Wednesday, 09 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Bill Gates pisou no tomate

LITERATURA DE PANELINHAS

Silas Correia Leite (*)

Sobre o texto do Deonísio da Silva, de que o livro impresso não vai "morrer" por causa do notebook ou mesmo do e-book ou coisa que o valha, ao contrário do que apregoa o pouco visionário Bill Tequila Gates, gostaria de, como conhecedor da literatura virtual (ou digital), dar meu testemunho.

Como um chamado autor novo, imaginem, apesar de vários prêmios (até na USP), de constar em mais de 40 antologias literárias em verso e prosa, até mesmo no exterior, não tendo QI (Quem Indique, claro), e nem fazendo parte de uma panela qualquer ou clube de egos, venho aqui e ali tendo os meus cinco minutos de fama, a bem dizer, quase nada.

Assim, tenho que ser ainda mais criativo, vamos dizer assim, acima do padrão baixio das chamadas grandes editoras do eixo Rio-Sampa, e, como gosto de desafios, venho, aqui e ali, sacando idéias, tirando o burro da sombra. Pois foi numa dessas que, em 1998, bolei um livro diferente. Saquem só.

A princípio seria, claro, um projeto-proposta para uma chamada "Literatura Interativa em 3 Dimensões". Num kit, o livro impresso propriamente dito teria também uma versão formatada em disquete de computador, mais uma fita-cassete com o livro narrado pelo autor, com o final que mais gostasse. Esse livro teria 11 contos fantásticos com três finais cada, com, ponhamos, um feliz, um de tragédia, e um terceiro final politicamente incorreto. O leitor, então, comprando o bendito kit, poderia também escrever um final todo seu, como quisesse, qualquer enfoque, técnica narrativa, desfecho ou coisa que o valha, que mandaria à editora e, numa edição seguinte (esse é o lado interativo), depois de avaliados, os melhores finais (dos leitores) seriam inseridos. O livro se chamou O rinoceronte de Clarice, está lincado no site <www.hotbook.com.br/int01scl.htm>. O selo atualizado dos acessos ainda não foi trocado.

Espaços por atacado

Mandei bala. Escrevi, caprichei, enviei à editora Companhia das Letras, sei lá, gosto do nome. Devolveram (avaliaram bem?), dizendo que a obra não tinha sido aprovada. Mais nada. Claro que eu sabia que essa mesma editora, tempos antes, tinha "recusado" um livro do Machado de Assis, com outro nome, que um gaiato inteligente, da Folha Ilustrada mandara para ser "avaliado" [ver remissão abaixo para "Editores esnobam Machado de Assis"].

Vendo no então Diário Popular uma reportagem sobre o tal livro eletrônico, contatei a professora e jornalista Roberta Rizzo, da CBN Rio, e lá foi o meu bendito projeto virar e-book. Primeiro e único no gênero, de vanguarda, inédito (pesquisa em Nova York), foi um sucesso. Estourou em downloads. Hoje, pela última aferição, passa de 35 mil downloads. Aleluia.

Fui entrevistado pelo próprio Diário Popular, o Caderno 2 do Estadão noticiou, saiu reportagem na Folha, no JB Online, na ABI-Brasília, no Poetry Magazine (EUA), nas revistas Kalunga, Ao Mestre Com Carinho (Educação), Minha Revista (RJ), Revista da Web!, suplementos, fanzines, sites e outros espaços do arco da velha. Saravá, Bill Gates.

Concedi entrevista ao Metrópolis (TV Cultura), à TV Band (Márcia Peltier/Momento Cultural), a uma rede de TV a cabo, além de algumas rádios. Fiz exposições, palestra na Universidade de Palmas (paga), o bendito e-book foi até recomendado como leitura obrigatória na Universidade do Sul de Santa Catarina, no mestrado de Ciência da Linguagem, na disciplina Linguagem Virtual.

Lancei outro romance (Ele está no meio de nós <www.hotbook.com.br/rom01scl.htm>, passa de 25 mil downloads). Abri espaços na internet por atacado, colaboro hoje com mais de 80 sites, até em Portugal, na Argentina e, recentemente, na Venezuela.

Tecnologia e cultura se somam

Mas, como um neomaldito, continuo inédito em livro impresso, livro solo de ficção, apesar de ter ganho, entre outros prêmios, um recente Concurso Ignácio Loyola Brandão de Contos (Araraquara) e o Concurso Paulo Leminski de Contos, da Universidade do Oeste do Paraná. O premiado escritor José Silvério Trevisan, do Balaio de Texto, do site do Sesc, selecionou um outro inédito e diferente conto meu, chamado O Nicolau, que no dia 2 de maio, das 20h às 22h, estará sendo avaliado num chat online para os internautas interessados em cultura. É o valor da tecnologia de ponta. Uma editora de Portugal (se não me engano a própria do Saramago) me sondou sobre lançar o livro por lá. Ficou na sondagem, por ora.

Como escrevo desde os 8 anos, precoce, desde 16 para jornais (fiz uma Oficina de Jornalismo na USP e me saí muito bem), faz anos que colaboro com vários veículos de comunicação, do Maranhão ao Rio Grande do Sul ? escrevo todo santo dia ?, também me sondaram sobre um documentário sobre os meus inéditos (sic). Ver para crer. O plano agora é escrever três livros ao mesmo tempo, online, um romance, um de continhos infantis, um de poemas. Vai dar? Sou um tolo sonhador?

Pois a questão do e-book ou notebook veio à baila em várias entrevistas, debates e em todas defendi com unhas e dentes o bendito butim que é o livro impresso, como se uma alma paralela que nos enleva, ascende, bendiz. Claro que o tal livro do jeito que é será sempre insubstituível por séculos, graças a Deus. Assim como o vídeo não tirou a graceza do cinema, o picadinho não acabou por causa do hambúrguer, o livro sempre será impresso, e, apenas aqui e ali, o virtual terá sua acessibilidade funcional, sua leitura sazonal, porque, afinal, a tecnologia e a cultura se somarão, ainda bem.

Como se percebe, Bill Gates está errado, sonhando alto, pisando no tomate. Uma pena.

(*) Poeta, Itararé, SP; filiado à União Brasileira de Escritores; sites: <www.silaspoeta2222.kit.net> e <www.poetasilas.hpg.com.br>; e-mail: poesilas@terra.com.br

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