Sunday, 06 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Carlos Heitor Cony

QUALIDADE NA TV

ASPAS

SEXO E VIOLÊNCIA

"A máscara e a faca", copyright Folha de S. Paulo, 3/04/01

"Reclamam do cinema e da TV pelo abuso de temas e cenas sexuais. Tudo bem, erotismo ou pornografia, cada um toma a dose que quer. Já dei o exemplo daqueles copos de uísque que tinham marcações em três níveis: ?for ladies, for men, for piks?. Para senhoras, para cavalheiros e para porcos.

Enquete recente, entre os países da dita civilização cristã-ocidental, revelou que 78% dos jovens entre 13 e 18 anos, da classe média para cima, preferem filmes de máscaras e facas, quando o sangue jorra da boca, das narinas, das vísceras de todas as vítimas, sejam elas do bem ou do mal.

O conteúdo não importa. Importa o visual da máscara e do mistério, da faca e das tripas esfoladas. Esses jovens não torcem pelo mocinho nem pelo bandido. Querem ver sangue. Cinema e TV sabem disso e servem o menu da violência ao gosto do freguês, que tem sempre razão.

Um desses jovens, de 17 anos, a um passo da universidade, explica essa preferência pelo sangue, pela violência. Na vida real, ele nunca viu uma pessoa morrer, ser esfaqueada, ter os olhos arrancados. Só vê sangue quando esfola a perna na bicicleta ou rala o joelho no skate.

Ver sangue aos borbotões, saindo da boca, dos olhos, da barriga de homens e mulheres, é um espetáculo diferente para ele. Com a vantagem de ser de ?mentirinha? -foi a expressão que ele usou.

Não tem sentido o jovem procurar, no cinema ou na TV, as cenas e os dramas da vida real, que ele vê diariamente, gente pedindo esmola, casais se separando, ladrões roubando, velhos ficando sozinhos e abandonados, crianças pobres prostituindo-se nas calçadas.

A imensa faixa de jovens, em todo o mundo, que forma o público-alvo da indústria do divertimento, talvez tenha razão. Não é o cinema que faz a sociedade violenta. É o contrário: a sociedade é que faz o cinema violento."

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"A arte e a vida", copyright Folha de S. Paulo, 8/04/01

"O computador trouxe reclamações contra a crônica que escrevi sobre a preferência dos jovens pelos filmes violentos no cinema e na TV (?A máscara e a faca?, 3/4).

Não defendi a violência como manifestação ideológica ou estética. Limitei-me a constatar o óbvio, a pesquisa em nível mundial que coloca a violência como o tema favorito da faixa etária que vai dos 12 aos 22 anos. Citei a explicação dada por um jovem de 17 anos, que preferia ver sangue e morte de mentirinha no cinema ou na TV a se ocupar com a violência real do dia-a-dia, desde o bate-boca doméstico dentro dos lares até as chacinas nas ruas.

O cinema e a TV causam a violência na vida real? Ou é a vida real que inspira a violência no cinema e na TV? O assunto é vasto e complicado, mas, acima de tudo, lamentável. Em qualquer das hipóteses constatamos o precário verniz da civilização humana.

Quando Caim matou Abel não havia cinema nem TV. A futilidade do primeiro crime da espécie humana, narrado na Bíblia, seria um incentivo à criminalidade? Relatos em livros históricos de outras civilizações, que não a ocidental judaico-cristã, também estão cheios de crimes equivalentes.

Na outra ponta da corda, a leitura de feitos da cavalaria andante fez Dom Quixote sair pelo mundo tentando fazer justiça à sua maneira. Quem influencia quem?

Infelizmente, a realidade da aventura humana é pouco recomendável. Não adianta culpar as expressões ficcionais desta realidade. Para uso próprio, há muito que troco de canal quando vejo na TV uma arma apontada para alguém, seja bandido ou mocinho. Evito até mesmo os westerns, que equivalem ao teatro grego em versão americanizada.

Não creio estar perdendo muita coisa. Na arte, como na vida, tudo devia ser melhor. E isso só será possível quando o homem for melhor."

"O erótico e o pornográfico", copyright Folha de S. Paulo, 8/04/01

"Certa vez o filósofo Denis Diderot observou haver ?sempre um pouquinho mais de testículo no fundo de nossos mais sublimes sentimentos e de nossa mais pura ternura?. Uma tradução sem eufemismos ou rebuscamentos soaria mais ou menos assim: no fundo, o que interessa é sexo; até a dona-de-casa, quando se emociona com o galã na novela, não está pensando exatamente em suas madeixas. Se admitimos que Diderot e principalmente Freud estão certos e nós só pensamos mesmo é naquilo desde a mais tenra infância, ainda assim permanece em aberto o grau de recalque com que nos referimos à coisa. Em outras palavras, tudo no mundo gravita em torno do sexo; o que varia é a clareza com que aludimos às questões genesíacas. A TV não é uma exceção."

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