Monday, 06 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Carta de Marcio Moreira Alves a José Roberto Nassar (Época)

 

Em 16 de dezembro de 1968, três dias após a decretação do AI-5, os 794 concludentes da Universidade Federal do Ceará tiveram a solenidade de colação de grau, programada para a concha acústica da Reitoria, proibida.

Em 16 de dezembro de 1998, 30 anos depois, a solenidade foi realizada no mesmo local, com a presença dos que puderam comparecer, contando, inclusive, com a vinda de “concludentes” que hoje residem em outros estados.

A belíssima solenidade realizada pela Reitoria da UFC, com toda a pompa e a circunstância que a ocasião requeria, além de revestida de toda a emoção de tantos quantos viveram aqueles anos terríveis, foi organizada pelo pró-reitor Renê Barreira, no bojo de uma semana de debates, exposições e filmes.

Três questões dignas de registro: entre os “concludentes” que tiveram cassadas a alegria e a emoção de uma solenidade de colação de grau, o atual reitor da UFC, Roberto Cláudio Frota Bezerra; o orador oficial escolhido à época pelos estudantes, o cirurgião-dentista José Galba Gomes, leu o mesmo discurso que havia elaborado e que permaneceu guardado com ele por 30 anos; e a solenidade de colação de grau simbólica foi presidida pelo reitor da época, professor Antônio Martins Filho, que do alto dos seus 95 anos de idade e fazendo questão de falar de pé, proferiu um lindo discurso de improviso que foi iniciado com uma saudação “À Assembléia Geral Universitária Extraordinária aqui reunida” e concluído com a seguinte frase: “Por fim, agradeço a Deus por me permitir continuar na festa da vida, lúcido e útil” (o professor Martins Filho é, atualmente, reitor-agregado da UFC tendo, inclusive, recentemente, acrescentado à sua extensa obra literária mais alguns livros).

O registro jornalístico do evento encontra-se na edição do dia 17 de dezembro no jornal O Povo <www.opovo.com.br>.

Esse acontecimento me levou de volta ao livro do Zuenir Ventura, 1968, o ano que nunca acabou. São eventos dessa natureza que contribuem não para que o ano de 1968 acabe, porque, para muitos, jamais acabará, mas para que, pelo menos, alguns dos seus traumas sejam reparados.

José Alberto de Almeida, arquiteto

 

Domingo é o dia da semana em que exerço com dignidade a minha condição de ser humano dotado do pecado da preguiça. Incorporar seu espírito é fundamental, pois, de outra forma, não desfrutaria o meu único dia de folga com a devida intensidade. Sabe, é como fazer sexo, imaginando-se numa sala de reuniões cercado de executivos e gráficos por todos os lados.

Bem, eu estava indo com a rapidez de um atendimento bancário da CEF para o sofá da sala, nesse domingo, quando sou acometido pela chamada do Fantástico, em alto volume (acho que meus pais devem ser um pouco surdos), sobre a reportagem principal daquela noite. O tema era a gravação, em fita-cassete, da reunião ocorrida no dia 12 de dezembro de 1968, véspera da declaração do famoso Ato Institucional nº 5, entre o presidente da República na época, Costa e Silva, e seus aliados militares e políticos, entre eles, Delfim Netto, Jarbas Passarinho e por aí vai.

Por aí vai???!! Eu, preguiçoso como sou, no lugar dos lépidos jornalistas que produziram a matéria, destacaria os nomes de todos os presentes àquela reunião. Isso é uma coisa que, com certeza, seria muito interessante para o telespectador e enriqueceria o trabalho. Mas, a reportagem citou apenas uns sete; só que, no “olhômetro”, contavam-se pelo menos uns 15. Preguiça? Não!! Deste assunto eu sou absoluto conhecedor, e meu instinto baiano (apesar de ser carioca) diz que não era interessante à Rede Globo, aliás uma das maiores beneficiadas com a aprovação do AI-5, mostrar todos os arquitetos do maior assalto à mão armada à democracia e aos direitos humanos que o país já sofreu.

Antes que eu me esqueça, como a Rede Globo teve acesso à(s) fitas(s)? Que eu me lembre, isso não foi esclarecido de modo convincente. Tal labuta foi atribuída a um singelo operador de caracteres que, no pé do vídeo, bem sutilmente para que ninguém veja e questione, escreveu a frase elucidatória (?): “As fitas foram cedidas pela revista Época“. Ora, se a Época pertence à Rede Globo, por que não foram demonstrados os métodos utilizados? Aliás, sempre que a emissora apresenta uma matéria de efeito como essa, as técnicas usadas são descritas com ênfase. Chega a passar uma impressão de megalomania e complexo de superioridade (se é que isso existe).

Muito bem. Eu gostaria de que esse assunto fosse discutido no OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA, um canal com o qual me identifico muito e que tem feito um trabalho fundamental para nossa sociedade. Parabéns pela iniciativa e sucesso para todos vocês.

Clayton Sales

Nota do O.I.: Caro Clayton, segundo contou ao programa Observatório na TV, o jornalista Zuenir Ventura foi procurado pelo repórter da Época, que lhe pediu as fitas, citadas em seu livro 1968, o ano que não terminou. Zuenir indicou-lhe então sua fonte, o jornalista Elio Gaspari, que reuniu, graças a amizade que manteve com o general Golbery do Couto e Silva, já falecido, vasto arquivo dos tempos da ditadura.

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Caro Dines, cumprimento – na sua pessoa – a todos do OBSERVATÓRIO, que com um talento excepcional trazem até nós um programa do mais alto nível, sobre o qual faltam-me palavras para atribuir todas os elogios possíveis. Numa época em que, para buscarmos entretenimento de qualidade – sobremaneira na televisão – sentimo-nos como alguém que “revira uma lixeira em busca de migalhas”, deparei-me com uma análise sobre o AI-5, conduzida “de cabo a rabo” com um inédito e impressionante equilíbrio entre crítica e imparcialidade e, pasmo, tomo só agora conhecimento do programa de vocês.

Mil vezes parabéns. Torno-me a partir de já um divulgador “boca a boca” do OBSERVATÓRIO, por mais ouvidos fechados que encontremos por aí. Continuem (sempre) assim.

Mauro José Assalin