Saturday, 04 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Celso Fonseca

CASA 2 vs. BBB

"O grande irmão", copyright IstoÉ, 25/02/02

"Existe uma lição primária a ser aprendida pelas mentes criativas da Rede Globo na sua luta diária contra os sustos aprontados pelo apresentador Silvio Santos. Televisão é um meio que cativa o público quando surpreende, jogando para o alto as regras estabelecidas. Que sirva de exemplo a estratégia inventada pelo dono do SBT no lançamento da segunda edição do programa Casa dos artistas, no domingo 17. Como um mestre da manipulação, só na capital paulista Silvio Santos segurou por cerca de duas horas uma audiência média de 42 pontos, na medição do Ibope, ao forjar um falso concurso para selecionar a nova dúzia de moradores da mansão monitorada e agora construída num espaço de mil metros quadrados no Complexo Anhanguera do SBT, em Osasco, na Grande São Paulo. Na verdade, já estava definida a lista de participantes do reality show, que conta com o ator André Gonçalves, a atriz e apresentadora Cynthia Benini, a dubladora Ellen Roche, o ?gêmeo? Gustavo Mendonça, a Feiticeira Joana Prado, o ator e cantor Lulo, a apresentadora Mariana Kupfer, o cantor Mário Velloso, o ator Ricardo Macchi, a Tiazinha Suzana Alves, a roqueira Syang e o rapper Xis. Mas Silvio Santos armou um verdadeiro circo ao levar para o palco do SBT outros 12 pretensos candidatos à vaga, entre eles os apresentadores Ratinho e Babi, o comediante Jorge Lafond e os indefiníveis Pedro de Lara e Marquito. Garantiu picos de 50 pontos, enquanto o Fantástico amargava a média de 23.

O susto da Globo ainda não passou, apesar de que Big brother Brasil, levado ao ar diariamente às 22h, uma hora depois de Casa dos artistas, tem atingido a média de 45 pontos. A intenção de Silvio Santos é concorrer com a novela O clone, um dos maiores sucessos globais dos últimos tempos. Por enquanto, o elenco bem escolhido e bem pago, com cachês variando entre R$ 120 mil e R$ 200 mil, vem mantendo os mesmos 25 pontos da primeira Casa dos artistas, com chances de crescimento. Afinal, desta vez os candidatos ao prêmio máximo de R$ 400 mil – o segundo lugar ganhará R$ 100 mil – vão ficar encerrados sem comunicação com o mundo exterior por três meses, tempo suficiente para muitos romances, conchavos e brigas, sem falar das abobrinhas e baixarias habituais que fazem o delírio da turma voyeurista. Nada, porém, que chegue ao limite de brigas por comida e trocas de animosidades, como tem acontecido com os anônimos do Big brother Brasil. Artistas têm uma imagem a zelar. Mas também gostam, e muito, de se exibir. Na segunda-feira 18, malas desfeitas, a primeira providência de todos foi colocar as pernas e torsos de fora. Só não mostraram as garras. Ainda. Até o momento, limitaram-se a exibir músculos e curvas para as 38 câmeras instaladas na mansão. As regras implícitas determinam muitos corpos expostos. Não é à toa que na bagagem essencial de cada um o maior número de peças recai sobre sungas e biquínis. A Feiticeira, por exemplo, levou 19 deles. Lulo, dez calções e uma infinidade de cuecas, uma delas transparente. Dá para imaginar o desfile, não dá?

Picuinhas – Também não é preciso ser especialista em comportamento para prever o tipo de conversa entre os marombados e marombadas ou o papo engajado do rapper Xis, autor da música Os mano e as mina. Fernando Rancoleta, diretor de elenco do programa, afasta qualquer tentativa de criar picuinhas ao selecionar pessoas supostamente conflitantes. Puro gênero. ?Não é possível prever nada. Não temos controle sobre as reações psicológicas de cada um?, admite, em ligeira contradição. Ele também nega que tentou repetir o perfil psicológico do primeiro elenco. Tire, então, as conclusões. A exemplo de Matheus Carrieri, Ricardo Macchi – o ex-cigano Igor da novela global Explode coração – faz o mesmo tipo arredio e gostosão. Syang e suas tatuagens podem muito bem passar pelo Supla de saias – ou de calças de couro. E a patricinha Mariana Kupfer, filha da ex-empresária Giovanna Kupfer? Não tem o mesmo jeitinho da cantora Patrícia Mello?

Parecidos ou não, cada participante continua na mira da equipe técnica formada por cerca de 120 pessoas, que acompanha cada passo na casa para editar o programa como se fosse um folhetim sem texto prévio. O diretor Rodrigo Carelli afirma que, excetuando-se as provas e jogos, tudo é espontâneo, nasce da convivência dos participantes. ?A narrativa se torna mais parecida com uma novela quando os núcleos e os caminhos de cada um na história vão se delineando. Neste ponto, o processo todo de bastidores vai ficando mais difícil, mas o resultado é melhor.? O que certamente não faltará será marketing pessoal. Espelhados na esperteza de Supla, que transformou o álbum O Charada brasileiro num sucesso de 500 mil cópias vendidas, a maioria dos participantes tem um peixe no mercado. Suzana Alves anda envolvida com a banda Tiazinha e os Cavaleiros Mascarados, que até agora não seduziu nenhuma gravadora. Ricardo Macchi e Gustavo Mendonça vão aproveitar os equipamentos de ginástica para, respectivamente, divulgar os vídeos Working out com Ricardo Macchi e Malhando com os Gêmeos. Lulo e Xis evidentemente também não querem perder a oportunidade de dar um empurrãozinho na carreira e ver se ganham as FMs com seus recentes discos Modernidade e Fortificando a desobediência.

Edredom – Nos dois meses que antecederam a estréia do programa, a produção se viu rodeada por uma legião de empresários e assessores de artistas em baixa, loucos para aparecer sob um edredom. Nem seria outra a razão de a maioria dos convidados considerar um prêmio só o fato de terem sido selecionados. O apresentador Daniel Sabbá, marido da cantora Syang, por exemplo, acha que, em termos de publicidade, participar por participar já rende muito dividendo. ?O que vem depois é uma loucura. É gravadora, contatos, shows?, diz. Syang também tem um produto a vender: o livro de contos eróticos No cio, lançado em 2001. Casa dos artistas se tornou uma vitrine tão promissora, calculam os empresários, que vale a pena até adiar projetos. Foi o que fez Joana Prado, que estava de malas prontas para Los Angeles, onde ia cursar cinema e teatro. Hoje, mais parecida com um Arnold Schwarzenegger de biquíni, de tanta malhação, ela só topou entrar na casa depois de consultar seu personal trainer, Fernando Ventura, sobre qual alimentação seguir. ?Joana treina uma hora todos os dias e fez hipertrofia muscular para pernas e glúteos. Adora malhar, até peca pelo excesso?, afirma Ventura.

O personal trainer ainda cuida dos músculos de Gustavo e dos de seu irmão gêmeo, Flávio, que tem esperança de ser convidado para a terceira edição da Casa dos artistas. ?Aquilo ali é um paraíso, além de ter uma mulherada linda?, afirma Flávio. Apelidada de ?prisão de luxo? pelo próprio SBT, a casa-estúdio é equipada com uma piscina aquecida, filmada com câmera subaquática, e um ofurô para seis pessoas, entre outros brinquedinhos. Cem operários trabalharam na construção num tempo recorde de 45 dias, usando 7,5 mil metros de fios elétricos e nove mil metros de cabos de áudio e vídeo. Diariamente, o local consome 160 kWh de energia, o suficiente para iluminar 150 residências. Não fica nada a dever à mansão montada pela Globo para seu Big brother Brasil. O que faz a diferença de verdade é a presença carismática de Silvio Santos. Na Globo, Pedro Bial tem mostrado tanta artificialidade quanto os papos dos participantes. Com Silvio é o contrário. Sempre com uma surpresa por trás do sorriso registrado, internamente o animador avisou que pode mudar as regras do programa a qualquer momento, caso diminua o interesse da atração. Nada escapa ao Grande Irmão."

 

"O público busca na tevê a anti-televisão", copyright Jornal da Tarde, 23/02/02

"Por que o sucesso mundial dos reality shows? Gostaria de ler uma reflexão de um sociólogo como o francês Pierre Bourdier sobre isso, ele que já escreveu um livro sobre a construção da realidade que vemos na televisão. Tratava, então, do jornalismo; agora, o fenômeno é mais complexo, porque o foco principal da análise não seriam os interesses de quem produz, mas as necessidades, a cabeça, de quem assiste. Aspectos psicológicos (como projeção, morbidez, voyeurismo, dinâmica grupal, papéis, comportamento etc), valores sociais, ética, o veículo, a linguagem, o olhar urbano e o rural, a forma urbana de lidar com o outro ou de encarar a competitividade – são abordagens possíveis.

Seria interessante se tivéssemos no Brasil a reflexão de um especialista sobre isso, agora que esse tipo de programa se propaga pelas emissoras do País como uma dengue eletrônica. Talvez os estudiosos considerem o fenômeno muito fugaz, uma onda, que não merece reflexão. Acho que merece, como mereciam o funk das cachorras, o piscinão de Ramos, a rebelião das cadeias, a violência das torcidas de futebol e outros fenômenos populares. Os estudos de sociologia no Brasil são mais ou menos como os estudos de literatura: preferem os poetas mortos. Poucos enfrentam a atualidade. Vamos esperar, porque o assunto está aí, desafiando.

Um aspecto que me parece ser um atrativo, embora menor, desse tipo de programa é a prosódia e a sintaxe: a língua falada nele é diferente da língua falada habitualmente na televisão. É o único espaço no veículo em que a língua é falada com a naturalidade das ruas. Não é a língua ensaiada das novelas, a língua de pausas esdrúxulas e deslocamentos da acentuação tônica do telejornalismo, a língua circense dos shows, a língua enfática dos comerciais e nem a língua policiada dos programas de entrevistas. Quando você capta aquela entonação natural, sabe que alguma pessoa ?real? está falando, algum recorte da realidade está passando, não é a arrumação habitual da televisão. Acho que a percepção dessa língua ?do mundo externo?, do mundo ?da realidade?, o nosso, naquele veículo de virtualidades, atrai a atenção. Deixa o telespectador na expectativa de algo inesperado, pois ele acredita que, se a cena não foi ensaiada, alguma coisa pode acontecer.

Temos, então, um paradoxo: esse produto típico da televisão indicaria que o público busca nela algo que não é dela.

Malu Mader, bom papo com Gabi

Boa a conversa de Marília Gabriela com a atriz, esposa e mãe Malu Mader, exibida no GNT nesta semana, e que é possível ver ainda hoje, às 15h.

Bela e espontânea moça. Malu lembrou que houve uma época em que se dava alguma importância às novelas. Viajou por Cuba e Portugal e constatou que por lá ainda é assim, não falando no nível popular, mas no meio dos criadores e dos profissionais. No Brasil, constata ela, até mesmo para os atores (e acrescento: para atores com as expectativas e a qualidade dela), a telenovela virou uma coisa menor, sem importância. Não agrega valor, diriam os empresários.

Sintonizando o maga.zine

Encontro, na excelente coluna sobre livros que o jornalista Nicodemus Pessoa está assinando na revista eletrônica ?maga.zine?, no site do Estadão (www.estadao.com.br), uma resenha sobre um livro cujo tema deve interessar a quem pensa um pouco ou muito sobre o veículo televisão e a realidade como é apresentada nos telejornais. O livro, ?Showrnalismo? (difícil de pronunciar na hora de comprar), escrito pelo também jornalista José Arbex Jr., editado pela Casa Amarela, discute a transformação da notícia em espetáculo de televisão, com predomínio do show. Como no faroeste de John Ford, quando a lenda torna-se mais verdadeira (ou, no caso, mais espetacular) do que a realidade, publica-se a lenda."