Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Como defender o português

NOTAS DE UM LEITOR

Luiz Weis

O repórter e colunista da Folha Fernando Rodrigues
e o deputado e líder do governo na Câmara Aldo Rebelo
andaram se estranhando.

Rodrigues, em 1/9, bateu pesado no projeto sobre o uso do idioma
que leva o nome do parlamentar, já aprovado no Senado, e
que seria "uma praga", "uma aberração",
"um ovo de serpente" ? ou, como o título do seu
comentário "A lei do ?rato?".

Rebelo respondeu no mesmo jornal em 23/9 ("Defender o idioma,
como a floresta"), com o argumento de que "se é
vedada a ortografia pessoal, não há o que estranhar
na iniciativa de impedir a descaracterização ostensiva
que corrói a língua portuguesa". E exemplifica:
"Que ?modernidade? nos conduz a escrever ?push? em vez de empurre?"

Rodrigues tinha preferido outro exemplo, ao observar que, segundo
o projeto, "toda palavra ou expressão escrita em língua
estrangeira e destinada ao conhecimento público no Brasil
virá acompanhada, em letra de igual destaque, do termo ou
expressão vernacular correspondente em língua portuguesa".
Ou seja, se um jornal escrever "mouse" (como o usado nos
computadores) terá de acrescentar "rato".

O colunista foi longe demais. "Hoje, querem que a imprensa
escreva rato para descrever um prosaico mouse. Daqui a pouco terão
idéias sobre o que pode ser divulgado pelos jornais",
imagina, antes de dizer que o projeto "pavimenta um caminho
perigoso contra a livre expressão de idéias no país".

A réplica do deputado é menos contundente. O ponto
central de sua argumentação é que não
se deve confundir "defesa do idioma" com "blindagem
de dicionário". E a sua defesa consistiria numa "revisão
do vocabulário ortográfico para adaptação,
ao gênio do idioma, dos monstrengos adventícios que
lá foram enfiados".

É claro que seria ridículo ter que traduzir, por
exemplo, mouse, ou e-mail, ou qualquer termo de uso já corrente
ligado à tecnologia de informação ? embora
os franceses não abram mão de seus "souris"
(em vez de mouse), "logiciel" (em vez de software), para
não falar do próprio "ordinateur" (em vez
de computer ou, concebivelmente, computeur).

Mas não é preciso ser patriota nem nacionalista para
enxergar também o ridículo rastaqüera dos "sale",
"delivery" e assemelhados que infestam o cotidiano da
língua portuguesa no Brasil.

No jornalismo, o problema não são nem os estrangeirismos.
São os maus tratos infligidos ao idioma, dia sim, o outro
também. (Aliás, é de chorar o número
de redatores que não sabem quando escrever "mau"
e quando escrever "mal").

A mais recente praga que tem chamado a atenção deste
leitor é o “sobre se”, como em: “…não
há consenso sobre se economicamente vale a pena optar pelo
cultivo…” (Estado de S.Paulo, 26/9, página A 14).
Ou, melhor ainda, juntando três desastres reais numa imaginária
frase única, “não há consenso sobre se
vale a pena direcionar esforços para disponibilizar…”.

Quando se topa com esses horrores, o impulso é dar razão
ao colunista, na sua conclusão: "Rebelo quer proteger
o idioma. Tudo bem. Mas é inútil uma lei para isso.
Bastaria o governo erradicar o analfabetismo e garantir escolas
de qualidade. Aí, é claro, fica difícil".