Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Bernardo Ajzenberg

FOLHA DE S. PAULO

"Biblioteca da salvação", copyright Folha de S. Paulo, 15/6/03

"A Folha e o ?Globo? retomaram na semana passada a política adotada em meados da década de 1990 de estimular a venda dos jornais acoplando-lhes um ?brinde? -no caso, uma coleção de 30 livros a preços, como se diz, convidativos.

Parece-me bizantina a discussão sobre se a iniciativa está certa ou errada -trata-se, afinal, de uma decisão empresarial legítima. Dos leitores vieram muitas críticas, mas também elogios.
O que merece reflexão, aqui, são as possíveis causas, a pertinência e a eficácia da iniciativa do ponto de vista institucional, além do modo como ela interferiu, até agora, na produção jornalística propriamente dita.

A venda dos principais jornais de circulação nacional do país vem caindo há cerca de sete anos, após o pico artificial entre 1994 e 1996 causado, justamente, pela política de ?brindes? (atlas, dicionários, livros etc). Abordei o tema aqui no último dia 23/2.

Ocorre que neste ano a situação não melhorou -e é, aliás, lastimável que a mídia, ágil e pródiga ao fornecer notícias negativas sobre outros setores, mantenha um ?silêncio ensurdecedor? quando o tema é sua própria saúde (ou a falta dela).

No primeiro quadrimestre, a Folha vendeu em média menos 7,4% do que no mesmo período de 2002; o ?Estado de S.Paulo?, menos 9,8%; e o ?Globo?, menos 5,6%. Em relação às médias anuais de 2002, as quedas foram de 6%, 5,9% e 3%.

Estima-se que, entre abril e o começo de junho, de 70 a 100 demissões de jornalistas ocorreram nas Redações da chamada grande imprensa ? Folha inclusive.

No último domingo, os leitores souberam da extinção do TV Folha (parcialmente compensada com a reedição da Ilustrada aos domingos) e, hoje, é a vez da Folha Vale (edição regional para o Vale do Paraíba, em SP).

A situação é crítica e cobra ação. Mas seria o aumento da circulação via ?brindes? -em que pese o mérito qualitativo da Biblioteca Folha- a melhor bóia de salvação?

Difícil responder, mas, como advogado dos leitores, observo os incômodos gerados pela maneira como a promoção tem sido encaminhada até agora.

Embaralhamento

Há um embaralhamento entre os textos jornalísticos normais e o material promocional da coleção que, até aqui, tem se dado em detrimento dos primeiros.

Domingo passado, a sobrecapa descartável que vendia a promoção embutia, num dos lados, material jornalístico (a coluna ?No Planalto? e uma reportagem). É fácil supor que milhares de leitores, ao descartarem a sobrecapa, fizeram naturalmente o mesmo com esses textos.
Além disso, o amplo espaço editorial dedicado à coleção -até mesmo um caderno especial com textos assinados pela Redação- chamou a atenção de alguns leitores, para os quais, como é óbvio, tal espaço deveria estar voltado mais para notícias e reportagens, e não para a auto-promoção.

Consultada sobre esse ponto, a Direção de Redação enviou o seguinte comentário: ?A Biblioteca Folha, pela importância literária dos livros que abrange e pela qualidade das traduções, tem um evidente interesse cultural. Não fosse por isso, a Folha teria noticiado a iniciativa, mas provavelmente não teria dedicado tanto espaço editorial a ela.?

Some-se a isso a espécie de loteamento acertado entre o jornal e o ?Globo? para as respectivas promoções, acordo que fez leitores da Folha de regiões importantes (RJ, ES e parte de MG, inclusive Belo Horizonte) deixarem de adquiri-la e comprarem o concorrente para ter o direito ao ?brinde?.

Um leitor de Juiz de Fora (MG) comenta que, assim, vê-se obrigado a ?assumir uma posição quase semestral [a promoção vai até o fim do ano] de oposição a este conceituado jornal?.

O lado operacional da campanha, aliás, foi objeto de uma ?Errata? publicada pelo jornal na quarta, na qual admitia ter omitido de peças publicitárias (inclusive da sobrecapa do domingo) que a promoção não atingia, por parte da Folha, aquelas regiões -causa de e-mails de leitores, principalmente de MG e do RJ, enfurecidos, indignados, que viram aí, em suas próprias palavras, propaganda enganosa.

Se haverá em outros Estados ou regiões compensações para tais perdas imediatas localizadas, cabe esperar para ver. Em qualquer hipótese, o descontentamento de leitores como esse, de Juiz de Fora, não deixará de fazer todo sentido.

A experiência das promoções da década passada mostrou retenção marginal, residual de leitores após a explosão das vendas, como já abordei na coluna de 23/2 -justamente porque a atração não era o jornal, mas sim os penduricalhos. Agora, nada indica que será diferente.
Reportagem da Folha, na quarta-feira, revelou que, com a distribuição gratuita de ?Lolita?, as vendas subiram 140% no último domingo. Era de esperar.

Cético, um leitor mandou a seguinte mensagem: ?É um sinal de que as pessoas compraram o livro e não o jornal. Comercialmente, um sucesso. Mas, para o ?ego? do jornal, um desastre?.

Vejo um pouco de exagero nessa afirmação, mas à luz da experiência passada, ela, no mínimo, dá o que pensar."

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"Fronteira sutil", copyright Folha de S. Paulo, 15/6/03

"Um leitor se sentiu ?perplexo? e outro falou em propaganda disfarçada. As críticas foram feitas à nota ?Liquidação 15? da coluna ?Painel S.A.? (no caderno Dinheiro) do sábado 7/6.
A nota dizia: ?Neste final de semana, quem ligar para qualquer Estado brasileiro usando o Super 15, da Telefônica, pagará no máximo R$ 0,06 e no mínimo R$ 0,02 (sem impostos). O desconto nas chamadas internacionais para qualquer país do mundo, em qualquer horário, será de 50%?.

Curiosamente, poucas páginas adiante havia um anúncio de meia página para a promoção.
O editor da coluna, Guilherme Barros, afirma que ?o objetivo foi prestar um serviço? e que ?qualquer outra conclusão a respeito da nota é indevida?.

?Acho que esse conflito serviço/propaganda existe mesmo, em muitos casos. Onde termina o serviço e começa a propaganda??, indaga o jornalista.

?Quando se noticia o lançamento de um filme, de um livro, ou quando se faz uma crítica de um restaurante, está se fazendo um serviço?, afirma Barros, ?mas não deixa também de ser uma espécie de propaganda?.

Cabe fazer algumas distinções.

Há as seções fixas e específicas nas quais o jornal divulga o que acontece numa cidade, com diferentes opções de espetáculos, filmes, restaurantes, eventos.

Há as reportagens sobre estréias ou lançamentos, com declarações, entrevistas e resenhas críticas, bem como edições sobre construção, testes de veículos etc.

Há também reportagens sobre ações setoriais sintomáticas (viações aéreas fazendo promoções conjuntas, por exemplo) ou sobre soluções empresariais que viram notícia pelo ineditismo.

Onde se encaixa a nota em questão? Sinceramente, não a vejo em nenhum desses casos."