Thursday, 03 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

"Berlusconi vem aí", copyright no. (www.no.com.br), 2/05/01

MONITOR DA IMPRENSA


ASPAS

ITÁLIA
Araújo Netto

"Berlusconi vem aí", copyright no. (www.no.com.br), 2/05/01

"Neste momento, o homem mais temido pela imprensa das democracias mais importantes do Primeiro Mundo é um italiano que não é alto nem atlético, milanês de 65 anos de idade, 1,67m de estatura, tem a balança como signo zodiacal, casado duas vezes, pai de cinco filhos, eternamente preocupado em parecer mais alto, mais magro, mais jovem e menos careca. Há mais de 20 anos, foi premiado com um título que o ditador Benito Mussolini também mereceu: de cavaliere, distinção que na Itália os chefes de Estado anualmente conferem a industriais, comerciantes, políticos e profissionais liberais que se destacaram em suas atividades.

Formado em Direito, foi crooner de uma orquestrinha de transatlântico. Financiado por amigos e bancos ligados à Máfia siciliana, com a ajuda de prefeitos eleitos pelo antigo partido socialista, nos anos 70 começou a fazer fortuna no setor imobiliário, construindo casas e bairros inteiros em terrenos que lhe foram facilitados pelos administradores municipais de Milão. A partir do momento em que decidiu comprar e dirigir a operação de uma pequena emissora de televisão privada, lançou as bases do império formado atualmente por três redes nacionais de televisão, emissoras de radio, jornais, revistas, a maior editora de livros da Itália (Mondadori), produtoras e distribuidoras de filmes, salas de cinema, agências de publicidade e institutos de pesquisas de opinião. Hoje, ele é o dono absoluto da metade dos meios de comunicação da Itália.

É ainda um homem vaidoso e de gosto cafona. Em seu guarda-roupa, prevalecem os ternos azul-marinho, com jaquetões de oito botões que lhe disfarçam a barriga irreprimível. Calça sapatos de saltos altos, exige grossos almofadões para sentar-se e exibe- sempre o mesmo infalível e amplo sorriso. Mantém-se bronzeado o ano inteiro com a ajuda de lâmpadas ultravioletas. Tenta esconder ou diminuir as rugas maquiando o rosto com espessas camadas de base, ruge e creme para camuflar as olheiras. É também o Tio Patinhas da Itália, com um patrimônio pessoal avaliado em US$ 13 bilhões. Seu imposto de renda é mais alto do que o de toda a poderosa família Agnelli. O ranking dos multimilionários da revista Fortune o coloca entre os 15 maiores ricaços do planeta.

Chama-se Silvio Berlusconi. É novamente candidato ao governo da Itália, com o apoio de uma coalizão dos partidos mais representativos da direita de seu país. Diz-se certo de que após as eleições políticas do próximo dia 13 deste mês, voltará a governar a sexta potência econômica do mundo. A pouco mais de uma semana da eleição por todos considerada perigosamente importante para a estabilidade política e econômica da União Européia, provavelmente a primeira fase de um futuro Estados Unidos da Europa, Silvio Berlusconi continua a ser indicado por todas as sondagens como o provável vencedor das eleições que renovarão o parlamento e definirão o tipo de coalizão que governará a Itália, embora sua margem de vantagem sobre o candidato da coalizão de centro-esquerda, Francesco Rutelli, tenha se reduzido de 15 para 4 ou 5 pontos.

Vitorioso, Berlusconi irá governar a Itália por no mínimo cinco anos, e não só por sete meses como aconteceu em 1994, quando foi derrubado do poder por seu aliado mais caprichoso, oneroso e imprevisível: a Liga Norte, partido que liderado por Umberto Bossi pretende a separação das regiões ricas e desenvolvidas das pobres e atrasadas. Desta vez, Berlusconi tomou precauções contra uma nova traição. O próprio cavaliere revelou que a Liga assinou e registrou em cartório um verdadeiro contrato que lhe impõe obediência e lealdade ao futuro governo liderado por Silvio Berlusconi. Um governo que deverá seguir o mesmo princípio que inspirou sua gestão como presidente do Milan Foot-Ball Club: ?o importante é vencer a qualquer preço?.

A possibilidade da vitória de Berlusconi nas eleições desperta perplexidade e apreensão entre europeus e americanos que acompanham os últimos e decisivos dias da campanha eleitoral italiana. Qualquer estrangeiro com o mínimo de conhecimento da história do mundo contemporâneo, dificilmente pode aceitar que um povo, com a maturidade e a malícia do italiano, possa em pleno acreditar em um Berlusconi que se proclama ?ungido pelo senhor? e ?o melhor preparado e mais bravo líder do mundo moderno?. Um político que confessa ter hospedado numa das suas mansões – e tratado como um familiar – o mafioso siciliano Vittorio Mangano, grande operador de lavagem de dinheiro do tráfico de entorpecentes, assassino de três pessoas e condenado pela justiça de Palermo à prisão perpétua. Berlusconi se defende dos ataques acusando todos os seus críticos e adversários políticos do ?crime de ser comunista? – para ele, imperdoável.

Apelos dramáticos como o lançado por centenas de pensadores, professores, intelectuais, cientistas, juristas e artistas da estatura do filósofo Norberto Bobbio, os escritores Andrea Camilleri e Antonio Tabucchi e do ator Roberto Benigni não parecem ter surtido o efeito esperado. Dirigindo-se aos 49 milhões de eleitores habilitados a votar no domingo de 13 de maio, a fina flor da cultura, da ciência e das artes italianas afirmou que ?é necessário bater com o voto a chamada Casa das Liberdades (uma das denominações que Berlusconi encontrou para a coalizão de direita que lidera)?.

Há mais em jogo do que uma simples oposição de direita e esquerda, prossegue o manifesto. Berlusconi quer reformar a primeira parte da Constituição, que estabelece os valores fundamentais sobre os quais se apoia a república italiana. ?Ele anunciou uma lei que daria ao parlamento a faculdade de estabelecer as prioridades dos crimes a perseguir. Uma tal lei subordinaria o poder judiciário ao poder político, abatendo assim os pilares do estado de direito?. O documento afirma ainda que Berlusconi já foi condenado na Itália e no exterior e que constantemente insulta e desrespeita juízes. ?Um fato que nunca se verificou em todo o mundo. Mas somos ainda um país civilizado??

A hipótese de ter Silvio Berlusconi governando um pais líder da União Européia não intranqüiliza só a fina flor da inteligentzia da Itália. Nos últimos dias, provocou a mais veemente e radical manifestação de crítica e indignação de alguns órgãos da mais equilibrada e insuspeita imprensa liberal, conservadora e independente da Europa e dos Estados Unidos. Revistas e jornais como os ingleses ?The Economist?, ?Financial Times?, ?The Guardian?, o francês ?Le Monde?, o espanhol ?El Mundo?, os americanos ?Wall Street Journal?, ?Los Angeles Times?e ?The New York Times? fizeram reportagens deplorando a hipótese de um primeiro ministro italiano 14 vezes investigado e processado por corrupção, fraudes fiscais, subornos de políticos e magistrados e ligações com a Máfia siciliana.

?Numa democracia que tenha respeito por si mesma, seria impensável que o homem na iminência de ser eleito primeiro ministro esteja sob investigação, entre outras coisas, por lavagem de dinheiro sujo, cumplicidade em crime, ligações com a Máfia, evasão fiscal e corrupção?, escreveu a ?The Economist?. Para o ?Financial Times?, ?no caso de vitória eleitoral (de Berlusconi) haverá uma concentração de poder mediático maior do que a do ?1984? de George Orwell.? O Le Monde previu que ?a eleição de Berlusconi para primeiro ministro será um dia sombrio para a democracia italiana e para o estado de direito. Não há só problemas de transparência e honestidade, mas também o risco para as liberdades públicas, de instalar no poder um homem que controla metade dos meios de informação?. Uma situação que o ?Financial Times? comparou ao livro 1984, de George Orwell. Com a diferença que os italianos irão eleger o seu ?Grande Irmão?."

Valor Econômico / The Economist

"Sob medida para a Itália?", copyright Valor Econômico / The Economist, 2/05/01

"Em qualquer democracia dotada de amor-próprio, seria inimaginável que o homem cotado para ser eleito primeiro-ministro tivesse recentemente estado sob investigação por, entre outras coisas, lavagem de dinheiro, cumplicidade em assassinato, conexões com a Máfia, sonegação de impostos e suborno de políticos, juízes e fiscais de impostos. Mas o país é a Itália e o homem é Sílvio Berlusconi, muito provavelmente seu cidadão mais rico. Como nossas próprias investigações tornam claro, Berlusconi não é uma pessoa idônea para estar à frente do governo de qualquer país, e menos ainda de uma das democracias mais ricas do mundo.

Muitos dos defensores de Berlusconi, entre os quais se inclui a maioria dos empresários italianos, menosprezam essas críticas, afirmando que refletem ingenuidade, ignorância e malevolência. Dizem que a vítima da desonestidade foi Berlusconi, e não o povo italiano. Dizem que, desde que entrou na política, apenas sete anos atrás, ele foi perseguido por magistrados, jornalistas e políticos, todos de esquerda e todos invejosos da sua riqueza e temerosos da sua intenção de renovar a Itália e acabar com a velha guarda. E daí, indagam, se Berlusconi tivesse efetivamente subornado fiscais do imposto (sob coação, é claro)? Era assim que as empre-sas agiam na Itália quando ele fez fortuna. Ele não era nem melhor, nem pior que ninguém – apenas mais hábil e com alvos mais ambiciosos. Por que culpar o homem que tem visão, talento e coragem de oferecer seus serviços ao país de forma tão magnânima?

Além disso, prossegue o mantra de desculpas, ficou claro que a maioria dos italianos, inclusive muita gente da esquerda, já se cansou da interminável saga das disputas legais de Berlusconi. Muitos dos seus compatriotas têm uma admiração indisfarçada pelo modo como ele desconsiderou as leis tributárias – e a autoridade do Estado. Se ele pode se sair tão bem em seus negócios, certamente está mais qualificado para ajudar os italianos de modo geral.

Plausível, mas errado.

Infelizmente, nada nessa copiosa casuística é defensável. As questões e preocupações em torno de Berlusconi não são manifestadas apenas por seus opositores da esquerda. A idéia de que ele foi a principal vítima de desonestos fiscais de impostos e magistrados malignos é fantasiosa. Aqueles que o defendem nunca mencionam os prejuízos para o Estado – para o povo italiano, por outras palavras – causados pelo fato de os fiscais de impostos terem perdoado seus débitos em troca de suborno, segundo se diz. Além disso, Berlusconi está sendo investigado por crimes que não são meros pecadinhos cometidos ao enfrentar o emaranhado de normas e o exagero de minudência dos fiscais. Na verdade, sob o tortuoso sistema judicial italiano, em apenas um processo contra ele um veredicto final foi pronunciado: esse processo envolveu doações políticas ilegais e o tribunal não o julgou inocente. Mas nossa investigação mostra que ele deve responder a um processo sobre uma série de acusações graves. Por fim, a estranha e persistente relutância que ele tem demonstrado em explicar a origem das suas primeiras fontes de riqueza lança uma sombra sobre toda a sua reputação empresarial.

De qualquer modo, num país normal os eleitores – e provavelmente a lei – não teriam dado a Berlusconi uma chance nas pesquisas sem antes obrigá-lo a vender uma boa parte de seus consideráveis ativos. O conflito de interesses entre suas próprias empresas e as questões de Estado seria enorme. Ele tem o equivalente a um total de talvez US$ 14 bilhões, intrincadamente envolvidos em vastas áreas das finanças, do comércio, de rádios e canais de televisão italianos, com ramificações em quase todos os aspectos dos negócios e da vida pública; seu império inclui bancos, seguro, imóveis, editora, publicidade, meios de comunicação de massa e futebol. Mesmo durante o seu curto e malsucedido estágio anterior como primeiro-ministro, em 1994, ele emitiu uma série de decretos que influenciaram bastante suas atividades comerciais. Se vencer novamente no dia 13 de maio, terá sob seu controle 90% de toda a televisão nacional. Ele não fez o menor esforço para resolver esse claro conflito.

Por que há tão pouca preocupação?

Há razões históricas para o fato de tantos italianos estarem tão indiferentes aos argumentos a favor de manter Berlusconi fora do cargo supremo. O fato de por muitos anos eles terem tido poucas razões para respeitar as instituições ou normas do Estado é uma triste verdade. Até uma década atrás, a Itália era governada de acordo com um arranjo corrupto sob o qual todos os partidos tidos como respeitáveis, normalmente liderados pelos democratas-cristãos, governavam em coalizão perpétua, mas sempre mutável, para deixar de fora os comunistas e os fascistas. Depois da queda do Muro de Berlim, em 1989, os centristas e os ex-comunistas reformados ocuparam o espaço que se abriu na esquerda, enquanto o movimento de Berlusconi preenchia o vazio deixado na direita. A campanha das mani pulite (mãos limpas) contra a corrupção, depois de 1992, foi entusiasticamente apoiada pelo povo e a venalidade tornou-se menos generalizada do que antes. Mas persiste a velha atitude de desrespeito a leis, instituições e tribunais. E Berlusconi, mascateando amabilidade e um talento de ?showman?, persuadiu muitos italianos de que ele pelo menos representa uma coisa nova. Já mostramos, no entanto, que na questão fundamental da probidade não é bem assim.

O que está longe de significar que Berlusconi não ofereça algumas políticas sensatas, ou que a Itália não precise de reformas. O sistema judicial muito provavelmente lucraria com uma revisão. De fato, toda a Constituição está precisando de uma mudança. O Executivo está fraco demais, o Congresso está excessivamente propenso à indecisão, o sistema de votação tem uma proporcionalidade exagerada. Mas esses problemas são diferentes das questões envolvidas na suspeita de criminalidade na cúpula do governo.

A alegação mais forte de Berlusconi é que muitas das acusações contra ele – seja de conflito de interesses ou de crimes bem maiores – são conhecidas há anos e, no entanto, a maioria dos italianos parece não lhes dar importância. Por outras palavras, embora o Judiciário possa não concordar, o tribunal da opinião pública o julga inocente. Se o Judiciário é de fato politicamente motivado, essa é uma terrível condenação do Estado italiano. Se, pelo contrário, o Judiciário é independente, a absolvição pública é uma terrível condenação do eleitorado. De qualquer modo, a eleição de Berlusconi como primeiro-ministro assinalaria um dia negro para a democracia italiana e para o domínio da lei."

Marcos Sá Corrêa

"O estilo italiano", copyright no. (www.no.com.br), 2/05/01

"Nada como a política italiana para dar ao Brasil a sensação de que as coisas que acontecem aqui são normais. Lá, está no topo da lista de best-sellers o livro L’odore dei soldi – quer dizer, ?o cheiro do dinheiro? – em que o jornalista Marco Travaglio e o médico Elio Veltri dissecam ?as origens e os mistérios da fortuna de Silvio Berlusconi?.

Ou seja, do bilionário que provavelmente se elegerá primeiro-ministro da Itália na semana que vem. Como diz o editorial da revista The Economist, ele tem tudo para não governar qualquer país, ?muito menos uma das mais ricas democracias do mundo?. Há dez anos, acumula denúncias e processos por lavagem de dinheiro, evasão de divisas, compra de juízes e do fisco, corrupção política, cumplicidade com assassinatos e parceria com a Máfia.

Somando tudo, ele juntou um patrimônio orçado em 14 bilhões de dólares e, como diria o senador Jader Barbalho, nunca foi condenado, embora deva à Justiça mais de seis anos de prisão, fugindo de sentenças pelos alçapões da lei italiana. O sistema judiciário italiano anda há muito tempo atrás dele. Mas se move tão devagar que Berlusconi vai em frente.

Se o seu currículo é tão notório, por que o eleitorado não se livra dele? Responde The Economist: ?Ficou claro que boa parte dos italianos, inclusive muitos esquerdistas, acabou enjoando da interminável novela dos problemas legais do Sr. Berlusconi. Muitos de seus conterrâneos põem um olhar nem tão enviesado assim sobre a maneira como ele tirou de letra as leis tributárias e a autoridade do Estado. Se ele se deu tão bem, certamente está mais do que credenciado para ajudar os italianos em geral?.

O estranho é que a carreira de Berlusconi coroa uma década inteira de furiosa desinfecção da vida pública italiana, pelos juízes que em 1991 deram a largada nas Mãos Limpas, levantando uma onda de investigações para tirar os corruptos da política e os políticos dos negócios. Cerca de três mil acusados de molhar a mão de funcionários públicos ou receber propinas foram parar na cadeia durante os inquéritos. Os mais notórios, acompanhados pelo coro das ruas cantando ?ladrão, ladrão?. E os mais envergonhados se suicidaram na cela.

Aquilo parecia uma revolução de costumes. E, como outras modas lançadas na Itália, correu mundo. Espalhou-se na Europa pela Espanha e pela França, onde ganhou o codinome de judiciarização da política, e até no Brasil inspirou uma geração de jovens promotores que, inflada pela Constituição de 1988, encarava até o jogo-do-bicho.

No Rio de Janeiro, em plena guerra com os bicheiros cariocas, um presidente do Tribunal de Justiça chamado desembargador Antônio Carlos Amorim, que fazia uma fezinha nos efeitos especiais da magistratura, largou tudo para ir a Roma discutir o processo com o promotor Antonio di Pietro, o patrono das Mãos Limpas.

Hoje não é mais preciso viajar tão longe para encontrar di Pietro. Ele virou político. Mantém uma página na internet, onde em nome de seu movimento cívico Italia di Valori palpita sobre uma infinidade de assuntos, dos transgênicos ao mercado comum europeu. Está atualmente em campanha eleitoral e é possível vê-lo ao vivo, mexendo-se diante de uma minicâmera de vídeo. No alto da página, ele faz um balanço soturno dos processos que comandou até 1995. Depois deles, afirma, ?não mudou nada?.

É um desperdício. Agora que não está mais tão em voga quanto no começo dos anos 90, vale mais a pena do que nunca uma visita a di Pietro. Ele se transformou no melhor exemplo de que limpar o país no meio de uma febre de moralização é muito inspirador, mas não resolve. Contra a corrupção, o melhor remédio é a velha Justiça funcionar. (com Tito Montenegro)"

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