Wednesday, 09 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Chega de timidez, é hora de revolução

III SEMINÁRIO DO PROVÃO

Antônio Brasil (*)

O ensino de Jornalismo está em crise! Esta foi uma das declarações mais corajosas e ousadas proferidas durante o III Seminário sobre o Provão de Jornalismo 2002 pelo INEP, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais do MEC. O encontro, que terminou no sábado, este ano foi realizado nas instalações da PUC do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre. Aqui entre nós, é impossível não ficar impressionado com o tamanho e a qualidade das facilidades técnicas da instituição gaúcha. Coisa de Primeiro Mundo em pleno Brasil que enfrenta tempos dificílimos no setor de ensino superior. Mas, para esquentar os debates, deve-se registrar que também foi lembrado que é exatamente durante as crises que ocorrem as transformações que suscitam soluções.

Foi em busca destas soluções que os coordenadores dos cursos de Jornalismo de todo o Brasil se reuniram no Sul. O seminário não se restringiu a palestras sobre os objetivos de uma política de avaliação ou relatos detalhados sobre as últimas maravilhas do Provão. O principal item da programação ficou por conta dos grupos de trabalho e a elaboração de seus relatórios, com sugestões muito objetivas para as mudanças no Provão. Deve-se reconhecer que não se perde mais muito tempo discutindo se devemos ou não ter uma avaliação. Já existe um consenso de que este processo é irreversível, mas que precisa ser aprimorado. As melhorias em grande parte das instituições superiores de ensino, principalmente nas privadas, é inegável. Alguns cínicos diriam que de qualquer maneira elas não poderiam ficar piores. Mas voltar a uma situação anterior sem qualquer tipo de avaliação é considerado, hoje, inconcebível.

Mas se uma avaliação é necessária, devemos ouvir aqueles que sofrem mais de perto os efeitos das mudanças impostas pelo Provão: os professores e os alunos de Jornalismo. Estes últimos, infelizmente, continuam ignorados pelos seminários de avaliação. Apesar do inegável poder das lideranças estudantis em organizar um boicote que tem crescido regularmente, o impasse continua. O INEP culpa os estudantes pela falta de diálogo, e os estudantes… continuam ignorados. Diz-se que o boicote é um direito, mas não é prova de inteligência. Talvez seja prova de que aluno de Jornalismo não consegue separar as questões políticas evidentes de um sistema de avaliação que, provavelmente, não foi suficientemente discutido com todas as partes interessadas.

O boicote existe e é significativo em Jornalismo. Qualquer avaliação que ignore a sua influência é imprecisa e possui resultados finais distorcidos. Parece sempre muito irresponsável comentar o comportamento dos alunos diante das propostas do Provão sem ouvirmos in loco as argumentações dos nossos futuros jornalistas. Solicitar que sejam abertos canais mais eficientes para uma negociação com os estudantes ainda é um assunto polêmico para muitos. Professores tendem a não querer se misturar com os estudantes, pelo menos, não nos seminários que discutem o futuro da avaliação do ensino de Jornalismo. Estranho, mas verdadeiro.

Das sugestões mais importantes apresentadas no último dia do seminário pode-se destacar:


1. A necessidade de avaliar o vestibular de uma universidade ou até mesmo determinar critérios mais rígidos visando o estabelecimento de um vestibular comum para todas as instituições de ensino superior. Se existe um mesmo Provão para todas as universidades, públicas ou privadas, também deveríamos exigir um mesmo vestibular. Questão de justiça e coerência.

2. Exigir a inclusão das notas no histórico escolar dos alunos. Esta é uma discussão antiga e, igualmente, injusta com as instituições. Obriga-se a presença do aluno no Provão para obtenção de diploma. Ele pode entregar a prova em branco e nada acontece ao aluno.

3. A necessidade inadiável de disponibilizar computadores para os alunos durante as longas 4 horas de duração do Provão também é um consenso. Um país que consegue colocar milhões de urnas eletrônicas em tempo recorde para eleições nacionais poderia pelo menos alugar, criar parcerias ou simplesmente resolver mais este problema. Dizer que não existem recursos é, no mínimo, uma incongruência quando o mesmo sistema de avaliação exige computadores para todas as instituições de ensino superior. Se o Provão é para ser levado a sério e para que não se torne mera bandeira para mobilização política de estudantes, devemos resolver os problemas mais óbvios. Não é à toa que os estudantes de Jornalismo dificilmente ficam escrevendo a mão durante tantas horas sobre assuntos pelos quais não se interessam. Futuro jornalista ou velho jornalista tem algo em comum. São céticos com tudo que lhe é imposto e práticos em relação aos seus interesse ou seu tempo. A enorme paciência, a dedicação e a passividade desmesuradas não são características comuns entre os profissionais da informação. Graças a Deus.

4. Outra sugestão ou constatação do seminário está relacionada à exigência do diploma de jornalista. Para surpresa de muitos, para ser coordenador de curso de Jornalismo ou Comunicação Social não é necessário ser jornalista. Muitas instituições, por motivo de economia ou por mero descaso, aglutinam diversas coordenações de cursos num único professor, que acumula funções sem jamais ter sido jornalista. Estranho? Muito. Depois não sabem por que somente 10% dos coordenadores respondem aos relatórios enviados pelo INEP. Provavelmente, muitos coordenadores não sabem nada de jornalismo ou não resistem às mudanças impostas por suas reitorias. Coordenador de curso de Jornalismo muda mais do que técnico de futebol. Se o time não está ganhando no campeonato do Provão, e não se pode mudar o time, ou seja, os alunos, muda-se o coordenador. Uma exigência mais clara de um profissional de jornalismo na coordenação dos cursos da área poderia ajudar numa busca urgente de maior coerência do sistema de avaliação.


Mas o melhor mesmo destes encontros é a oportunidade de encontrarmos velhos e novos colegas professores jornalistas de todo o país. E é nos corredores e nos almoços de confraternização que as verdades são ditas e discutidas com mais franqueza e objetividade. Organizar seminários sobre o Provão de Jornalismo é muito importante, mas seria muito mais útil se as recomendações encaminhadas fossem realmente implantadas. Existe certo desânimo e incerteza em relação ao futuro do Provão. Para muitos, seu principal objetivo já foi alcançado: muita mídia para o MEC e muita média com as instituições de ensino e com os professores. Alguns perguntam se o futuro do Provão depende das eleições, e só a pergunta já denuncia a preocupação.

Se é para impor ou aceitar um Provão, e já que nos dispomos a superar mais uma crise, temos que ter coragem e ousadia para promover uma verdadeira revolução no ensino superior, e não mais uma tímida mudança.

(*) Jornalista, coordenador do Laboratório de Televisão, professor de Telejornalismo da Uerj e doutorando em Ciência da Informação pelo convênio IBICTUFRJ