura, assim como esclareceu que as diretrizes da política cultural estão e continuam sob plena responsabilidade do Ministério da Cultura, comandado pelo compositor e cantor Gilberto Gil.

Então, resta apenas compatibilizar, nos encontros programados entre o governo e os produtores culturais, as necessidades de controle, nos investimentos em Cultura decorrentes de renúncia fiscal, e a plena e irrestrita liberdade de conteúdo das produções do País, no campo da Cultura e das Artes – pois só assim estas podem evoluir, em benefício da sociedade.”

 

NORMA BENGELL CONDENADA

“Norma Bengell terá de devolver dinheiro à União”, copyright O Estado de S. Paulo, 8/05/03

“Os ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) resolveram ontem aplicar multas num total de R$ 750 mil às responsáveis pelo filme O Guarani, produzido pela empresa NB Produções, de Norma Bengell e Sônia Nercessian. Além das três multas de R$ 250 mil – para a NB, para Norma e para Sônia – o TCU julgou irregulares as contas do processo de captação de recursos feito pela empresa, provenientes de incentivos fiscais previstos nas Leis Rouanet e do Audiovisual.

Por esse motivo, o tribunal também condenou as produtoras do filme a devolverem R$ 3,8 milhões, referentes a irregularidades detectadas pelo TCU, como a falta de comprovação de diversas despesas. Os ministros decidiram autorizar a cobrança judicial das dívidas se não forem atendidas as notificações.

O Guarani, que estreou em 1996, tornou-se um dos casos mais notórios de irregularidade na prestação de contas do cinema brasileiro. Além de ignorar a data para justificar as despesas, em dezembro de 1997, a cineasta e sua equipe apresentaram dados considerados insuficientes, o que obrigou a Secretaria do Audiovisual a cobrar a devolução de mais de R$ 4 milhões. Como a quantia não foi devolvida, a secretaria encaminhou o assunto à Secretaria de Controle Interno, que abriu processo no TCU.

Notas frias – Norma Bengell chegou a ser acusada de usar notas frias, emitidas por empresas fantasmas, na declaração das despesas. O Estado tentou ouvir a atriz e cineasta, mas ela não foi localizada pela reportagem.”