Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Caminho novo para Os Sertões

EUCLIDES DA CUNHA, REPÓRTER

Ivan Teixeira (*)

Os Sertões, de Euclides da Cunha; edição, prefácio, cronologia e notas de Leopoldo M. Bernucci, 928 págs., Ateliê Editorial / Imprensa Oficial do Estado, São Paulo, 2001, R$ 64,00. E-mails: Ateliê Editorial <ateliê_editorial@uol.com.br>, Imprensa Oficial <imprensaoficial@imprensaoficial.com.br>

Depois de ler o prefácio, examinar a cronologia, compulsar as notas, recorrer aos índices, consultar a bibliografia e apreciar a reportagem iconográfica da edição de Os Sertões organizada pelo professor Leopoldo M. Bernucci, a impressão que resulta é a de que se trata, verdadeiramente, de um trabalho euclidiano ? desde que se tome o adjetivo, derivado do prenome do escritor, como sinônimo de hercúleo, grandioso, competente, sistemático, rigoroso, lúcido, minucioso e correto.

Tendo boa-fé, ninguém deixará de reconhecer tais características no resultado dos esforços de Leopoldo Bernucci, que se dedicou durante anos ao livro de Euclides da Cunha, com o obstinado propósito de torná-lo acessível ao leitor interessado, mas ainda sem iniciação científica. Aos mais renitentes, eis a singular oportunidade de exercitar a disponibilidade para reconhecer o valor do trabalho alheio. Apesar do efeito monumental da edição, sabe-se, com certeza, que esse tipo de trabalho nasce antes da humildade e da paciência do que da pretensão ou da arrogância. É o que se sabe, enfim, da atividade do professor Bernucci, diretor do Departamento de Espanhol e Português da Universidade do Texas, em Austin.

O seu prefácio desenvolve a idéia de que o estilo de Os Sertões funda-se na confluência de aspectos heterogêneos das diversas linguagens do saber disponível na época de Euclides da Cunha. Não obstante sua estrutura científica (análise geológica, geográfica, histórica e política), o livro incorpora inúmeros traços do código artístico do tempo, fundindo ao registro da ciência estilemas bíblicos, arquitetônicos, teatrais e épicos, dentre outros. A novidade da perspectiva adotada por Leopoldo Bernucci consiste, basicamente, em descobrir e analisar, na literatura euclidiana, a concepção de arte como articulação de discursos, em que a variedade não prejudica a unidade. Sem desrespeitar a especificidade estrutural da obra, Leopoldo instaura um novo campo de investigação nos estudos euclidianos: o da articulação artística das diversas linguagens do discurso científico oitocentista, procedimento de que resulta, pensa o crítico, um dos livros mais fascinantes da língua portuguesa.

Continuidade científica

O lavor e a dedicação (euclidianos) que se observam nas formulações crítico-interpretativas do prefácio reverberam-se e prolongam-se na cronologia e nas notas ao texto de Os Sertões. Além de sistematizar noções consagradas, a cronologia corrige enganos e preenche lacunas disseminados pelas edições disponíveis do clássico de Euclides da Cunha. Assim como os dados da cronologia, as notas pautam-se exclusivamente pelo critério da utilidade objetiva, sem tola pretensão nem arrogância. São cerca de três mil notas explicativas, organizadas por áreas de interesse: vocabulário, estilo, imagens e fontes literárias. Prolongamento necessário das notas, o índice onomástico de pessoas e lugares eleva esta edição à posição de conquista definitiva e essencial aos estudos euclidianos. Nada fica por explicar nesse índice: personagens, tramas, patentes, biografias, funções, datas, locais, números, cifras, estatísticas ? tudo entra com precisão e brevidade na funcionalidade rápida dos verbetes. Mas isso não é tudo, pois resta ainda o índice remissivo, que transforma a edição em verdadeiro livro de referência sobre Os Sertões, facultando ao consulente localizar, na enorme extensão do livro, qualquer personagem, assunto ou acidente geográfico num piscar de olhos.

Surgem, por fim, a bibliografia e o álbum fotográfico, sendo que aquela é mais rica do que este, embora ambos sejam igualmente necessários ao convívio eficiente e prazeroso com Os Sertões. Quem se der o trabalho de demorar os olhos na bibliografia euclidiana consignada por Leopoldo Bernucci verá que sua pesquisa incluiu, também, a invulgar pertinácia de haver consultado todos os livros mencionados por Euclides em sua obra, sendo certo que o organizador se impôs a impensável missão de rastrear as mesmas edições utilizadas pelo escritor em seu longo ensaio sobre o Brasil. Resultou daí uma verdadeira enciclopédia sobre Os Sertões, com a particularidade de ter sido organizada por um especialista de alto nível, que, com o autêntico espírito de continuidade científica, soube incorporar os resultados das pesquisas dos colegas, integrando-os harmonicamente ao meritório trabalho de possibilitar o contato do maior número possível de leitores com o indispensável texto de Euclides da Cunha.

O autor da edição comentada

Leopoldo Bernucci, 49 anos, dirige o Departamento de Línguas Espanhola e Portuguesa e Literaturas Hispânica e Luso-Brasileira na Universidade do Texas, Austin. É formado em Letras pela USP, mestre e doutor pela Universidade de Michigan?Ann Arbor. Lecionou nas universidades de Michigan, Yale e Colorado. Publicou Historia de Un Malentendido ? Un Estudio Transtextual Sobre La Guerra del Fin del Mundo y Os Sertões (Texas University) e A Imitação dos Sentidos (Edusp)

(*) Escritor e professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP)