ELEIÇÕES 2002
"Lula e Duda, Duda e Lula", copyright Folha de S. Paulo, 27/04/02
"É esquisito ver Luiz Inácio Lula da Silva vestido, by Duda Mendonça, de estadista nos programas eleitorais da TV.
Não, caro patrulheiro petista, não se trata de preconceito. Um país que foi toda a vida governado por ?doutores? e ficou do jeito que está não tem rigorosamente nada a temer de um operário (ou de qualquer outro profissional ou amador).
O problema é que conheço Lula faz mais de 20 anos, de camisa sem gravata, de bate-papos vadios, de sem-cerimônia.
Não, caro patrulheiro tucano, não se trata de amizade profunda nem de cenas de petismo explícito. É apenas a convivência natural determinada pela profissão.
Era a mesma coisa com Fernando Henrique Cardoso, entre tantos outros, até que se elegeu presidente. Aí, a tal majestade do cargo impôs alguma contenção. Não obstante, sobra aqui e ali uma ou outra farpa, mais dele que minha, a bem da verdade.
O fato é que é esquisito ver alguém que você sabe que é de carne e osso travestir-se em uma espécie de efígie, busto em bronze, retrato a óleo pregado na parede de um gabinete importante ou na sua TV.
Sou obrigado, de todo modo, a reconhecer que eleitoralmente funciona. Suspeito que uma parcela dos pontos que Lula ganhou, na ascensão mais recente, pertença mais a Duda que ao próprio Lula.
Duda Mendonça é um craque. Conseguiu até amenizar a imagem naturalmente arrogante e prepotente de Paulo Salim Maluf.
Coincidência ou não, foi com Duda que Maluf obteve a única vitória em eleição majoritária de toda a sua longa carreira política.
O diabo é que a campanha um dia termina, e o eleito acorda nu, sem terno de presidente, sem retrato a óleo, sem busto de bronze. Ele, seus defeitos e suas qualidades, seus sonhos e suas limitações.
Pior: não pode abraçar as estrelas e piscar. Se piscar, aliás, morre."
"Bené toma o Laranjeiras", copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 29/04/02
"Devia ser um case, mas o pessoal da assessoria – apesar de ter gostado muito do resultado geral – jura que não teve nada com isso. Estou falando é claro da entrada triunfal, semana passada, da governadora Benedita da Silva no Palácio Laranjeiras, onde ela residirá durante os nove meses de governo que ainda lhe restam. Segundo me disseram, tudo foi idéia da governadora. Se foi mesmo, estamos diante de alguém que sabe manipular muito bem os símbolos e aquele canal privilegiado por onde eles trafegam, a mídia. Para explicar o que quero dizer, vou usar aquela estrutura que o pessoal que concorre a prêmios como o Aberje utiliza para apresentar seus cases.
Cenário
A governadora Benedita da Silva tem um problema sério: a chance de fazer um bom governo é, na melhor das hipóteses, remota. O estado está semi-falido e as carências nas áreas de segurança, saúde e educação seriam difíceis de serem minoradas com dinheiro e em quatro anos, quanto mais sem grana e em nove meses.
Se esta variável é complicada, a governadora ainda pode fazer algo para enfrentá-la, mas sobre uma outra ela nada pode fazer: seu governo será um dos alvos preferenciais (junto com o da prefeita de São Paulo e a do governador do Rio Grande do Sul) da imprensa quando esta quiser atingir a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República. Qualquer erro será maximizado e qualquer eventual acerto será desprezado, se não for escondido mesmo.
O grande perigo para Benedita da Silva, portanto, é que seu capital político escorra entre os dedos em apenas nove meses, devido aos dois problemas apontados acima. O objetivo estratégico, pois, é proteger, da melhor forma possível, a marca Bené dos problemas que certamente advirão nos próximos meses.
Estratégia
Diante deste quadro, é essencial ocupar espaços na mídia a fim de reforçar a marca Bené e todo o seu potencial simbólico. O grande trunfo, é claro, é essa própria marca. Para os negros e mulatos que se amontoam nas favelas e nos bairros localizados dos dois lados das linhas dos trens dos subúrbios do Rio, Bené já não é exatamente humana. Ela é (ou está muito próximo de ser) um mito. E não apenas por ser ?a negra favelada que deu certo?, mas também por encarnar um tipo poderosíssimo no imaginário brasileiro em geral e no carioca em particular: a Grande Mãe Preta. Se você duvida da força deste mito, aconselho a sintonizar a Estrela da Morte por volta das 20h. Lá você o encontrará encarnado na pele alguns tons mais clara da atriz Solange Couto, a Dona Jura, do Clone, que, por coincidência (para quem acredita nessas coisas) é amiga do casal Bené-Antônio Pitanga.
Porém, Benedita da Silva – alta (com apenas um saltinho, passa fácil do metro e oitenta); mais para a rechonchuda (e com fama de grande cozinheira); voz cheia (e treinada ao longo dos anos pelos constantes discursos); boca grande que se abre em um largo sorriso alvar quando quer – é ainda melhor do que a amiga atriz para encarnar este personagem. E sabe disso.
Assim, além de obviamente tentar desempenhar da melhor forma possível o seu cargo, a governadora do Estado do Rio deve, paralelamente, investir em ações de mídia que reforcem Bené, a parte simbólica da personalidade de Benedita da Silva, a fim de que ela sobreviva a uma eventual má administração e salve a face política da governadora.
Táticas
Para atingir o objetivo estratégico descrito acima, a governadora já havia comandado algumas ações – como a nomeação de vários negros para o primeiro e segundo escalões da burocracia estadual foi a mais destacada – mas nada comparado à ?tomada do Laranjeiras?. Foi uma ação de simbolismo midiático (para falar daquele jeito empolado do pessoal da Academia) de fazer inveja a RP americano.
Para começar a frase dizendo que sempre sonhara em morar num palácio foi feita sob medida para ser vinculada a um outro mito, o da Cinderela (e todos os jornais e TVs caíram…). Mas o que me pareceu mais brilhante na ação foram as mensagens subliminares. Bené não entrou no Palácio sozinha. Levou a família, mas não membros quaisquer dela. Estavam lá a velha tia que a criara (a tradição, algo caro aos negros, assim como a outros segmentos oprimidos, pois os fazem sentir que têm um lugar no mundo); o marido e o filho (que morava em Guadalupe…), o presente; e os netos (uma adolescente centrada e um garoto que gosta de jogar bola, representando o futuro).
A mensagem de que vai deixar o Palácio aberto à visitação pública também foi uma boa providência, que pode ser muito bem explorada se, proativamente, delegações de escolas estaduais localizadas dentro ou próximas a favelas, e nas zonas Norte e Oeste forem levadas a visitas guiadas.
Resultados
A Operação Laranjeiras, foi, a meu ver, coroada de sucesso. A mídia entrou no jogo (ou foi forçada a) e acabou seguindo o script que lhe estava destinado, apesar daquele preconceito básico e inevitável (ostentado nos jornais mais nos títulos e legendas e quase nada nas matérias, bem objetivas). Obviamente, em boa parte classe média do Rio a leitura foi a de que ?a crioula está deslumbrada?, mas isso já devia estar sendo esperado: em comparação a estas pessoas, Jean-Marie Le Pen é um campeão das minorias. Elas nunca votaram e não votarão jamais em Benedita da Silva. Ou seja, essa parcela da população não é público-alvo da marca Bené.
Para o público-alvo da marca, porém, ver Bené subindo os degraus de um palácio, levando ao lado sua família composta só por negros ou mulatos, é de uma força simbólica que deverá provocar um recall duradouro e muito resistente à realidade, mesmo muito adversa. Pelo menos é o que deve esperar a governadora Benedita da Silva. Vamos ver se ela está certa não apenas em outubro, mas também nas eleições dos anos vindouros.
Picadinho
História – Um bom pano de fundo histórico para se entender melhor a importância simbólica de Bené subindo as escadas do Laranjeiras pode ser obtido vendo o filme ?Sonhos Tropicais?, de André Sturm, que enfoca os tempos de Oswaldo Cruz e da Revolta da Vacina. Agora, para mim, faltam ainda dois filmes para uma trilogia do Rio de fins do século XIX e início do século XX: um sobre uma época anterior a de ?Sonhos Tropicais?, a respeito de Dom Obá II; outro, de uma época imediatamente após, sobre a Revolta da Chibata. São três momentos, que, em conjunto, explicam muita coisa sobre o presente da ?muy leal e heróica? e do Bananão.
Diferenças – JB e Globo estão mostrando diferenças nas últimas semanas na maneira como cobrem os assuntos de segurança do Rio. O primeiro passou a dedicar espaço até para crimes que, em outros tempos, nem seriam comunicados à chefia de reportagem, quanto mais publicados (exemplo: morte de motorista em tentativa de roubo de carro em bairro da Zona Norte). Já o segundo, teve o cuidado de, depois de flagrar com fotos um assalto no Centro da cidade, colocar no dia seguinte duas fotos de flagrantes ocorridos em 1991 e 1996 na mesma região.
Vá entender… – Às vezes, é difícil entender o pensamento dos coleguinhas jornalistas esportivos. Eles passam anos vociferando contra a violência no futebol brasileiro. Aí, alguém toma a providência de fazer com que os cartões tomados por jogadores que pratiquem atos violentos sejam a principal forma de desempatar uma competição importante (no caso, o torneio Rio-São Paulo). E que fazem os coleguinhas? Atacam a idéia! O mais estranho é que os jogos se tornaram melhores tecnicamente – pois os jogadores evitam fazer faltas, o que ajuda os mais hábeis – e mais emocionantes, porque a cada falta há a ameaça de um cartão e a torcida vibra quando um troglodita é punido. Nessas horas é que me lembro de mestre João Saldanha: ?tem gente que quer o viado viva e a onça não passe fome?.
Barriga!
O Dia deu, literalmente, um furo histórico na página 2 da primeira edição do domingo, dia 28 de abril. Na legenda da foto do submarino Riachuelo, que está sendo aberto à visitação pública no Centro Cultural da Marinha, vem a surpreendente revelação, guardada por mais de 100 anos: ?o submarino Riachuelo, usado numa das batalhas da Guerra do Paraguai, estava no estaleiro desde o início do ano?
Uma contribuição revolucionária para a História como essa não devia ficar escondida numa legenda, pois não? Agora sabemos que a Marinha brasileira não se orgulha da Batalha do Riachuelo não apenas pelo heroísmo dos seus homens, mas também pelo uso de uma arma tão moderna quanto o submarino movido por motor a explosão interno, que – pensava-se antes da revelação de O Dia – só teria sido usada pela primeira vez nas guerras do Século XX.
E o mais extraordinário: a Marinha Imperial deve ter contado com a ajuda de H.G.Wells. Pois só com a máquina do tempo teria sido capaz de Riachuelo à batalha do mesmo nome. É que, segundo a própria matéria do matutino carioca, o submarino foi lançado ao mar em 1975, ou seja, 110 anos depois da refrega."