Saturday, 04 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Bernardo Ajzenberg

FOLHA DE S.PAULO

"Goela abaixo", copyright Folha de S.Paulo, 6/10/02

"É recomendável que o assunto principal hoje, dia do primeiro turno, seja a democracia. Mas democracia não é só eleição.

Na quarta-feira, dia 2, enquanto as atenções do país se voltavam para os últimos momentos de campanha eleitoral, o ?Diário Oficial da União? publicou uma medida provisória (MP) que regulamenta a participação de capital estrangeiro, até o limite de 30%, nas empresas jornalísticas e emissoras de rádio e TV do país.

O princípio dessa participação tinha sido aprovado no Congresso, em maio, numa emenda constitucional. Aguardava-se, desde então, que seu detalhamento fosse definido pelos parlamentares com base num projeto de lei.

Porém, a cinco dias das eleições -como ressaltou a Folha ao noticiar a medida quinta-feira-, o governo federal, de modo surpreendente, optou por baixar as regras via MP, um instrumento legal que faz com que a regulamentação entre em vigor, sem discussão, imediatamente.

Se quando da aprovação da emenda constitucional o debate foi escasso, desta vez ele simplesmente inexistiu, sendo o assunto, no entanto, essencial para os interesses de toda a sociedade.

O direito à informação, afinal, é um instrumento de exercício da cidadania. A forma como se disciplina a estruturação dos meios de comunicação, por isso, diz respeito a uma das formas de como se exerce a democracia. É assunto público, não privado.

Pressão

Disse o ministro das Comunicações, Juarez Quadros, que se recorreu a uma MP devido ao caráter de ?relevância e urgência? da matéria. Relevância, sem dúvida. Mas urgência… para quem?

Quase todos os grupos de comunicação eram favoráveis a se aprovar o quanto antes a regulamentação, pois ela abre as portas, em tese, para que as dificuldades econômicas do setor -sem dúvida profundas, graves- sejam pelo menos diminuídas.

Segundo publicou a Folha na quinta, no entanto, dois grupos, Abril e Globo, ?eram os que mais desejavam uma medida imediata do governo, via MP?, por já estarem em negociação com investidores estrangeiros.

Aguardar que o assunto tramitasse como o previsto, no Congresso, levaria sua resolução para o ano que vem -e tais negociações poderiam ir por água abaixo. Daí a urgência…

Você, leitor, acha que se justifica o uso de uma MP, um instrumento excepcional, neste caso?

Ao adotar esse expediente, não estaria o governo atendendo, na verdade, à urgência de negócios privados de um ou dois grupos numa matéria complexa e delicada que diz respeito diretamente a interesses da sociedade?

Pode-se argumentar que o Congresso tem o poder de, ao fim e ao cabo, derrubar a MP. Ela, entretanto, já está em vigor, e ninguém em sã consciência imagina que, em nome da ampliação do debate público e democrático sobre os diversos pontos da regulamentação, a maioria dos parlamentares toparia agora ?peitar? os grupos de mídia diretamente envolvidos na pressão pela sua antecipação.

Apesar de toda a imprensa se ter posicionado repetidamente, durante anos, em editoriais, contra o uso abusivo e antidemocrático de medidas provisórias pelo Executivo, desta vez não vi um único comentário a esse respeito.

?O Estado de S.Paulo? e o ?Jornal do Brasil? publicaram sexta-feira editoriais de boas-vindas à regulamentação, mas passaram ao largo da forma como ela veio.

?Criticar a edição indiscriminada de MPs em questões alheias é um dever cívico, mas, quando se trata de assunto nosso?, parece ter pensado a mídia, ?tudo bem?."

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"Transparência tardia", copyright Folha de S.Paulo, 6/10/02

"Se você é daqueles leitores que costumam dar atenção à seção ?Erramos?, da página A3 do jornal, deve ter notado, especialmente, quatro casos ao longo da semana passada:

1) ?Diferentemente do publicado no texto ?Falta de fiscal pode dificultar aplicação da lei?, a Prefeitura de São Paulo aprovou em concurso 770 novos agentes vistores, mas ainda não os efetivou? (28/9);

2) ?O aeroporto de La Guardia fica em Nova York, e não em Newark, como informou legenda de foto publicada na capa do caderno…? (29/9);

3) ?Diferentemente do que informou o texto ?Secretaria de Cultura ocupará cine Olido?, a avenida São João não faz esquina com a praça Dom José Gaspar…? (29/9);

4) ?O Inca (Instituto Nacional do Câncer) estima que 2,5 milhões de brasileiros que têm entre 5 e 19 anos fumem, e não que haja este número de fumantes entre crianças de 5 a 10 anos, como foi publicado no texto ?Fumantes vão receber tratamento do SUS?. A estimativa de mortes no mundo relacionadas ao fumo é de 4 milhões por ano, segundo o Inca, e não de 10 milhões até 2030 como informou a reportagem? (4/10).

O que esses ?Erramos? têm em comum?

É que, apesar de terem sido apontados por leitores ou pela crítica interna do ombudsman no dia em que saíram no jornal e de serem evidentes ou passíveis de checagem imediata, os erros a que se referem só foram corrigidos pelo menos duas semanas depois de publicados.

Caso 1: 14 dias; caso 2: 20 dias; caso 4: 34 dias.

O caso 3 chega a ser pitoresco: foram 44 dias para o jornal reconhecer que inexiste no centro de São Paulo uma esquina São João/ Dom José Gaspar.

Não há dúvida de que a simples edição da seção ?Erramos? expressa um comportamento nobre do jornal, um compromisso de transparência.

Quantos veículos de comunicação -e todos, como se sabe, cometem erros- mantêm seção diária semelhante?

Essa ousadia, porém, não dá à Folha o ?direito? de esquecer ou postergar correções inexplicavelmente, ainda mais aqueles casos de erros óbvios. Pelo contrário.

Ao fazê-lo, como nesses exemplos, o jornal subestima a memória do leitor e agride a grandeza ética que a própria existência da seção ?Erramos? revela."

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"Questão de interpretação", copyright Folha de S.Paulo, 6/10/02

"A cobertura do debate entre os principais presidenciáveis na TV Globo, quinta-feira, recebeu diferentes enfoques nas capas dos jornais no dia seguinte.

Folha: ?Serra é mais atacado que Lula no debate?.

?O Estado de S.Paulo?: ?Debate de poucos ataques fecha campanha?.

?Jornal do Brasil?: ?Debate equilibrado mantém posições?.

?Valor Econômico?: ?Disputa por 2? lugar domina último debate?.

?Gazeta Mercantil?: ?Campanha acaba em melhor nível do que começou?.

Mas notável mesmo foi o ?Globo?, justamente o jornal vinculado à emissora.

Na edição inicial, a manchete foi ?Candidatos mantêm troca de acusações no último debate?.

Numa edição atualizada, inversão de 180 graus: ?Candidatos evitam troca de ofensas no último debate?.

Todo mundo pode mudar de opinião. Mas esse caso é, no mínimo, curioso. Merece registro."