Friday, 04 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Bernardo Kucinsky

CRÍTICA DIÁRIA

“Cartas Ácidas”, copyright Agência Carta Maior (www.agenciacartamaior.com.br)

20/5/02

“Paradoxos do jornalismo dos dossiês

Mais uma safra de dossiês aponta para corrupção sistêmica na administração FHC. Os dossiês fazem estragos específicos. Mas a administração FHC a tudo resiste, impávida. Esse é um dos paradoxos do jornalismo denuncista: caem sucessivamente Jader Barbalho, ACM, Eduardo Jorge, Luiz Carlos Mendonça de Barros e muitos outros. São fechadas agências importantes do governo, como Sudam e Sudene, mas o governo sobrevive incólume, como se não fosse com ele.

O outro grande paradoxo, o jornalismo dos dossiês é praticado em nome da justiça, mas a primeira coisa que faz é rifar a justiça. Os dossiês misturam denúncias sérias e levianas, que ainda precisam ser investigadas pela polícia ou pelo ministério público. Depois precisam ser oferecidas as denúncias específicas e feito um julgamento. Enquanto a sentença não transitar em julgado, ou seja, serem esgotados todos os recursos, a pessoa deveria ser presumida inocente. Mas o jornalismo dos dossiês destrói reputações sem ligar para nada disso. A própria imprensa faz papel de polícia, de juiz e de carrasco: investiga, denuncia, julga e pune.

Ruim com ele, pior sem ele

O jornalismo dos dossiês é uma forma de violência jornalística. Mas como a justiça no Brasil praticamente não funciona para crimes cometidos pelas elites, a opinião pública legitima e aplaude o jornalismo de dossiês. Os próprios promotores públicos adotam a imprensa como força auxiliar, para quebrar os bloqueios da justiça à punição dos poderosos. Foi com doce constrangimento que os procuradores lamentaram na TV o vazamento à imprensa da investigação sobre a máfia da propina. Luiz Francisco, um dos principais representantes da nova geração de promotores, não esconde que essa é a tática, inspirada na operação mãos limpas da Itália.

A regra e a exceção

Cada denúncia é tratada editorialmente, nesse tipo de jornalismo, como um fato isolado e de natureza criminal, como um desvio de conduta. Não é feita a contextualização sociológica adequada. Se fosse, logo perceberiam que a corrupção não é apenas um traço moral isolado de um ou outro dos protagonistas do poder. É um dos principais atributos desse tipo de bloco de poder. Um atributo tão importante que seleciona quem vai ser partícipe do bloco e quem não vai ser. Trata-se de um bloco unido por interesses patrimonialistas de oligarquias políticas e de grupos empresariais. Nesse sistema político, caracterizado pela troca de favores e pelo clientelismo político, a corrupção é a regra e não a exceção.

O leitor, mais esperto, tira suas próprias conclusões: mais de 60 %, segundo o DataFolha, identificam a administração FHC com corrupção.

Denuncismo como padrão dominante

Istoé soltou um dossiê Henrique Alves, acabando com sua candidatura a vice na chapa de Serra. Época soltou um dossiê sobre o tráfico de influência e uso de propinas no governo envolvendo o senador paraibano Ney Suassuna. Até a sisuda Carta Capital entrou no jogo do jornalismo de dossiês, com uma prévia de denúncias contra Garotinho, baseadas em gravações. Um estranho despacho da justiça do Rio proibiu a veiculação da reportagem, mas só a história dessa proibição já fez um grande estrago em Garotinho.

Nem Pazzianotto escapa

A mais chocante denúncia da safra desta semana é em parte requentada: a de que o esquema de corrupção do juiz Nicolau no TRT de São Paulo vendia sentenças trabalhistas que afetavam categorias inteiras e rendiam propinas de milhões a certos juízes. Nem o atual ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Almir Pazzianotto escapou das acusações, feitas pelo empreiteiro Fábio Monteiro de Barros. O empreiteiro joga farofa no ventilador. Diz que a corrupção nas sentenças vinha de longe, ainda da época do governador Montoro, que ao descobrir a malandragem mandou o Pazzianotto para Brasília.

Corrupção e política econômica

Fábio Monteiro retoma a acusação de que Eduardo Jorge interferia direto nos julgamentos de dissídios usando o juiz Nicolau para derrubar demandas de grevistas que na opinião do Palácio prejudicariam o Plano Real. Nos dossiês da semana passada ficou evidente o papel da corrupção nas privatizações. Dois exemplos sobre o caráter sistêmico da corrupção e seu papel central na implementação da política econômica.

A demonização do PT já está na agenda

Florência Costa listou na Istoé os oito ?mísseis? que o PSDB pretende disparar contra o PT. Mas a imprensa já vem disparando esses mísseis há algum tempo. Os últimos são a capa de Veja e a entrevista do Estadão de domingo com Palloci, que disparam o ?míssil? número 3, (falta de coerência entre o discurso de Lula e o documento ?Concepção e Diretrizes do programa de governo do PT para o Brasil?).

O artigo do ex-banqueiro Alcides Amaral, no Estadão de hoje, é o míssil numero 1 da lista da Istoé (o espectro da crise da Argentina). Termina alertando que os bancos já adotaram a crise argentina como referencial para futuras crises no Cone Sul, inclusive no Brasil.

O caderno Cotidiano da Folha vem se dedicando sistematicamente a explorar uma das principais vitrines do PT, a administração Marta (?míssil? 5 da lista).

A pergunta que se coloca é a seguinte: foram os tucanos que se inspiraram na mídia para fazer a lista de seus ?mísseis? anti-PT ou é a mídia que está sendo pautada pelos tucanos?

Retrato do Brasil

Cem novas favelas surgiram no Rio de Janeiro apenas nos últimos dez anos e mais cem estão em processo de formação. Os dados são do Instituto Pereira Passos e renderam a manchete do O Globo de domingo. Além da invasão de novas áreas, as favelas antigas não param de crescer. O Instituto comparou dados dos censos do IBGE de 1991 e 2000, concluindo que a população favelada no Rio de Janeiro cresceu a uma taxa de 2,4% ao ano, enquanto a do município como um todo cresceu apenas 0,38%. Em 1991, as favelas tinham 882 mil habitantes. Em 2000, já tinham 1,09 milhão.

Armadilhas estatísticas do IBGE

O Instituto Pereira Passos mapeou 704 favelas e mais 100 novas áreas invadidas, detectadas por fotografia aérea. O levantamento do instituto destrói as estatísticas de favelados do IBGE, nas quais só constavam 384 favelas em 1991 no Rio de Janeiro e 513 em 2000, porque não considera ajuntamentos de menos de 51 casas. Comentando os novos números, o sociólogo da UFRJ, Luiz César Queiroz Ribeiro, especialista em planejamento urbano, diz que ?falta ao Brasil uma política habitacional adequada?.”

22/5/02

Quando a mídia confunde em vez de explicar

Como maestro de uma orquestra, FHC deu o tom geral da ofensiva contra Lula: acenar com o medo de uma crise à la Argentina, e vincular esse medo ao preconceito de que Lula não tem competência para governar. Foi manchete no JB e no Estadão. Lula respondeu bem no caso da crise Argentina, invertendo a acusação, e Ciro Gomes reforçou, na mesma linha. Se o Brasil continuar como está, aí sim vai acabar numa Argentina. E como fica o leitor: o Brasil tem que mudar para não virar uma Argentina, ou o Brasil tem que continuar como está para continuar uma Argentina? Impressionante como o debate das grandes questões nacionais no Brasil se tornou tão viciado, instrumentalizado, dominado e distorcido pelos sofismas e pela manipulação.

Com lidar com a difamação?

Outro problema desta campanha é o jornalismo dos dossiês e das gravações.A essência desse fenômeno consiste numa articulação de algum grupo de interesse com a mídia, produzindo acusações que fazem um grande estrago à imagem e reputação de pessoas e organizações, muitas vezes irreversível, mesmo que as suspeitas ou acusações não se confirmem..

Na esfera da manipulação jornalística

È difícil aos acusados lidar com a malícia das reportagens.Nos dois casos desta semana, os jornais usaram truque narrativos diversos para confundir em vez de esclarecer. No caso de Brasília, quem pediu a investigação e apresentou denúncia à Polícia e ao Ministério Público foi a direção que assumiu em 2001, formada por Jorge Eduardo e José Eudes, ambos do PT. Mas é o PT que aparece nas narrativas como suspeito. Ás vezes de modo indireto: ?Fitas põe oposição sob suspeita no DF.? Os acusados principais são do PCdoB, e do PPS, mas, mas para o leitor, oposição é igual a PT.

E a hipocrisia dos donos de jornais

Os donos dos jornais também estão preocupados, mas não com a ética desse tipo de jornalismo e sim com, com a tendência da justiça de multar pesadamente os abusos da imprensa.Esse foi o objetivo do seminário organizado pela ANJ no Distrito Federal:?Imprensa e dano moral- responsabilidade Civil e Penal.? .O editorial do Estadão de hoje, ?O denuncismo e a indústria de indenizações?, endossa a fala do ministro Marco Aurélio que critica jornais que ? acusam sem apurar.? O Estadão admite que isso tem acontecido com freqüência, ?prejudicando às vezes de modo irreversível a reputação de pessoas.. Mas ataca a que chama de ?falta de critérios?, nas multas que vem sendo aplicadas pela justiça. O verdadeiro objetivo do seminário é criar um clima contrário à aplicação das multas indenizatórias. Estão na contramão da necessidade social de coibir essa onda de crimes contra os direitos à imagem e à reputação praticada pela imprensa.Os donos dos jornais propõe multas menores, justamente numa era em que o jornalismo denuncista tornou-se um padrão da cobertura, que só poderia ser inibido com multas maiores e não menores.

Manchetes que os jornais não deram

?Dissidentes do PMDB lançam manifesto conta Serra? Reunião e manifesto de grande importância, que a mídia governista, constrangida, deu em cantos de página e como se fosse apenas um manifesto de Sarney. A Folha checou a dar o titulo:?Sarney diz que aliança com tucano é um suicídio? Ora, não foi Sarney, foi o manifesto assinado por todos os participantes.

?Taxas de juros do Brasil é a maior do mundo?

A comparação feita todo mês pela Globalinvest chegou ontem á tarde às redações, mas entre os jornais de referência nacional só a Folha deu, mesmo assim de modo parcialmente escamoteado, na abertura do caderno de dinheiro. A Folha dá a tabela de juro real dos últimos 12 meses, em que o Brasil ficou no segundo lugar com 9,6% ao ano, depois da Polônia, com 16,7%. Mas na tabela de juro real atual projetado para o ano, que a Folhanão deu o campeão é mesmo o Brasil com 14,5% contra 13,3% da Polônia.

Auto-censura sistemática

Todos os meses a Globalinvest publica a análise comparativa das taxas de juros de 42 economias importantes. Todos os meses, o Brasil disputa o triste primeiro lugar. Todos os meses os jornais ignoram o trabalho da Globalinvest.

A supressão dessa informação não pode ser atribuída à falta de importância. Poucas taxas são mais importantes hoje numa economia globalizada do que as taxas de juros comparadas dos vários países. Portanto, a informação é relevante para empresários de todos os setores que exportam. E a informação é também oportuna, porque a Globalinvest libera cada novo estudo ás vésperas das reuniões do COPOM, como aconteceu também desta vez.

O mistério da cabeça dos editores de economia

A reunião do Copom é hoje. O estudo a Globalinvest é quente, uma bomba jornalística.Então, por que só a Folha deu? Isso ainda é um mistério. Ninguém mandou os editores suprimirem essa informação. Não há censura à imprensa no Brasil. Seria ignorância dos editores? Seria mancomunação direta com Malan? Esse é um exemplo notável do mecanismo de supressão da informação para evitar sua possível influência na formulação de um discurso crítico dos rumos da economia. Como dizer que os fundamentos de uma economia são sólidos, como Malan repete ad nauseam, se ela cobra os juros básicos mais altos do mundo??

O denuncismo e a indústria de indenizações, editorial OESP, 22/5/02

O seminário ?Imprensa e Dano Moral ? Responsabilidade Civil e Penal?, promovido em Brasília pela Associação Nacional dos Jornais (ANJ) e pela Escola da Magistratura do Distrito Federal, além de realizar um importante painel ilustrativo dos conflitos que se criam na defesa de dois valores próprios do Estado Democrático de Direito ? e apenas dele ? que são, de um lado, a plena liberdade de comunicação e transmissão de informações e, de outro, a garantia dos direitos de personalidade, trouxe o aprofundamento da reflexão sobre dois temas bem recorrentes, atualmente, na comunicação social brasileira: o denuncismo e a ?indústria de indenizações?.

Quanto ao primeiro, o ministro Marco Aurélio Mello, presidente do SupremoTribunal Federal (STF) ? e presidente da República interino ?, referiu-se a um cenário ?de denuncismo, de exacerbação de matérias e de verdadeiro sensacionalismo?, que tem lugar em nosso país. ?Não raramente alguns jornais, ao divulgarem a denúncia alheia, acusam sem apurar, sem ouvir a outra parte. Colocam o réu sem defesa na prisão da opinião pública.

Enfim, condenam sem julgar? ? disse o presidente do Supremo. De fato, significa uma profunda distorção da liberdade de imprensa, que é conquista essencial das Democracias modernas e das nações civilizadas, a pretensa transformação de jornalistas em autoridades judicantes. A liberdade que têm os profissionais de comunicação de informar e, mais importante do que isso, o direito que tem a população de ser informada não podem ser justificativa para a divulgação irresponsável de fatos não comprovados, coisa capaz de prejudicar, de modo às vezes irreversível, a reputação das pessoas. E, infelizmente, essa prática não tem sido rara, em nosso país, por parte daqueles que colocam os valores argentários ? quando não ideológicos (ou ambos) ? acima das tradições do autêntico jornalismo.

O outro tema de maior relevância, que trouxeram o próprio presidente do Supremo e o presidente da ANJ, Francisco Mesquita Neto ? diretor-superintendente do Grupo Estado ?, diz respeito à falta de critério com que têm sido fixadas, judicialmente, indenizações por danos morais contra empresas jornalísticas, que podem chegar a valores exorbitantes, capazes de lhes inviabilizar a sobrevivência econômico-financeira ? especialmente em se tratando de pequenos jornais do interior. ?Torna-se perfeitamente possível que veículos brasileiros se vejam inviabilizados pelas indenizações a eles impostas?, afirmou o presidente da ANJ, acrescentando que essas elevadas quantias determinadas pela Justiça por danos morais ?apontam na direção do surgimento de uma indústria de indenizações? e ?podem sinalizar uma ameaça de asfixia econômica de jornais, revistas e emissoras, abalando ou eliminando as condições de sobrevivência dessas empresas?. Deixando claro que os representantes da imprensa não estavam, de maneira alguma, defendendo a impunidade e ?muito menos a irresponsabilidade?, Mesquita lembrou que a lei de imprensa de 1967, mesmo autoritária e distorcida, prevê os riscos que os jornais podem enfrentar, caso cometam alguma injustiça. ?Mas não é o que ocorre agora com as indenizações por danos morais (baseadas na Constituição de 1988), já que não se sabe quais os critérios para fixação dos valores e inexistem limites para os montantes a serem desembolsados em razão dessas sentenças? ? afiançou o dirigente da entidade, informando que, atualmente, mais de 50 jornais brasileiros enfrentam ações por alegados danos morais.

Por sua vez, o presidente do STF observou que tais indenizações ?não podem ganhar contornos lotéricos, como se a pessoa tivesse acertado na loteria? e concluiu: ?Se o objetivo maior (da indenização) é inibir (as matérias jornalísticas irresponsáveis), caberia muito mais a responsabilidade penal do que a responsabilidade civil.?

Das discussões levadas a efeito no seminário veio à tona a aparente contradição de uma Constituição que, de um lado, proíbe qualquer restrição à liberdade de expressão ? e mesmo a possibilidade de que uma lei futura possa deteminar esse cerceamento ? e, de outro, assegura a plena proteção à privacidade, à intimidade, à honra e à imagem das pessoas. Claro ficou ? inclusive pelas pertinentes observações do presidente do Supremo ? que o critério para a melhor interpretação dessa questão será sempre a relevância do interesse público, na transmissão de informações pelos veículos de comunicação social.

24/5/02

A bela e fera

Rita foi escolhida por José Serra e seu marqueteiro Nizan Guanaes por ser bonita e mulher, acusou Pedro Simon. ?Serra escolheu com o dedo de Nizan?, disse O Globo. A Folha conta que ela foi recebida ontem em Brasília aos sussurros de ?a bela?. Simon acusou a cúpula do PMDB de ter usado o critério da beleza e não o critério da política. Na sua primeira coletiva como pré-candidata a vice, Rita não conseguiu negar o critério da beleza. Saiu pela tangente: ?não é demérito ser mulher e ser bonita; não é porque é loira que é burra.

?Uma festa para os olhos?, diz Wilson Figueiredo no JB de ontem, fazendo uma ironia com o troco que o PSDB deu aos pefelistas, colocando a bela Rita, depois de forçar a saída da bela Roseana. ?A democracia se aperfeiçoa no Brasil a olhos vistos?, diz ele.As ideais da candidata, ora … esqueçam as idéias

Rita é uma deputada com idéias fortes, autora de leis importantes, como a da licença-maternidade. Mas a prova dos nove de que o critério exclusivo foi de marketing é que ela foi escolhida não por causa de suas idéias, e sim apesar de suas idéias. Rita vivia criticando FHC. Votou com a oposição em temas importantes, como as privatizações, as reforma da lei trabalhista e a emenda a da reeleição. Era tão contra do contra que a mesma cúpula do PMDB que a escolheu a chamava de outsider, revela a Folha de ontem.

Escondendo sentido essencial da notícia

Como entender o noticiário, se ele negligencia o sentido essencial dos fatos relatados? Os jornais escamotearam durante dois dias a gravidade dos conflitos surgidos no interior do PMDB em torno da escolha do vice. Com exceção parcial da Folha, continuam escamoteando. A Folha dá manchete interna: ?Simon ameaça agir contra a aliança entre PSDB e PMDB?. A reportagem revela , dois dias depois, que foi ?dura? a conversa entre Temer e Simon.

Temer chegou a pedir que Simon renunciasse publicamente em benefício de Rita. Num relato na manhã desta sexta, na CBN, Franklin Martins revela que Pedro Simon acha que foi usado maquiavelicamente pela cúpula governista do PMDB, apenas para dar aparência de democrática à luta interna e legitimar uma escolha que já havia acertada antes entre Serra e Temer. Simon saiu atirando.

Placar do PFL: 16 a 11 contra Serra

Também os conflitos entre Serra e o PFL vêm sendo escamoteados pelos jornais. É preciso uma lupa para encontrar a boa informação. Como é o caso da materinha da Gazeta Mercantil desta sexta, intitulada: ?16 a 11 para Ciro no PFL contra Serra?. No encontro de quinta-feira à noite, a executiva nacional do PFL apurou que a maioria dos diretórios estaduais quer apoiar Ciro Gomes, e não Serra. A Folha confirma o placar de 16 a 11, mas num texto confuso que esvazia o sentido principal da informação. E numa noitinha separada, no Painel, acrescenta outro placar contra Serra: Ciro tem apoio dos 6 dos 8 pré-candidatos a governador do PFL.

Serra pode perder quase metade do tempo de TV

Essa é a principal implicação do balanço feito pela cúpula pefelista em Brasília e que Folha, Estadão e outros jornais omitiram. Sem esse dado não se consegue dimensionar a importância da notícia e, portanto, seu sentido. Apenas a Gazeta Mercantil, no último parágrafo do seu despacho, teve a coragem de dizer as coisas claramente: ?Caiu por terra o sonho do PSDB de contar com o tempo de TV do PFL. Coligado com o PFL, Serra teria 20 minutos diários. Sem o PFL e só com o PMDB terá apenas 11 minutos.? Com a agravante de o tempo do PFL ser rateado entre todos, inclusive entre seus adversários.

A supremacia do marketing sobre a política

Desde que o marketing político foi inventado nos Estados Unidos, as campanhas presidenciais se tornaram operações sofisticadas de venda de uma imagem, nas quais o candidato é maquiado e treinado para dizer exatamente aquilo que o eleitor quer ouvir. Mas o Brasil inovou a teoria e prática do marketing político: pela primeira na história, a própria escolha de quem deve ser candidato é ditada pelo marketing político. Com as escolhas sucessivas, e pelo mesmo marketeiro, de Rosena Sarney pelo PFL e, depois, de Rita Camata pelo PSDB, os critérios de marketing vêm derrotando os critérios políticos nas disputas presidenciais.

Paradoxalmente, a partir desse critério de escolha, o marketing deixa de ser essencial, porque não há muito o que criar ou adaptar na fala ou na imagem do candidato. Ele já foi escolhido por ser adequado. Assim com Roseana: ela apenas tinha que aparecer com sua cara bonita, não falar nada de nada, muito menos de política. Emplacou 20% fácil.

E a beleza como mascaramento da política

Jânio de Freitas desvendou o sentido essencial da escolha de Rita na sua coluna de sexta-feira, na Folha: Nizan Guanaes, o marketeiro de Serra, concluiu que, sozinho, pelas suas qualidades ou propostas políticas, seu cliente não chegaria ao segundo turno. Daí a necessidade de um reforço de natureza não política, mas exclusivamente emocional e estética. O raciocínio de Jânio de Freitas é fulminante, porque mostra o critério da beleza não apenas como um artifício de marketing que tem por objetivo ajudar a política, mas como a substituição da política. O papel de Rita é ofuscar, com o brilho de sua beleza, o perfil político do bloco de poder em torno de Serra.

Um alento para a candidatura Serra

Os dados das duas últimas pesquisas, da Vox Populi e do Ibope, confirmam o declínio da candidatura Serra, ameaçada de perto por Garotinho. Mas o cenário deve se modificar substancialmente com a indicação de Rita Camata pelo PMDB. É o que diz a especialista Lúcia Avelar, em entrevista na página A6 da Folha desta sexta-feira. Lúcia é autora de um estudo quente sobre o papel da mulher na política, lançado pela Fundação Konrad Adenauer. Ela diz que Rita vai herdar muitos dos votos que ficaram órfãos com a saída de Roseana. Com a vantagem, sobre Roseana, de ter mais estofo político.

Nem os gringos gostaram do Copom

Continua a repercutir pessimamente a decisão do Copom de manter as absurdas taxas do juro básico. O caderno dinheiro da Folha desta sexta dá destaque ao pessoal de Wall Street reclamando que se tivesse baixado os juros, o BC teria dado uma demonstração de confiança. Acabou gerando desconfiança. Cada vez mais se reforça a percepção da Carta Crítica sobre a teimosia em manter os juros altos, que vem desde a reunião de abril, vai entrar na história como um dos grandes erros da política monetária de FHC, só perdendo para a teimosia de Gustavo Franco em não desvalorizar o real em 1998.

Nunca antes uma decisão do Copom foi tão mal recebida. O país está cansado dos juros anômalos. Nem os especialista aceitaram a explicação de Copom. O único argumento, inflação, não se sustenta, porque toda a inflação hoje é provocada por tarifas públicas, sobre as quais a taxa de juros não tem influência.

Não deixe de ler

O excelente artigo ?O efeito FHC?, na página B2 da Folha de quinta, em que Paulo Nogueira Batista critica duramente FHC. E duas reportagens na Gazeta Mercantil de sexta: José Casado, na página A9, mostra a centralidade da questão do desemprego na campanha de Serra, e Ricupero, no topo da página A5, cobra clareza do governo na questão da negociações.

27/5/2002

Terrorismo financeiro: a fuga já começou

As lideranças do PT estão claramente assustadas com o ?terrorismo financeiro? e fazem de tudo para apaziguar os terroristas, ou seja, os banqueiros. Em entrevista de página inteira no Estadão de domingo, Mercadante faz juras de obediência à estabilidade e à responsabilidade fiscal. Na Folha de hoje, o presidente da Febraban responde com confetes e elogia o desempenho de Lula no debate da CNI. Mas a fuga de capital já começou.

Antes mesmo do fim deste mês (até o dia 23), empresas estrangeiras já tiraram do Brasil US$ 728 milhões, o dobro do que tiraram durante todo o mês de abril. Valor diz na sua edição do fim de semana que houve uma aceleração da remessa de lucros. Empresas estrangeiras antecipam ou intensificam remessas de lucros quando: (a) acreditam que vai haver uma desvalorização da moeda ou (b) reduzem seus planos de reinvestimento no país.

O fluxo de investimento direto estrangeiro também caiu de US$ 2,1 bilhões em abril do ano passado para US$ 1,5 bilhão em abril deste ano. A fuga de capitais já começou, alimentada pelas repetidas declarações de FHC, Malan e Armínio Fraga, de que o Brasil pode se tornar uma nova Argentina.

Os arrependidos da globalização

Pipocam na mídia os sinais de crise do paradigma neoliberal e as críticas ao papel do FMI na globalização. Veja, que propugnou o neoliberalismo global de modo tão agressivo, faz quase um mea-culpa esta semana, dando capa à pergunta: ?O que comemorar?? Sua conclusão: ?os países pobres ou em desenvolvimento podem reclamar que foram lesados?. No Estadão, Mário Vargas Llosa reconhece o fracasso de muitos planos econômicos impostos pelo Consenso de Washington e se refugia no argumento de que o aspecto fundamental da globalização não foi o econômico – ou como ele chama, ?o entrelaçamento mundial dos mercados? – e ?sim o avanço da legalidade e da liberdade pelo mundo todo?. O argumento é duplamente falacioso: nem está provado que houve um aumento da legalidade no mundo e uma coisa não justifica a outra.

Os desastres que o FMI provocou

Tanto Veja como Vargas Llosa discutem a crise da globalização a partir das idéias de Joseph Stiglitz, o economista prêmio Nobel. O Estadão cita um livro ?O mal-estar na Globalização?, publicado pela Taurus este ano. Veja cita Globalization and its discontents, anunciando que será lançado em breve no Brasil. Deve ser o mesmo livro. Stiglitz desanca as políticas impostas a países periféricos pelo FMI, na Malásia, Etiópia e Rússia. Acha um absurdo que equipes do FMI imponham receitas salvacionistas a partir de rápidas visitas de um grupinho de técnicos aos países de Terceiro Mundo afetados pro crises.

Campanha eleitoral vira uma grande lavanderia

Rita Camata mal havia sido designada para vice de Serra, já circulavam nas redações de Brasília dossiês contra os Camata. Outros dossiês estão circulando ou sendo montados contra Serra e também contra o PT. Esta campanha esta sendo uma guerra de dossiês e não um debate de idéias.

Da safra de dossiês usados neste fim de semana:

Veja revela que Jorge Negri, o próprio irmão do ministro da Saúde, Barjas Negri, faz lobby para a maior indústria farmacêutica fabricante de remédios genéricos no Brasil, a SME.Veja diz que ?teve acesso ao conteúdo de uma fita cassete em que? o diretor da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Luiz Felipe Moreira Lima, admite que o irmão do ministro faz lobby para empresas. Diz Veja que o lobista conseguiu até levar o dono da SME, Carlos Sanchez, a José Serra, quando o candidato tucano era ministro da Saúde.

Folha do domingo e IstoÉ descarregam as baterias em cima de uma nova ligação perigosa de Serra: com Vladmir Rioli, ex-vice-presidente do Banespa, acusado de ter favorecido empresas que não tinham garantias ou estavam em situação pré-falimentar com empréstimos do banco paulista.

Todas as revistas semanais trazem a denúncia do antigo amigo e parceiro de Garotinho, o empreiteiro Guilherme Freire, que agora o acusa de corrupção. Ele revela que Garotinho direcionava concorrências publicas e subornou fiscais da Receita Federal.

Nem o PT escapa

Sem munição para atingir o PT com grandes denúncias, a mídia está se valendo de ilações e suspeições e tenta compensar a fragilidade das acusações, multiplicando as denúncias. Uma acusação, porém, é séria porque partiu de ativistas do próprio partido. O Correio Braziliense tem sido a matriz geradora das denúncias dos sindicalistas Firmino Pereira do Nascimento e Marcos Pato de que dinheiro da associação de funcionários Asefe foi desviado por políticos petistas do Distrito Federal. Hoje, o Correio deu nova manchete de página inteira.

Na sexta, Firmino desmentiu formalmente suas acusações e pediu desculpas aos ofendidos. O Estadão deu o desmentido de Firmino apenas no último parágrafo de sua reportagem do sábado, encobrindo-a com um enorme nariz de cera. As revistas, tão apressadinhas na hora de acusar, não se apressaram a corrigir. IstoÉ endossou as denúncias dando enorme destaque as acusações, e sem mencionar o recuo de Firmino. Época e Carta Capital também agiram assim, embora com menos destaque.

Algo aconteceu a tal associação. Marcos Pato volta a fazer acusações no Correio de hoje. Mas o que aconteceu e quem são os culpados não está claro em nenhuma das reportagens.

Na entrelinhas da Folha

A Folha generaliza seus ataques conta Marta, fazendo um balanço do que chama de ?contratos sem concorrência? da Prefeitura de São Paulo. É um exemplo notável da narrativa baseada em ilações e na presunção de que algo está sendo escondido. Nada é irregular ou ilegal. Mas foi preciso esse balanço para que se pudesse ler, nas entrelinhas que: (a) a prefeitura está construindo 45 centros educacionais, dos quais 25 em caráter de emergência, para viabilizar 55 mil novas vagas já no início do ano letivo; (b) a prefeitura está construindo obras contra as enchentes em quatro regiões: Penha, Mooca, São Mateus e Aricanduva, a toque de caixa para enfrentar enchentes do próximo ano.

Se Marta invoca a emergência para acelerar obras, é colocada sob suspeita de corrupção. Se não invoca, é acusada de lerdeza ou negligência. Assim age um jornalismo que em vez de informar e contextualizar, apenas faz campanha.

Steinbruch desmente, mas não convence

Finalmente Steinbruch decidiu falar para desmentir que tivesse havido propina na privatização da Vale. Escreveu na Folha de domingo. Desmentiu, mas não convenceu. Steinbruch não parece incomodado com nada que se falou sobre o caso, exceto as declarações de Ermírio de Moraes, que perdeu para Steinbruch o lance pela Vale e disse que pelo menos saiu de mãos limpas.

Não deixe de ler:

Um bom artigo de Rubens Ricupero na página B2 da Folha de domingo em que ele retoma de modo mais meticuloso, a história de como o governo brasileiro decidiu negociar a Alca a partir de tarifas médias efetivamente praticadas, menores do que os tetos permitidos, que fragilizam nossa posição. No Estadão de hoje, Marcelo de Paiva Abreu discute o mesmo assunto na página B2 em ?tarifas no bazar eleitoreiro?, mas seu artigo é confuso e parece defender o governo. No entanto, esclarece que o critério criticado por Ricupero já foi adotado pelo governo nas negociações com a União Européia. Daí a dificuldade de mudar de posição agora.”