Thursday, 02 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Carlos Henrique Schroder

LULA PRESIDENTE

“Por que Lula foi à Globo”, copyright Folha de S. Paulo, 2/11/02

“Na última quarta-feira, a Folha dedicou parte do editorial ?O início?, várias colunas (Clóvis Rossi, Fernando Rodrigues, Xico Sá), notas (Painel) e uma página da Ilustrada para criticar as entrevistas do presidente eleito na Globo. A primeira, de alguns poucos minutos, no ?Fantástico?, e a segunda, no ?Jornal Nacional? de segunda-feira.

Primeiro, é preciso explicar que, diferentemente de outros meios de comunicação, em televisão tudo tem que ser feito previamente.

Embora uma entrevista seja ao vivo, é preciso organizar, fazer convites, montar uma verdadeira parafernália técnica para que tudo vá ao ar na hora certa e com a qualidade desejável.

As entrevistas com o presidente eleito (fosse ele Lula, Serra, Ciro ou Garotinho) estavam previstas no desenho da nossa cobertura das eleições. Constavam do plano traçado ainda no ano passado e que foi apresentado aos assessores dos candidatos em abril deste ano e por todos aceito.

Tudo ali exposto foi rigorosamente cumprido: entrevistas na Globonews, no ?Jornal Nacional?, no ?Jornal da Globo?, no ?Bom Dia Brasil?, debates no primeiro e segundo turnos e entrevistas com o presidente eleito e um ?Globo Repórter?. O debate para o segundo turno, exatamente com o formato que foi ao ar, foi negociado com todos os candidatos já na reunião de abril.

Finalmente, o documento com as regras do debate foi assinado em 23 de agosto, muito antes até mesmo do fim do primeiro turno. Previmos também, ainda em abril, uma entrevista com o presidente Fernando Henrique Cardoso, ao vivo, no ?Jornal Nacional?, na semana seguinte ao segundo turno, fosse quem fosse o ganhador. Esta entrevista, aliás, ocorreu anteontem.

No dia do primeiro turno, quando havia a previsão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de que a apuração terminaria em cinco horas, negociamos com o primeiro colocado uma entrevista exclusiva, caso ele fosse eleito no primeiro turno. E negociamos com os três outros candidatos a mesma entrevista, caso eles passassem para o segundo turno.

Para tanto, instalamos nossos equipamentos de transmissão direta, via satélite, onde cada um deles estava, em diferentes Estados da federação. Como a apuração se arrastou, as entrevistas se frustraram.

Logo no dia seguinte ao primeiro turno, iniciamos negociações com os dois candidatos para que, tão logo fossem eleitos, Lula ou Serra concedessem entrevistas para o ?Fantástico?, para o ?Jornal Nacional? do dia seguinte e para o ?Globo Repórter?. Ambos concordaram com antecedência, honrando o compromisso firmado em abril (basta checar com a assessora de José Serra, Andrea Gouvea Vieira).

Naturalmente, na última semana antes da eleição, quando as pesquisas já indicavam o franco favoritismo de Luiz Inácio Lula da Silva, as negociações com a assessoria dele para as entrevistas do ?Fantástico? e do ?Jornal Nacional? foram mais intensas.

Da mesma forma, demos início à produção para levar ao ar um ?Globo Repórter? sobre Serra ou Lula, dependendo de quem se elegesse. Temos hoje pronto material para os dois programas. Porque a Globo entende que informação de qualidade é isso: informação correta, isenta e oferecida em primeira mão.

Desconhecendo tudo isso, a Folha estranhou a duração do ?Jornal Nacional? de segunda-feira (uma hora e 15 minutos) e questionou o tom de perfil que exibimos do presidente eleito, chegando a estranhar o fato de termos classificado a eleição do petista como ?uma conquista histórica?. E destacou a frase, dita no perfil elaborado por nosso repórter Marcelo Canelas: ?Moradores de cortiço, operários, engraxates: um de vocês é hoje o presidente do Brasil?.

No mesmo dia, no entanto, a Folha publicou edição especial, com mais de 30 páginas dedicadas ao tema, com a seguinte manchete: ?Metalúrgico é o primeiro líder de esquerda a ser eleito no país?. No corpo da chamada, dizia: ?Nascido em Garanhuns, Pernambuco, Lula migrou aos sete anos para São Paulo. Foi vendedor de rua, engraxate, contínuo e torneiro mecânico?. É como se a Folha acreditasse que ela pode; os outros não.

Causam revolta também os artigos de diversos colunistas que estabeleceram uma relação entre a cobertura que a TV Globo fez da vitória do PT e o anúncio da Globopar sobre reestruturação de sua dívida. Alguns chegaram a lembrar o apoio que o PT teria dado à alteração do artigo 222 da Constituição, como se esta modificação fosse do interesse exclusivo da TV Globo.

Em nome dos jornalistas que aqui trabalham, gostaria de dizer que as decisões empresariais do grupo não interferem de nenhum modo em nossas decisões editoriais. E é sempre bom lembrar que a modificação do 222 foi defendida por editoriais da Folha e apoiada pela Associação Nacional de Jornais e pela Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert).

O que mais me espantou, no entanto, foi o que a Folha fez com a minha entrevista, publicada na Ilustrada. Ela foi concedida antes da eleição, antes mesmo do debate, e a mim foi garantido que ela seria publicada depois da eleição, depois que eu pudesse atualizá-la sobre o debate de sexta-feira, o que não foi feito.

O que se viu, no entanto, foi uma edição em que tudo levou o leitor a imaginar que a minha entrevista versava sobre as entrevistas concedidas pelo presidente eleito.

O antetítulo dizia: ?Após entrevistas exclusivas ao ?JN? e ?Fantástico?, Lula deve receber convite de Faustão?. O título estampava: ?A festa é nossa?. E o subtítulo: ?Diretor de jornalismo da Globo, emissora privilegiada pelo novo presidente nos dois primeiros dias após a eleição, faz à Folha um balanço da cobertura eleitoral?.

E, o pior, depois de dar a audiência da entrevista do presidente eleito no ?Jornal Nacional?, a Folha publicou a seguinte declaração, atribuída a mim: ?Na Globo, a audiência nas entrevistas foi excelente?, diz Carlos Henrique Schroder, diretor da Central Globo de Jornalismo?. Ou seja, a Folha enganou o seu leitor.

Omitiu que eu dei a entrevista antes mesmo da eleição, antes mesmo portanto das entrevistas de domingo e segunda. E usou uma declaração minha sobre as entrevistas dos candidatos, durante toda a campanha eleitoral, como se ela se referisse às entrevistas do presidente eleito.

E, na franca resposta que dei sobre o debate de 1989, a Folha ?editou? a minha resposta, publicando apenas a parte que interessava a ela e omitindo o que eu considerava os trechos mais esclarecedoras. Fez comigo o que acusa a Globo de ter feito em 1989.

A nossa isenção conta com o testemunho público dos candidatos. A qualidade de nossas entrevistas conta com os elogios que recebemos de toda a imprensa, inclusive da Folha, antes que a dor do furo a tivesse cegado. (Carlos Henrique Schroder, 43, é diretor da Central Globo de Jornalismo)”

 

“O príncipe dos marquetólogos”, copyright Carta Capital, 6/11/02

“Que extraordinário marquetólogo de si mesmo o presidente Fernando Henrique. Aos olhos do mundo, dispensa Dudas e Nizans. Salvo raras exceções, a mídia internacional despede-se de um dos piores presidentes da história brasileira, se não o pior, como se fosse um dos melhores.

Há quem diga e escreva que FHC promoveu o Brasil nos foros globais. Não é bem assim. À sombra do príncipe dos sociólogos o Brasil ficou na mesma nos foros globais. País do futebol e de aberrantes desequilíbrios sociais. País do carnaval e da criminalidade desenfreada. Etc., etc. Em compensação, FHC soube promover a sua pessoa. É diante dele que o mundo se curva.

Não é que lhe faltem qualidades para a autopromoção. O professor Cardoso é simpático e até encantador, pronuncia o discurso adequado aos ouvidos de cada interlocutor, salvo melhor juízo não alimenta invejas e tampouco rancores. Além disso, sabe escutar e tirar proveito do que escutou.

Maria da Conceição Tavares escreveu anos atrás que FHC ouve as idéias alheias, faz a síntese e reapresenta o conjunto como se fosse da sua exclusiva lavra. Haja habilidade. Celso Furtado, outro calibre imponente do pensamento brasileiro, disse há poucos dias a um jornalista italiano, Maurizio Chierici, do L?Unitá, que FHC prima pela coerência.

Perguntava o jornalista: ?O senhor foi para o exílio, depois da anistia regressou com as idéias de sempre. Por que o professor Cardoso mudou tanto?? Celso Furtado caiu das nuvens. Mudou? Que é isso, sempre foi o mesmo. Claro que ?todos estávamos contra a ditadura militar?, disse Furtado. Na hora de fazer a democracia, FHC mostrou a cara e a alma do seu começo. Sim, isto também é coerência.

Nada de surpresas, por favor. Quando Bob Fernandes e o acima assinado entrevistaram Antônio Carlos Magalhães, em agosto de 1994, para a edição n? 2 de CartaCapital, então mensal, o imperador da Bahia sentenciou, com aquela expressão que transpassa paredes e até muralhas: ?Ele não é tão de esquerda quanto se supõe?.

Agora, diga-se: o Brasil, de certa forma e paradoxalmente, deve muito ao fracasso do governo FHC. Ele pegou o País em condições melhores, bem melhores, do que aquelas em que o entrega. Com exceção de raras, insignificantes exceções, todos os índices pioraram, alguns vertiginosamente.

Em oito anos, o Brasil quebrou duas vezes. O Plano Real foi traído em nome da reeleição. As dívidas, interna e externa, fermentaram desmesuradamente. A balança comercial desequilibrou. O grau de dependência precipitou. A desigualdade social alastrou-se. O tráfico criou um Estado paralelo, que desafia o Estado oficial, e até se ri dele.

É como pretender abrir uma porta escancarada, mas a quantidade de cegos não é inferior à dos hipócritas. Quem abre os olhos, felizmente, é o povo brasileiro. A nação. A vitória de Lula, sem falsa retórica, é a derrota do seu mais eficaz cabo eleitoral: FHC e seu governo desastrado. É também a derrota de uma elite feroz, predadora e incompetente. E de 500 anos de prepotência e desmandos.

Momento magnífico de ser vivido. Curta-se a hora e não se perca a ocasião. CartaCapital, que não teve dúvidas na escolha do candidato, continua a postos na prática da tarefa jornalística. Baseada na fidelidade à verdade factual, no exercício do espírito crítico e na fiscalização do poder.

Leio em Meio & Mensagem uma reportagem sobre a decisão de O Estado de S. Paulo e CartaCapital de ?abrir publicamente apoio aos candidatos à Presidência da República?. O Estadão a favor de Serra e nós de Lula. Relatam Daniele Madureira e Dubes Sônego, autores do texto, que a escolha ?foi bem recebida pelo mercado?, sem deixar de registrar opiniões contrárias de alguns jornalistas, defensores da chamada imparcialidade.

Trata-se de cidadãos que até hoje fizeram o jogo dos patrões antimudança, prontos agora, quem sabe, a descobrir afinidades ideológicas com Lula, se não graus de parentesco. Perfeita, na opinião de CartaCapital, a definição de Eugênio Bucci, professor de Ética da Cásper Líbero e articulista do Jornal do Brasil e Folha de S.Paulo: ?Muitas vezes é até eticamente recomendável que os veículos expressem a sua opinião para combater a impostura da neutralidade?.

Algo é certo: no bem e no mal, CartaCapital nunca abandonará a postura crítica em relação a quaisquer fatos ou personagens. Com clareza e lealdade. Sem dissimulação, sem fingimento, sem meias palavras. E sem exclusão da possibilidade de ser neutra, se as circunstâncias, do seu ponto de vista, assim recomendarem.

 

A TRANSIÇÃO, O ESPERTALHÃO E O PT

Que transição! que coisa fantástica! histórica! sem paralelos na história mundial moderna! Alvíssaras! Merecedora de todos os encômios de que tem sido objeto nos jornais, telejornais, rádios e revistas. Notem bem, caras leitoras, caros leitores. Que transição! E o presidente? Nas entrelinhas do que diz Fernando Henrique Cardoso não há como não brotar a dúvida: ele votou no Serra ou votou no Lula?

Grande destaque midiático: o PSDB ganhou as eleições em sete Estados, inclusive em São Paulo e Minas. Que o governo tenha perdido o primeiro turno por 76% dos votos e que Serra, o candidato de Fernando Henrique, tenha tomado uma derradeira surra por 62% a 38%, é mero detalhe. Importante é isso: a transição é um espanto de democracia e o PSDB venceu em sete Estados enquanto o PT perdia no Rio Grande e em São Paulo.

O Duda Mendonça tirou umas férias – deve ter ido rever seus galos de briga – e o Ricardo Kotscho, mui merecidamente, vai se enfurnar uns dias num mato desses para descansar. Tudo muito certo, mas resta aí um problema para o PT: o seu governo já começou. Antes, muito antes da hora. A hora é 1? de janeiro de 2003.

O governo do PT começou antes por dois motivos. Um, o mais importante, é que o governo Fernando Henrique acabou. Melancolicamente. Como o governo acabou, Fernando Henrique, a quem nunca se deve negar a qualidade de ser um democrata e muito menos o fato comprovado de ser um espertalhão, busca zipar o seu período com a transferência, digamos transição, do seu monumental abacaxi.

Não se perderá tempo aqui a discutir a transição. A constatar, com espanto, que o governo está a cumprir uma obrigação que outros não cumpriram. Note-se o que vem embutido nessa transição. (Que transição! Quanta democracia! Magnífico!)

Orçamento. Quem o enviou ao Congresso, já com seu esqueleto e recheios predefinidos, foi o atual governo.Quem votará suas emendas é a maioria governista atual. Mas o que já está nas páginas e telejornais é o salário mínimo do futuro governo.

Ainda não há ministros, equipe econômica, o orçamento já tem suas definições, a arrecadação é do governo moribundo, mas… perceba-se o clamor na mídia: e o mínimo do PT?

O PT, ainda inebriado pela vitória, parece não se dar conta da armadilha. (A transição! Que maravilha!) Com a transição, aos olhos da multidão, o poder já se transfere. O líder João Paulo e demais petistas incautos surgem nos telejornais a discutir o mínimo. O mínimo do futuro com o orçamento do passado. E uma porção do poder – os abacaxis – lentamente se transfere.

Com Fernando Henrique, o democrata, as glórias da transição. Dia 14 ele estará em Oxford. Talvez mais um capelo e, aguardem, inevitável, a transição. (Que transição! Magnífica!) As vitórias do PSDB em sete Estados, as derrotas do PT em suas capitais… o fraseado espertalhão: ?PSDB não deve repetir ação destrutiva do PT?, diz FHC, e enquanto diz a frase espertalhona com ela e nela embute a ação destruidora que atribui ao alvo da espertalhonice.

E daqui a pouco, com o foco em Brasília, terá início o outro lado da transição. As disputas por cargos, o mínimo, a fome – mata-se a fome com dinheiro vivo ou com cartão? Isso posto, com uma semana de telejornais, jornais, rádios e revistas, se terá completado a mais importante transição: no imaginário popular.

O governo que acabou de fato se acabará com um único fato: a gloriosa transição (Que transição! Magnífica! Que democrata é esse Fernando Henrique!), enquanto o governo, que só deveria começar em 1? de janeiro, já terá começado. Em suas mãos, sem que ainda tenha poder algum para descascá-los, monumentais pepinos e abacaxis.

Duda Mendonça: larga os galos e volta, ô rapaz!

Ricardo Kotscho: descansa essa carcaça depois, ô meu!

Transitórios do PT: mergulhem, caros. Trabalhem, trabalhem, mas não saiam na foto com o abacaxi. Ele já passou do ponto. E é do Fernando. O espertalhão.”